Mesmo com petróleo, Venezuela de Chávez enfrenta crise econômica
Rica em petróleo, a Venezuela de Hugo Chávez está passando por uma conturbada crise econômica. A inflação está alta (atingiu 2% em janeiro). Há desabastecimento de produtos básicos nos supermercados, como carne, leite e açúcar. E para piorar o governo criou uma tabela de preços -ao estilo do Plano Cruzado adotado no Brasil nos anos 80- que não está sendo respeitada.
Parece um contrasenso falar em crise econômica num país que fatura cerca de US$ 70 bilhões por ano com a venda de petróleo -e que usa parte dessa receita para dar ajuda financeira aos vizinhos mais pobres da América Latina. Mas a própria reação do presidente venezuelano revela a gravidade do problema.
O governo Chávez acusa os varejistas e revendedores de alimentos de tirarem carne e outros itens das prateleiras dos supermercados com o objetivo de elevar artificialmente os preços. Já os comerciantes alegam que, com o preço fixado e a inflação alta, estarão perdendo dinheiro.
A primeira medida adotada pela administração foi tabelar os preços, publicando no Diário Oficial uma lista com os valores máximos que podem ser cobrados. A idéia era controlar a inflação, que chegou perto dos 20% no ano passado -para comparação, o índice no Brasil fechou 2006 em 3,14%.
Assim como aconteceu com o congelamento instituído pelo governo José Sarney, em 1986, a tática venezuelana não deu certo.
Vendo os preços subirem e as prateleiras vazias, Chávez, há 13 dias, ameaçou estatizar açougues e supermercados que vendem acima do preço tabelado. Acusou os Estados Unidos de organizarem uma "conspiração" e disse que começaria a expropriação pelas empresas maiores do setor alimentício. Afirmou que aguardava apenas "um bom motivo" para começar.
A reportagem do portal de notícias da Globo - G1 visitou nesta semana quatro supermercados em Caracas. Viu produtos à venda acima do preço tabelado e ouviu dos venezuelanos reclamações, muitas reclamações.
Para a bancária Marcelena Escobasa, os preços de alguns produtos "ainda estão altos" e a culpa pela escassez de alimentação é do governo.
"Outro dia tive de ficar duas horas na fila de uma feira para poder comprar frango importado do Brasil. É muito bom, mas não dá para perder tanto tempo cada vez que preciso comprar frango. E faltam outros produtos também. Já passei uma semana inteira sem conseguir açúcar", disse Marcelena.
Ela era uma das milhões de venezuelanas que acompanharam Chávez na televisão dias atrás pedindo que a população se engajasse na cruzada antiinflação. O presidente tentou recrutar voluntariamente seu povo para atuar como fiscais do tabelamento de preços -no mesmo moldes dos fiscais do Sarney no Plano Cruzado.
"Denunciem, porque então vamos intervir. Vamos dar esses estabelecimentos aos conselhos comunais para que eles os administrem", afirmou Chávez na TV.
Marcelena disse que, apesar da indignação com o aumento de preços, ainda não denunciou nenhum supermercado. Mas que está disposta a fazê-lo.
O mecânico Nerio Carreros tem outra explicação para a crise econômica. Para ele, um apoiador do regime de Chávez, a culpa é dos comerciantes.
"Cada supermercado tinha preços diferentes! Por que vender aqui a um preço e em outro lugar mais caro? Quando isso acontece, o dono do estabelecimento ganha um dinheirão e o povo perde", disse Carreros.
Ele afirma ter ficado "muito feliz" com o tabelamento. "Parece que alguns supermercados ainda não obedecem, mas acho que a situação vai se resolver. Sei que o governo está fazendo isso pelas pessoas e vamos ajudar a fiscalizar."
Para a economista Ana Julia Jatar, crítica do governo Chávez, o congelamento "não tem como funcionar".
"O governo criminalizou o controle da inflação: agora quer controlá-la por meio de ameaças. Mas isso não dá resultados. Basta você ver as conseqüências: hoje temos desabastecimento, inflação alta e, ainda assim, muitos comerciantes não respeitam a tabela. Essa medida é uma negação do fato de que existe uma lei natural na economia, a lei da oferta e da demanda. É uma política de gente que não entende o princípio básico", diz a economista.
Para Ricardo Sanguino, presidente da comissão de finanças da Assembléia Legislativa, o tabelamento é necessário e será mantido.
"O controle [de preços] precisou ser feito porque alguns comerciantes querem ganhar dinheiro com a situação e para isso escondem seus produtos. Mas aqui na Venezuela estamos passando por um processo de mudança de mentalidade. Agora o interesse do ser humano vai prevalecer sobre os interesses particulares", diz Sanguino, para quem a atual crise "é apenas mais uma batalha dentro de uma guerra maior: a luta de classes".
Ele completa: "esse boicote é provocado deliberadamente por alguns grupos econômicos que não aceitam de forma alguma a proposta política-econômica-social que o governo bolivariano vem implentando. Com isso, tentam gerar descontentamento na população. Mas eles não terão êxito, a vontade do povo vai prevalecer".
A reportagem do G1 tenta há duas semanas marcar entrevistas com representantes do governo federal e obter dados oficiais sobre a economia venezuelana. Mas as assessorias de comunicação dos ministérios do governo Chávez não fornecem as informações solicitadas.
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