O que é conhecimento?
Durante séculos aceitamos como uma boa definição de conhecimento aquela inaugurada por Platão (colocada na boca de Sócrates): crença verdadeira justificada. Mas em 1963, o estadunidense Edmund Gettier, com um paper de apenas três páginas, deixou os filósofos da época, e nós que viemos depois, olhando feio para Platão e, pior, olhando feio para nós mesmos. Ele forneceu alguns exemplos de como que a nossa definição não podia se sustentar. A conseqüência disso foi uma revolução na epistemologia. Jogávamos nossas fichas na justificação, e a partir daí tivemos de desenvolver de modo melhor as teorias que apostavam não em justificação de crenças, mas nas causas da produção da crença.
O que é e o que não é conhecimento?
Durante séculos aceitamos como uma boa definição de conhecimento aquela inaugurada por Platão (colocada na boca de Sócrates): crença verdadeira justificada. Mas em 1963, o estadunidense Edmund Gettier, com um paper de apenas três páginas, deixou os filósofos da época, e nós que viemos depois, olhando feio para Platão e, pior, olhando feio para nós mesmos. Ele forneceu alguns exemplos de como que a nossa definição não podia se sustentar. A conseqüência disso foi uma revolução na epistemologia. Jogávamos nossas fichas na justificação, e a partir daí tivemos de desenvolver de modo melhor as teorias que apostavam não em justificação de crenças, mas nas causas da produção da crença.
“Crença verdadeira justificada” era a nossa definição de conhecimento porque nós, desde Platão, criamos a idéia de que um enunciado pode ser algo chamado de conhecimento na medida em que acreditamos nele, que ele é uma crença nossa, e que é uma crença verdadeira, e que essa crença verdadeira está articulada a outros enunciados que a justificam. Nessa definição, a verdade é objetiva, não há discussão sobre ela, e a discussão cai para o âmbito da justificação, esta sim sujeita às variações subjetivas. Posso dizer “eu creio que há uma banana em cima da mesa” e, então, entender perfeitamente que a proposição “há uma banana em cima da mesa” é objetiva, pois ela só possui dois valores: falsa ou verdadeira. Ou há uma banana em cima da mesa ou não há uma banana em cima da mesa. Não é sobre esse enunciado que cabe uma discussão, digamos, subjetiva. Uma vez o enunciado tendo sido pronunciado, ele é uma proposição que escapa da boca de quem o pronunciou e ganha vida objetiva, que funciona no âmbito da lógica, e está desligada da questão da percepção (da banana) e da prova (de que banana esta em cima da mesa ou não). Então, o enunciado “há uma banana em cima da mesa” é objetivo nesse sentido – ele ou é falso ou verdadeiro. Sobre ele, nenhum cético respeitável tem o que dizer. O cético, quando diz duvidar, ele diz duvidar não da verdade, mas do conhecimento. O que ele diz é que a justificação da proposição “há uma banana em cima da mesa” é que não irá nos satisfazer. Ele diz que jamais teremos conhecimento, pois podemos ter a crença na proposição “há uma banana em cima da mesa” e afirmar que tal crença é verdadeira (ou falsa), mas quando viermos a dar justificativas para a manutenção (ou não) dessa nossa crença, iremos nos complicar – sempre. Assim, desde Platão, a tarefa do filósofo que faz epistemologia ou teoria do conhecimento é a de criar mecanismos para a melhoria das justificações. Os filósofos, de fato, puderam então firmar a seguinte definição de conhecimento, mais completa ainda que a de Platão: crença verdadeira justificada, sendo que a justificação deve ser irrevogável.
Isso valeu ao menos até 1963. Pois ali nos Estados Unidos, exatamente naquele ano, o que Gettier fez foi propor o seguinte exemplo. Suponha Smith e Jones se inscrevendo para uma entrevista de emprego. Suponha também que Smith fique sabendo, diretamente pelo empregador, que não é ele que os proprietários têm em vista, e sim Jones. Este, por sua vez, aparece na entrevista e, na conversa com Smith, deixa transparecer que tem dez moedas no bolso da camisa. O que temos? Temos o seguinte:
1) Jones é o escolhido – crença verdadeira e justificada de Smith
2) Jones tem dez moedas no bolso – crença verdadeira e justificada de Smith
3) Conclusão de Smith, verdadeira e justificada: o homem escolhido tem dez moedas no bolso.
Sai o resultado da entrevista e Smith vê que é ele o escolhido, e não Jones (por alguma razão, na decisão, os patrões acharam um problema com Jones – isso não importa). Ora, Smith havia concluído, de modo correto, o enunciado verdadeiro que “o homem escolhido tem dez moedas no bolso”. Todavia, se enfiasse a mão no bolso perceberia que também tem dez moedas (havia tirado uma camisa do guarda roupa e lá já estava o dinheiro, e jamais notou – isso não importa). Eis que sua conclusão é verdadeira: “o homem escolhido tem dez moedas no bolso”. E é justificada, pois a inferência é correta: de duas crenças verdadeiras e justificadas ele tirou uma terceira, verdadeira e justificada. Todavia, não podemos dizer que essa crença de Smith, embora verdadeira, seja conhecimento, que indique que ele “sabe”. A conclusão pode ser chamada de crença verdadeira e justificada, mas as razões da justificação que poderiam nos levar a dizer que ele tem “conhecimento” não são as razões apontadas por Smith. Ele tem crença verdadeira, mas não tem conhecimento.
Essa virada de Gettier na filosofia, que poderia ter alimentado o cético, acabou não alimentando tanto quanto à primeira vista poderia parecer. Pois o que ocorreu foi que os filósofos começaram a deixar de lado a definição que apela para justificações, e passaram a buscar definições de conhecimento a partir de causas. Em vez de ter o enunciado, e então buscar justificações, agora, para se ver se há ou não conhecimento, toma-se o enunciado em questão para investigar o que o produziu. Estamos hoje no meio de investigações no campo da teoria do conhecimento que nos levam a causas – são as teorias causais do conhecimento que ganham espaço hoje em dia. E esse campo só se abriu para tais perspectivas, ao menos com tal clareza filosófica, há poucas décadas. Quem disse que a filosofia não faz progressos?
Paulo Ghiraldelli Jr.
O filósofo da cidade de São Paulo
Portal Brasileiro de filosofia
Apesar de muitas vezes utilizarmos essa perspectiva, investiganto o enunciado ao invés justificado ou refutálo, podemos não conhecer esse paper e seus desdobramentos, como foi o meu caso, que achei ótimo, com texto bem racional.