Pode-se dizer várias coisas do cinema americano. Que ele é burro, comercial, infantil, paternalista, conservador. Mas, não se pode negar que os americanos dominam a técnica. O filme King Kong dá um show. A fotografia - se é que podemos defini-la assim, pois o filme abusa da computação gráfica - é esplendorosa. Reconstituíram a Nova Iorque de meados dos anos 30 e a impressão que temos é que viajamos no tempo, cercados pelo clima da época, pelos trejeitos das pessoas, pelos carros.
O gorila foi totalmente digitalizado. Enviaram um ator para a selva africana onde ele observou os gestos e expressões dos gorilas que mais tarde foram digitalizados usando a mesma técnica do filme O senhor dos anéis para a criação da personagem Sméagol - inclusive o ator era o mesmo. O resultado foi um gorila cheio de expressões faciais de um realismo ímpar.
Uma cena incrível foi o estouro da manada de Brontossauros fugindo dos velociráptors com os humanos afunilados tentando escapar por baixo. Cena de videogame. A produção mostrou muito capricho e esmero. E também o filme custou os olhos da cara, 207 milhões - os americanos não tem dó de por a mão no bolso e de impressionar o resto do mundo com a riqueza de seus produtos.
A atriz, Naomi Watts, levou muito a sério o seu papel de musa do macacão e procurou dar carga dramática aos sentimentos de sua personagem; foi muito feliz. Se o King Kong gosta de beleza humana feminina o fato de ele se apaixonar por ela mostra que afinal o macaco não é bobo.
O roteiro do filme é extremamente kitsch. Tem romance, perseguição, mocinha desprotegida (e linda), empresário inescrupuloso, militar insensível, mocinho apaixonado, todos os ingredientes que o público não cansa de gostar. O que não é garantia de sucesso, mas já é um começo.
A fera é retratada possuindo grande nobreza. É fera porque vive na selva e precisa lutar para sobreviver. Mas não deixa de ter seus momentos, como quando observa o por-do-sol. Macaco com senso estético! No meio de personagens humanos indignos é um exemplo de dignidade e honra. O público, claro, vai se posicionar do lado da fera que lutou sozinha para ter o seu amor. É o poder da arte. Às vezes iconoclasta, às vezes mistificante.
Platão odiaria o filme. Na sua República baniu as artes e os artistas porque os considerava um perigoso dissolvente da estabilidade social. Talvez, no seu desejo de construir uma sociedade hierárquica e militarizada, tenha ido longe demais. Porém, é inegável que explorando as emoções o artista pode manipular o público. E as idéias estão todas ali: a nobreza do selvagem ante o civilizado ganancioso, a pureza do amor que rompe barreiras, os sonhos derrubados pela sociedade. É a vida - o que fizemos com nós mesmos?
A história do King Kong me remete ao mito grego do ciclope gigante Polifemo que se apaixona pela delicada ninfa Galatéia. Dois amores impossíveis, até por razões físicas. Mas, Polifemo era bárbaro e cruel enquanto King Kong é nobre e selvagem. Os gregos tinham outra visão do amor...