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EL PAIS04/04/2007"Tibete sofre genocídio cultural", diz Dalai LamaRicardo M. de RituertoAos 71 anos, o Dalai Lama, chefe espiritual do budismo tibetano e líder político do Tibete até 1959, quando teve de fugir da ocupação chinesa, é a encarnação de uma causa aparentemente perdida: conseguir para o Tibete um verdadeiro regime de autogoverno democrático dentro das fronteiras da República Popular da China. Seria a efetivação de um direito que a Constituição chinesa reconhece, mas que Pequim se nega a conceder a esse Nobel da Paz (1989), de cujas intenções desconfia e do qual exige que reconheça o Tibete e Taiwan como partes integrais da China. Apesar do distanciamento, representantes tibetanos e de Pequim realizaram cinco rodadas de negociações desde 2002, que segundo a parte tibetana foram inúteis.Entrevistado em sua residência em McLeod Ganj, na parte alta de Dharamsala, a cidade indiana transformada em capital do exílio tibetano, o Dalai Lama mostra-se um homem vigoroso.El País - O Tibete está à beira da extinção?Dalai Lama - Cerca de 300 mil pessoas viviam em Lhasa e hoje dois terços da população são chineses. Com a estrada de ferro [desde julho de 2006] chegam diariamente umas 4 mil pessoas, muitas das quais ficam no Tibete. É bom que venham turistas, mas também chegam trabalhadores não-qualificados que ficam. A nova população aumenta e os tibetanos já são minoria em sua própria terra. Na educação insistem em ensinar o idioma chinês, e dizem aos pais para que seus filhos estudem chinês. Eles estão deixando de usar a língua tibetana. O Tibete sofre um genocídio cultural, está em perigo de extinção.EP - Mas o senhor se diz otimista sobre o futuro, apesar dos ataques que as autoridades chinesas lhe dirigem.Dalai Lama - Das jornadas de ensino do budismo tibetano nestes dias em Dharamsala participaram cerca de cem chineses, em janeiro me reuni no sul da Índia com mais de 200. Também me encontrei com empresários e outras pessoas da República Popular, muitas delas interessadas no budismo tibetano. Há tibetanos no Tibete que ensinam budismo para quase um milhão de chineses, inclusive chefes do Partido Comunista. A liberdade de expressão está aumentando na China. Tudo isso são sinais positivos. A transformação da China produzirá mudanças, e a liderança política não pode continuar sendo a mesma indefinidamente. Afinal, a atitude da população será crucial.EP - Como pode funcionar um Tibete autônomo em que os tibetanos são minoria?Dalai Lama - O problema é que temos visitantes que não foram convidados. Se seu comportamento for bom, não haverá problemas. Há uma agressão demográfica que nos inquieta. Também nos preocupa o meio ambiente: os rios têm menos água. Mas as autoridades chinesas têm planos para aumentar a população de Lhasa para 700 mil. Como não desejamos a independência, a cultura tibetana fará parte da chinesa, a enriquecerá.EP - Seu plano para uma autonomia plena do Tibete na China, a chamada Via Intermediária, não parece ter agradado a Pequim e provoca dúvidas no próprio Parlamento tibetano no exílio.Dalai Lama - Como em todo país comunista, na China há diferenças entre as declarações públicas e a verdadeira opinião pública. As coisas estão mudando. Os comunistas chineses são comunistas sem ideologia comunista. Eu não tenho nada contra o marxismo. É bom para os pobres. Mas os líderes chineses já não se preocupam com eles, só pensam no poder e no dinheiro, e não poderão continuar assim indefinidamente. Mas isso aumenta o ressentimento da classe trabalhadora. Tem de haver mudanças. Também é verdade que está aumentando a frustração dos tibetanos no exílio com a Via Intermediária.EP - Por quanto tempo poderá conter essa frustração entre os seus seguidores?Dalai Lama - As pessoas não gostaram da idéia da Via Intermediária.Foram apresentadas quatro propostas, houve um ano de debates e afinal me pediram que julgasse qual era a melhor, e eu disse a Via Intermediária. Se fracassar, será preciso voltar a consultar as pessoas. Somos uma democracia e o povo deve se pronunciar. Ainda é cedo para dizer que fracassou.EP - Os tibetanos perderão a confiança em sua liderança se sua proposta fracassar?Dalai Lama - Eu assumi a responsabilidade política aos 16 anos. Mesmo sendo o Dalai Lama, o regente controlava a política no Tibete. Pouco a pouco vou abandonando a responsabilidade política. Na realidade estou semi-aposentado da política desde 2001, quando cedi a autoridade política os políticos. Hoje atuo como um conselheiro importante. O Dalai Lama já não tem poder.EP - Há alguns dias se comemorou em sua homenagem a cerimônia especial da Longa Vida, porque os tibetanos temem que este ano, em que o senhor completa 73, segundo o calendário lunar tibetano, será especialmente difícil. Que perigos o senhor acredita que o espreitam?Dalai Lama - Sou budista e creio que cada acontecimento tem conseqüências. Mas não creio na astrologia.EP - O senhor disse em sua intervenção de ação de graças no templo que esperava viver mais duas décadas para continuar lutando pela causa tibetana.Dalai Lama - Sim, é possível. Tenho boa saúde e um espírito jovem. Posso agüentar.EP - Dizem que a China espera sua morte para dar um fim ao conflito. Conseguirá fazer isso?Dalai Lama - Com minha morte se dará um passo atrás. Será um choque mental e emocional para muitos tibetanos. Mas o espírito continuará: a questão tibetana é tibetana, não do Dalai Lama. Por isso introduzi a democracia e há eleições a cada cinco anos. Eu digo aos tibetanos que devem atuar como se não houvesse Dalai Lama. Devem assumir sua responsabilidade. Nossa luta é justa e no final ganharemos.EP - Seu desaparecimento abrirá um período de incerteza de vários anos que poderá beneficiar os interesses de Pequim…Dalai Lama - Temos um sistema de eleição democrática dos dirigentes políticos que vai continuar. Todos os chefes religiosos estão no exílio na Índia. Embora sejam bastante idosos, também há gente jovem muito qualificada na vertente espiritual. Se o povo tibetano quiser que o Dalai Lama continue, ótimo, mas a instituição do Dalai Lama desaparecerá se o povo tibetano acreditar que não serve. Há anos eu digo que devemos voltar à tradição budista da Índia. Depois da morte de Buda não houve reencarnação e o budismo continuou vivo. Houve mais de mil anos sem reencarnações. Precisamos de bons professores, bons praticantes, mentes brilhantes… É um erro confiar em uma só pessoa.EP - A reencarnação é discutível?Dalai Lama - É algo que está no budismo e outras tradições antigas: é a continuação da vida. A reencarnação da instituição é mais um sistema social. Isso mudará.EP - Não há muitos jovens monges que seriam mais úteis ao Tibete fora dos templos?Dalai Lama - Nos mosteiros podem trabalhar com tecnologia. Estamos preocupados com a população, que não aumenta. Os monges e as monjas devem assumir a responsabilidade de ter mais filhos e deixar os votos para mais tarde. Pode-se ser budista laico, com mulher e filhos. E voltar ao mosteiro mais tarde.EP - Como se conciliar a ciência, pela qual o senhor tanto se interessa, com a reencarnação?Dalai Lama - O conceito de reencarnação vem do carma, da lei da causalidade, que é algo científico. Os cientistas dizem que não sabem. Eu lhes digo que isso não é coisa deles, é uma questão dos budistas. Nós budistas temos algumas explicações, incluindo algumas experiências. É difícil provar.EP - De quê o senhor fala em seus encontros com outros líderes religiosos?Dalai Lama - Sempre falo de valores humanos e harmonia religiosa. Uma vez um primeiro-ministro da Suécia me disse que o problema do Tibete era assunto de seu ministro das Relações Exteriores, que ele queria falar de espiritualidade. Com João Paulo 2º, desde o primeiro encontro concordamos sobre a necessidade de que houvesse plena harmonia entre as religiões, de que era preciso introduzir mais espiritualidade na sociedade. Também falei algumas vezes com ele sobre o Tibete. Eu sempre digo que é preciso estudar muito, ampliar a mente, que não é suficiente rezar e fechar os olhos. A religião racional sem conhecimentos se transforma em religião irracional. É uma pena.EP - Em um mapa encontrado na entrada de sua residência se vê uma China com seu território reduzido à metade, com o Tibete e o Turquestão (a província chinesa de Xinjiang) como países independentes. Não é de estranhar que em Pequim desconfiem do senhor e o chamem de tudo.Dalai Lama - Os chineses deveriam aceitar o caso do Tibete, essa é a verdade. No século 21, a soberania nacional não é importante; o importante é o interesse comum. Por isso nos interessa continuar dentro da República Popular da China.EP - O senhor viaja há décadas pelo mundo expondo a causa do Tibete sem conseguir apoio de outros governos.Dalai Lama - Exceto uma visita a Bruxelas e outras a Washington, não fui recebido por líderes políticos. A mim interessam as reuniões públicas, com intelectuais, com figuras da sociedade civil. Nenhum governo pode oferecer uma verdadeira solução para o Tibete.Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2007/04/04/ult581u2058.jhtm
entre os líderes religiosos, sem dúvida um dos mais progres e lúcidos…