Autor Tópico: Texto: o que se entende por arte  (Lida 5152 vezes)

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Offline Mr."A"

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Texto: o que se entende por arte
« Online: 23 de Março de 2007, 10:28:54 »
Gostaria de dividir com vocês um dos textos que li no vestibular que fiz para esse ano:

OBS: o título do texto, O QUE SE ENTENDE POR ARTE, eu retirei de uma página à parte na net, que coincidentemente pertence também a uma prova (UNISC).




Se perguntarmos hoje a um homem de cultura mediana o que ele entende por arte, é provável que na sua resposta apareçam imagens de grandes clássicos da Renascença, um Leonardo da Vinci, um Rafael, um Michelangelo: arte lembra-lhe objetos consagrados pelo tempo, e que se destinam a provocar sentimentos vários e, entre estes, um, difícil de precisar: o sentimento do belo.

Essa resposta fere, sem dúvida, alguns aspectos importantes da obra de arte. A objectualidade: um quadro, por exemplo, é um ser material. E o efeito psicológico: uma obra é percebida, sentida e apreciada pelo receptor, seja ele visitante de um museu ou espectador de um filme.

Mas, é necessário convir, o nosso interrogado é sempre um homem do seu tempo, alguém que nasceu e cresceu entre os mil e um engenhos da civilização industrial, e que tende a ver em todas as coisas possibilidades de consumo e fruição. Ter ou desejar ter uma gravura, um disco ou um livro finamente ilustrado é o seu modo habitual de relacionar-se com o que todos chamam de arte. Tal comportamento, embora se julgue mais requintado que o prazer útil de usar um bonito liquidificador, afinal também está preso nas engrenagens dessa máquina em moto contínuo que é o consumo, no caso o mercado crescente de bens simbólicos.

Constatar, porém, o uso social da pintura e da música, ou a sua função de mercadoria, não deve impedir-nos de ver antropologicamente a questão maior da natureza e das funções da arte. É preciso refletir sobre este dado incontrolável: a arte tem representado, desde a Pré-História, uma atividade fundamental do ser humano. Atividade que, ao produzir objetos e suscitar certos estados psíquicos no receptor, não esgota absolutamente o seu sentido nessas operações. [...]

[...]

A arte é um fazer. A arte é um conjunto de atos pelos quais se muda a forma, se transforma a matéria oferecida pela natureza e pela cultura. Nesse sentido, qualquer atividade humana, desde que conduzida regularmente a um fim, pode chamar-se artística. Para Platão exerce a arte tanto o músico encordoando a sua lira quanto o político manejando os cordéis do poder ou, no topo da escala dos valores, o filósofo que desmascara a retórica sutil do sofista e purga os conceitos e toda ganga de opinião e erro para atingir a contemplação das Idéias.

A arte é uma produção: logo, supõe trabalho. Movimento que arranca o ser do
não ser, a forma do amorfo, o ato da potência, o cosmos do caos. Techné chamavam-na os gregos: modo exato de perfazer uma tarefa, antecedente de todas as técnicas dos nossos dias.

A palavra latina ars, matriz do português arte, está na raiz do verbo articular, que denota a ação de fazer junturas entre as partes de um todo. Porque eram operações estruturantes, podiam receber o mesmo nome de arte não só as atividades que visavam a comover a alma (a música, a poesia, o teatro), quanto os ofícios de artesanato, a cerâmica, a tecelagem e a ourivesaria, que aliavam o útil ao belo. Aliás, a distinção entre as primeiras e os últimos, que se impôs durante o Império Roman o, tinha um claro sentido econômico-social. As artes liberales eram exercidas por homens livres; já os ofícios, artes serviles, relegavam-se a gente de condição humilde. E os termos artista e artífice (de artiflex: o que faz a arte) mantêm hoje a milenar oposição de classe entre o trabalho intelectual e o trabalho manual.

O pensamento moderno recusa, não raro, o critério hierárquico dessa lassificação. O exercício intenso da criação demonstra, ao contrário, que existe uma atração fecunda entre a capacidade de formar e a perícia artesanal. No pintor trabalham em conjunto a mão, o olho e o cérebro. No mais humilde dos trabalhadores manuais, adverte Gramsci, há uma vida intelectual, às vezes atenta e aguda, dobrando e plasmando a matéria em busca de novas formas, ainda que, no jogo social, o artífice não receba o grau de reconhecimento prestado ao artista.

Platão viu luminosamente a conexão que existe entre as práticas ou técnicas e
a metamorfose da realidade:

“Sabes que o conceito de criação (poiesis) é muito amplo, já que seguramente tudo aquilo que é causa de que algo (seja o que for) passe do não ser ao ser é criação, de sorte que todas as atividades que entram na esfera de todas as artes são criações; e os artesãos destas são criadores ou poetas (poietés)” (O Banquete).

O conceito de arte como produção de um ser novo, que se acrescenta aos fenômenos da natureza, conheceu alguns momentos fortes na cultura ocidental. E tomou feições radicais na poética do Barroco, quando se deu ênfase à artificialidade da arte, ou seja, à distinção nítida entre o que é dado por Deus aos homens e o que estes forjam com o seu talento. No século XX, as correntes estéticas que se seguiram ao Impressionismo levaram ao extremo a convicção de que um objeto artístico obedece a princípios estruturais que lhe dão o estatuto de ser construído, e não de ser dado, “natural”. Matisse, abordado por uma dama a propósito de um quadro seu com o comentário “Mas eu nunca vi uma mulher como essa!”, replicou, cortante: “Madame, isto não é uma mulher, é uma tela”.

BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. 7. ed. São Paulo: Ática, 2004. p. 7-14. (Série Fundamentos).
8-)

Offline Quereu

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Re: Texto: o que se entende por arte
« Resposta #1 Online: 23 de Março de 2007, 12:03:33 »
Eu sou um fã descarado do Steven Pinker, confesso-vos. Ele afirma que arte é uma tecnologia de prazer. Explico-me: o cérebro tem circuitos que provocam prazer quando dadas circunstâncias materiais se apresentam. Foi uma maneira que a natureza encontrou para fazer o animal buscar aquilo que lhe fosse benéfico associando-o ao prazer. Mas certos produtos são capazes de ativar os mais diversos circuitos, sobrecarregando-os, e provocar um prazer de intensidade muito maior do que o previsto. É o caso das drogas. Elas "ligam" muitos circuitos simultaneamente e conferem um prazer sem objetivo "natural". O mesmo se dá com certos alimentos, principalmente o açucar que misturado a outros faz uma isca alimentar irresistível.

A arte, ligando e desligando circuitos cerebrais associados ao prazer e a dor, emulando instintos, produz incríveis sensações de prazer também sem objetivos. O artista é aquele sujeito que se especializa em criar maneiras de estimular certos centros cerebrais de prazer.

Coloco essa definição de arte, mais materialista, em contraposição às definições mais, digamos, metafísicas. O encanto e a perplexidade que muitas vezes sentimos diante de uma obra de arte tende a toldar nossa avaliação objetiva dela e tratamo-la como algo intangível, insubstancial, que acaba levando, no meu entender, a mistificações.

Mas é justamente a mistificação da arte que causa o deleite e dele me faço vítima para fruir seu encanto. É maneira de romper a minha armadura cética, de falar com os anjos, de acreditar em algo mais.
A Irlanda é uma porca gorda que come toda a sua cria - James Joyce em O Retrato do Artista Quando Jovem

 

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