http://www.tribunadodireito.com.br/2005/julho/pg32_34.htma notícia é antiga, e em agosto de 2005 o rapaz já foi transferido pra campo grande. mas devo dizer que cheguei a me comover.
PONTA PORÃ (MS) — O juiz federal Odilon de Oliveira, 56 anos, tornou-se o inimigo número 1 dos traficantes que dominam a fronteira Brasil-Paraguai. Conseguiram sitiá-lo numa clausura absoluta imposta pela necessidade permanente de segurança pessoal diante das ameaças. Já morou no hotel de trânsito do Exército na cidade, onde está o 11º Regimento de Cavalaria Mecanizada. Mesmo ali, na madrugada de 12 de abril um pistoleiro pulou um muro de 2m5 de altura para atacá-lo, sendo rechaçado, em troca de tiros, pela guarda militar. Depois disso, o juiz mandou construir um banheiro no seu gabinete de trabalho e ali passa a semana inteira, como se fosse um preso togado, vigiado dia e noite por agentes da Polícia Federal.
Vive escondido. Esta é a sua primeira — e exclusiva — entrevista.
O juiz Odilon condenou a 28 anos de reclusão, no mês passado, o homem que há décadas era considerado o “rei da fronteira”, Fahd Jamil, mais conhecido como “Fuad” ou “Turco”, por envolvimento direto em tráfico de drogas, contrabando, sonegação fiscal e evasão de divisas. Fahd fugiu antes de ser preso. Consta nos meios policiais que teria
fugido para o Oriente Médio. A condenação do até então intocável teve forte impacto na fronteira, onde Fahd dominava como se fosse uma espécie de Don Corleone, o personagem central de Mario Puzzo em “O Poderoso Chefão”.
Desde junho do ano passado em Ponta Porã, o juiz Odilon de Oliveira, 56 anos, 18 de Magistratura federal (antes foi promotor e juiz estadual), já condenou 114 traficantes, dos quais 15 eram considerados fortíssimos na engrenagem da venda de cocaína. Ele acha que a invasão de uma dependência militar foi uma “sondagem” para testar a reação dos militares do Exército e planejar ações posteriores. “Uma intimidação”, diz. Os traficantes mandam cartas anônimas e fazem telefonemas. Querem atingi-lo de alguma maneira e, de preferência, matá-lo. O juiz acredita que o maior ódio dos traficantes vem do fato de ele aplicar penas pesadas, extraditar brasileiros escondidos no Paraguai e recuperar ativos.
O juiz, que vive trancado para se proteger, diz que perdeu a liberdade “em 100%”. “Levo uma vida esquisita, não tenho lazer algum, fico sob risco altíssimo”, revela. Seus deslocamentos são feitos num jipe Cherokee blindado, conseguido pela Polícia Federal. A família — esposa e três filhos — vive sob tensão, em outra cidade. Sua satisfação “é fazer algo pela sociedade diante da bandidagem arrogante do tráfico de drogas”. “Eles não admitem que ninguém lhes atravesse o caminho, nem que seja a Justiça”, afirma. Católico, lê a Bíblia regularmente em busca de conforto e estímulo. É um homem solitário, que evita sair, encontrar pessoas, ser visto em lugares públicos para não dar chance de ser alvo.
Pernambucano da cidade de Exu, de onde saiu ainda menino, Odilon de Oliveira criou uma metodologia ousada de trabalho. Inovou em vários pontos. Não é ortodoxo em matéria de prova: “Se a Justiça Federal, em qualquer uma de suas instâncias, se comportar com exagerada soberba em matéria de provas quanto ao tráfico de entorpecentes, deixando de compreender as dificuldades que o Ministério Público e a Polícia Federal encontram para obtê-las, também pela natureza desse crime, complexidade das organizações e modus operandi, poucas vezes se conseguirá condenar peixes grandes”, pondera. O magistrado entende que “é utopia pretender que o Estado-repressor concorra ou supere, com eficiência, a engenharia empregada na traficância internacional”. Pior, segundo ele “se dá em relação à lavagem dessa dinheirama suja, etapa em que o traficante tem a seu dispor a imensa estrutura das instituições financeiras do mundo inteiro”. Para Odilon de Oliveira “a Polícia Federal está sujeita não só à soberania dos outros países como também a limites orçamentários. Não pode invadir território alheio à caça de traficantes e do produto do tráfico de drogas. Os traficantes fazem isso livremente. Vão e vêm quando querem”. E faz a ressalva: “Não quero dizer que o Estado-repressor deva, para competir com a complexidade do crime organizado, passar a agir também à revelia das normas legais. Apenas desejo mostrar ser utopia pretender que a repressão tenha a mesma velocidade e eficiência da megatraficância e da megalavagem. O Judiciário não pode tornar-se insensível às dificuldades que a polícia encontra para conseguir provas em torno do tráfico e da lavagem.”
O juiz reúne autoridade moral e dramas pessoais e judicantes para comentar que “se o tráfico de drogas continuar sendo tratado com pajelança e a lavagem rastreada com tanta burocracia, este País, com certeza, irá se transformar num narcoBrasil e o mundo num narcomundo. Repito que o Judiciário deve compreender as dificuldades experimentadas pela Polícia Federal para encontrar provas da materialidade da autoria de crimes de tráfico. Não pode condenar inocentes, mas também não deve se comportar como um verdadeiro croupier, atado à frieza da lei e indiferente ao que se passa à sua volta. Hipocrisia e ingenuidade são um bálsamo para a megatraficância”.
O juiz dá um argumento
insofismável: “Mato Grosso do Sul mantém fronteira praticamente imaginária com o Paraguai e a Bolívia. Por isso mesmo, é líder nessa transnacionalidade delinqüencial. Não é sem razão que a Polícia Federal deste Estado, de elogiável atuação, é responsável pela apreensão de mais de 60% de toda a droga retida no Brasil. Se não fosse a ferrenha atuação, a traficância, que já produziu uma narcofronteira, já teria gerado um narcoEstado.” O juiz, que não dá um passo sem escolta policial, não tem dúvidas: “A hipocrisia e a ingenuidade conduzem à futilidade, primeiro degrau da impunidade. No crime do tráfico, o conceito de ‘conjunto probatório’, alicerce de qualquer condenação, deve ser mais bem aberto, mais flexível, guardando proporção com o aumento da engenhosidade empregada pelos narcotraficantes. A ingenuidade do Estado-repressor leva-o a uma posição meramente contemplativa.”
A abrangência da atuação da quadrilha condenada inclui a lavagem de dinheiro. O juiz explica que “a única maneira de se lavar não é através de conta corrente. Este é o meio menos empregado quando a conta corrente é da titularidade do próprio lavador. A regra geral, nesta fronteira, segunda região que mais lava dinheiro no País, é o emprego da conta corrente em nome de fantasma ou ‘laranja’, isto quando o delinqüente opta por uma instituição financeira. Outro expediente empregado é a vaca-papel. São inúmeros as formas utilizadas”. Além disso, revela, “sonega-se de tudo”.
“Inquéritos policiais, ações penais e outros procedimentos em tramitação nas Varas Federais deste Estado sugerem a existência de um monstruoso mosaico no qual se alicerçaria uma rede de sonegação de ICMS na comercialização de gado e grãos. A sensação de impunidade incentiva essas práticas criminosas e arranha a credibilidade da Justiça penal”, comenta. Acuado pelos traficantes, diz que “a sonegação é um câncer que vai carcomendo objetivos fundamentais da República, quer no pertinente ao desenvolvimento nacional, à redução das desigualdades sociais e à promoção do bem de todos”.
Tudo é perigoso para o juiz Odilon de Oliveira. Sua tribuna são os autos, a esperança está nas decisões que profere. Tudo envolto por um pesado silêncio e angustiante solidão. É triste e comovente. Mesmo os que o admiram, mas à distância, acham que ele chega a ultrapassar os limites da razão. Mas ele só obedece a um limite: o da consciência.
“Transnacionalidade delinqüencial”
PONTA PORÃ (MS) — O juiz federal Odilon de Oliveira, 56 anos, tornou-se o inimigo número 1 dos traficantes que dominam a fronteira Brasil-Paraguai. Conseguiram sitiá-lo numa clausura absoluta imposta pela necessidade permanente de segurança pessoal diante das ameaças. Já morou no hotel de trânsito do Exército na cidade, onde está o 11º Regimento de Cavalaria Mecanizada. Mesmo ali, na madrugada de 12 de abril um pistoleiro pulou um muro de 2m5 de altura para atacá-lo, sendo rechaçado, em troca de tiros, pela guarda militar. Depois disso, o juiz mandou construir um banheiro no seu gabinete de trabalho e ali passa a semana inteira, como se fosse um preso togado, vigiado dia e noite por agentes da Polícia Federal.
Vive escondido. Esta é a sua primeira — e exclusiva — entrevista.
O juiz Odilon condenou a 28 anos de reclusão, no mês passado, o homem que há décadas era considerado o “rei da fronteira”, Fahd Jamil, mais conhecido como “Fuad” ou “Turco”, por envolvimento direto em tráfico de drogas, contrabando, sonegação fiscal e evasão de divisas. Fahd fugiu antes de ser preso. Consta nos meios policiais que teria fugido para o Oriente Médio. A condenação do até então intocável teve forte impacto na fronteira, onde Fahd dominava como se fosse uma espécie de Don Corleone, o personagem central de Mario Puzzo em “O Poderoso Chefão”.
Desde junho do ano passado em Ponta Porã, o juiz Odilon de Oliveira, 56 anos, 18 de Magistratura federal (antes foi promotor e juiz estadual), já condenou 114 traficantes, dos quais 15 eram considerados fortíssimos na engrenagem da venda de cocaína. Ele acha que a invasão de uma dependência militar foi uma “sondagem” para testar a reação dos militares do Exército e planejar ações posteriores. “Uma intimidação”, diz. Os traficantes mandam cartas anônimas e fazem telefonemas. Querem atingi-lo de alguma maneira e, de preferência, matá-lo. O juiz acredita que o maior ódio dos traficantes vem do fato de ele aplicar penas pesadas, extraditar brasileiros escondidos no Paraguai e recuperar ativos.
O juiz, que vive trancado para se proteger, diz que perdeu a liberdade “em 100%”. “Levo uma vida esquisita, não tenho lazer algum, fico sob risco altíssimo”, revela. Seus deslocamentos são feitos num jipe Cherokee blindado, conseguido pela Polícia Federal. A família — esposa e três filhos — vive sob tensão, em outra cidade. Sua satisfação “é fazer algo pela sociedade diante da bandidagem arrogante do tráfico de drogas”. “Eles não admitem que ninguém lhes atravesse o caminho, nem que seja a Justiça”, afirma. Católico, lê a Bíblia regularmente em busca de conforto e estímulo. É um homem solitário, que evita sair, encontrar pessoas, ser visto em lugares públicos para não dar chance de ser alvo.
Pernambucano da cidade de Exu, de onde saiu ainda menino, Odilon de Oliveira criou uma metodologia ousada de trabalho. Inovou em vários pontos. Não é ortodoxo em matéria de prova: “Se a Justiça Federal, em qualquer uma de suas instâncias, se comportar com exagerada soberba em matéria de provas quanto ao tráfico de entorpecentes, deixando de compreender as dificuldades que o Ministério Público e a Polícia Federal encontram para obtê-las, também pela natureza desse crime, complexidade das organizações e modus operandi, poucas vezes se conseguirá condenar peixes grandes”, pondera. O magistrado entende que “é utopia pretender que o Estado-repressor concorra ou supere, com eficiência, a engenharia empregada na traficância internacional”. Pior, segundo ele “se dá em relação à lavagem dessa dinheirama suja, etapa em que o traficante tem a seu dispor a imensa estrutura das instituições financeiras do mundo inteiro”. Para Odilon de Oliveira “a Polícia Federal está sujeita não só à soberania dos outros países como também a limites orçamentários. Não pode invadir território alheio à caça de traficantes e do produto do tráfico de drogas. Os traficantes fazem isso livremente. Vão e vêm quando querem”. E faz a ressalva: “Não quero dizer que o Estado-repressor deva, para competir com a complexidade do crime organizado, passar a agir também à revelia das normas legais. Apenas desejo mostrar ser utopia pretender que a repressão tenha a mesma velocidade e eficiência da megatraficância e da megalavagem. O Judiciário não pode tornar-se insensível às dificuldades que a polícia encontra para conseguir provas em torno do tráfico e da lavagem.”
O juiz reúne autoridade moral e dramas pessoais e judicantes para comentar que “se o tráfico de drogas continuar sendo tratado com pajelança e a lavagem rastreada com tanta burocracia, este País, com certeza, irá se transformar num narcoBrasil e o mundo num narcomundo. Repito que o Judiciário deve compreender as dificuldades experimentadas pela Polícia Federal para encontrar provas da materialidade da autoria de crimes de tráfico. Não pode condenar inocentes, mas também não deve se comportar como um verdadeiro croupier, atado à frieza da lei e indiferente ao que se passa à sua volta. Hipocrisia e ingenuidade são um bálsamo para a megatraficância”.
O juiz dá um argumento
insofismável: “Mato Grosso do Sul mantém fronteira praticamente imaginária com o Paraguai e a Bolívia. Por isso mesmo, é líder nessa transnacionalidade delinqüencial. Não é sem razão que a Polícia Federal deste Estado, de elogiável atuação, é responsável pela apreensão de mais de 60% de toda a droga retida no Brasil. Se não fosse a ferrenha atuação, a traficância, que já produziu uma narcofronteira, já teria gerado um narcoEstado.” O juiz, que não dá um passo sem escolta policial, não tem dúvidas: “A hipocrisia e a ingenuidade conduzem à futilidade, primeiro degrau da impunidade. No crime do tráfico, o conceito de ‘conjunto probatório’, alicerce de qualquer condenação, deve ser mais bem aberto, mais flexível, guardando proporção com o aumento da engenhosidade empregada pelos narcotraficantes. A ingenuidade do Estado-repressor leva-o a uma posição meramente contemplativa.”
A abrangência da atuação da quadrilha condenada inclui a lavagem de dinheiro. O juiz explica que “a única maneira de se lavar não é através de conta corrente. Este é o meio menos empregado quando a conta corrente é da titularidade do próprio lavador. A regra geral, nesta fronteira, segunda região que mais lava dinheiro no País, é o emprego da conta corrente em nome de fantasma ou ‘laranja’, isto quando o delinqüente opta por uma instituição financeira. Outro expediente empregado é a vaca-papel. São inúmeros as formas utilizadas”. Além disso, revela, “sonega-se de tudo”.
“Inquéritos policiais, ações penais e outros procedimentos em tramitação nas Varas Federais deste Estado sugerem a existência de um monstruoso mosaico no qual se alicerçaria uma rede de sonegação de ICMS na comercialização de gado e grãos. A sensação de impunidade incentiva essas práticas criminosas e arranha a credibilidade da Justiça penal”, comenta. Acuado pelos traficantes, diz que “a sonegação é um câncer que vai carcomendo objetivos fundamentais da República, quer no pertinente ao desenvolvimento nacional, à redução das desigualdades sociais e à promoção do bem de todos”.
Tudo é perigoso para o juiz Odilon de Oliveira. Sua tribuna são os autos, a esperança está nas decisões que profere. Tudo envolto por um pesado silêncio e angustiante solidão. É triste e comovente. Mesmo os que o admiram, mas à distância, acham que ele chega a ultrapassar os limites da razão. Mas ele só obedece a um limite: o da consciência.
Fahd Jamil — e mais seis réus
PONTA PORÃ (MS) — O processo em que Fahd Jamil foi condenado tem sete réus, todos acusados de tráfico internacional, usando aviões, veículos e propriedades, e também associação para o comércio ilegal de drogas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Fahd foi condenado a 18 anos e três meses de reclusão e teve vários bens confiscados. Os outros condenados são Ariovaldo Carvalho de Lima, Vicente Léo Rocha Antunes, José Edson do Amaral, Mauro Alberto Parra Espíndola, Ubiratan Brescovit e Landolfo Fernandes Antunes (ex-prefeito de Ponta Porã).
O juiz Odilon de Oliveira rejeitou a pretensão da defesa, que queria ver na denúncia oferecida um detalhamento especificando a conduta dos réus e descrição do local exato onde os fatos teriam acontecido. “A denúncia não indica o local exato do crime, mas aponta que os delitos do tráfico ocorreram na fronteira Brasil-Paraguai, com origem na Bolívia ou na Colômbia, quando se trata de cocaína (...) Basta que se indique a região onde o traficante atua. Quando existe apreensão, aí, sim, a denúncia aponta o respectivo local e data. A indicação do período em que ocorreram os fatos é suficiente”, revela. De acordo com o juiz, “a peça acusatória não padece de qualquer vício formal, embora o Ministério Público Federal tenha encontrado dificuldades para retratar a realidade. Se a culta defesa entende que os fatos nela noticiados não ocorreram, a questão será outra. Dirá respeito ao mérito e não à forma com que o MPF espalmou suas conclusões sobre o que leu e extraiu dos documentos que a instruem”.
O juiz procurou fazer uma costura entre realidade da fronteira (“infestada de traficantes”) e a prova colhida, que inclui depoimentos de traficantes. No caso de um deles, Valdemar Pavão, o magistrado considerou que “o fato não desmerece sua delação. Não consta dos autos que ele tenha sido processado por falso testemunho e é impossível que alguém conheça tantos detalhes sem estar falando a verdade”. Outra testemunha deu informações à CPI do Narcotráfico e foi reticente em juízo. O juiz interpretou a mudança: “Justificável o pavor, ainda mais quando se sabe que o serviço de proteção a testemunhas e a indiciados ou acusados delatores, além de não garantir efetiva segurança tem caráter provisório. Um dia, o sujeito deixa esse arremedo de proteção e o delatado manda eliminá-lo”, afirma.
Todos os réus negaram as acusações. O juiz não se importou. “Restou sobejamente provado ter havido associação entre todos os réus, cada um com interesses específicos, próprios individualizados quanto ao projeto pessoal caracterizado pelo mórbido desejo de ganhar dinheiro. Estrutura empresarial, um fazendo sua parte para o sucesso de todos. É um caso típico de crime organizado, com características de máfia”, conta.
O juiz explica o que chama de “vaca-papel”: “É o depósito do dinheiro proveniente do tráfico e seu posterior emprego em compra de bens, voltando o produto dessa comercialização a ser depositado na conta corrente do autor do crime. A ocultação ou a dissimulação é apenas o objeto da conversão. A consumação se dá com a mera conversão ou transformação do valor ilícito em ativo lícito. A compra de gado com o dinheiro obtido do tráfico é um dos exemplos.”
No processo de Fahd Jamil, o juiz convenceu-se de que “os réus ocultaram mediante conversão ou converteram para ocultar, e efetivamente ocultaram. Converteram dinheiro sujo em dinheiro limpo”. (PS)
Fahd, “Fuad”, “Turco”...
PONTA PORÃ (MS) — O nome de Fahd inspirava pavor na fronteira. Fez fortuna contrabandeando café e avançou em outros setores do contrabando, fatiados entre os generais paraguaios corruptos. Soja, açúcar, gado, cavalos, exportação de carne, investimentos variados e até sociedade num jornal local. Os criminosos da fronteira eram obrigados a reverenciá-lo no estilo imposto — pedágios obrigatórios e devolução de carros roubados quando ele dava ordem nesse sentido.
A mansão onde morava era uma réplica da casa do cantor Elvis Presley, decorada e equipada com os produtos mais sofisticados no mundo. O carro, um Cadillac, tinha pneus especiais, que poderiam rodar pelos menos dois quilômetros depois de metralhados. Quando o amigo Nelson Rossati foi fuzilado em frente ao restaurante “Pepe”, mandou fechar a fronteira. O delegado Sérgio Paranhos Fleury, cacique da repressão política nos “anos de chumbo”, foi autorizado a entrar com sua equipe. Queria saber do paradeiro de um pistoleiro acusado de matar um alto funcionário da Casa Civil do Governo local. “Fuad” recebeu-o amistosamente, num jantar no cassino que possuia, onde canos poucos discretos de armas pesadas mexiam-se por trás de cortinas vermelhas. “O senhor quer esse sujeito de pé ou deitado?”, perguntou a Fleury. “De pé”, respondeu o delegado. Fuad prometeu que se o procurado estivesse em qualquer ponto do Paraguai seria entregue “amarrado”, no dia seguinte ao meio-dia. Esgotado o prazo, “Fuad” garantiu que o pistoleiro não estava lá. Fleury agradeceu e partiu, imediatamente.
Um chefe da Polícia Federal em Campo Grande conseguiu prender “Fuad”. Uma prisão preventiva pedida por ele, por contrabando de café, fôra decretada em Curitiba. “Fuad” saiu da cadeia com um habeas-corpus concedido em tempo recorde. O delegado foi imediatamente removido para bem longe. O diretor da PF, em Brasília, era um coronel do Exército. “Fuad” foi recebido lá. Chegou em carro oficial do Senado. O coronel pediu desculpas, reverentemente. “Fuad” nem cobrou que havia contribuído com um fantástico estoque de bebidas, que um avião oficial foi buscar em Ponta Porã, para a posse do presidente João Figueiredo. Depois de muitas mesuras, o coronel acompanhou-o até o elevador. “Fuad” retirou-se, triunfante, acenando da janela do carro de um senador para os funcionários da PF que se acotovelavam nas janelas do prédio para vê-lo.
Certa vez, o afilhado “Joaquinzinho” foi consultá-lo. Tinha recebido US$ 500 mil do ex-ditador da Nicarágua, Anastácio Somoza, refugiado no Paraguai após ser derrubado do governo, para investimento no contrabando de café e que acabou sendo morto em Assunção com um tiro de bazuca que atingiu o carro onde estava. “E agora, que faço?”, procurou aconselhar-se “Joaquinzinho”. O padrinho olhou para ele respondeu em segundos: “O que você faz? Faça um churrasco!”.
Também mandou dar uma surra em um dos donos de um jornal do Estado. “Ajudei a importar novo maquinário, emprestei dólares e ele ainda me criticou. Qualquer um pode fazer isso. Menos ele”, alegou. O espancado foi recuperar-se em São Paulo e nunca quis denunciar a agressão que resultou em graves lesões corporais.
O império “Fuad” durou três décadas. Surgiu uma pedra intransponível no fim do caminho: o juiz Odilon de Oliveira, da cidade de Ponta Porã, justamente o lugar onde “Fuad” sempre reinou, intocável. (PS)