Autor Tópico: Freudo-Marxismo  (Lida 1539 vezes)

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Eriol

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Freudo-Marxismo
« Online: 06 de Abril de 2007, 17:32:47 »
Introdução à Eros E Civilização - Herbert Marcuse

A proposição de Sigmund Freud, segundo a qual a civilização se baseia na permanente subjugação dos instintos humanos, foi aceita como axiomática.

A sua interrogação, sobre se os benefícios da cultura teriam compensado o sofrimento assim infligido aos indivíduos, não foi levada muito a sério
ainda menos quando o próprio Freud considerou o processo inevitável e irreversível. A livre gratificação das necessidades instintivas do homem é incompatível com a sociedade civilizada: renúncia e dilação na satisfação constituem pré-requisitos do progresso. Disse Freud: A felicidade
não é um valor cultural . A felicidade deve estar subordinada à disciplina do trabalho como ocupação integral, à disciplina da reprodução monogâmica, ao sistema estabelecido de lei e ordem. O sacrifício metódico da libido, a sua sujeição rigidamente imposta às atividades e expressões socialmente úteis, é cultura. O sacrifício compensou bastante: nas áreas tecnicamente avançadas da civilização, a conquista da natureza está praticamente concluída, e mais necessidades de um maior número de pessoas são satisfeitas numa escala nunca anteriormente vista.

Nem a mecanização e padronização da vida, nem o empobrecimento mental, nem a crescente destrutividade do atual progresso, fornecem bases suficientes para pôr em dúvida o princípio que tem governado o progresso da civilização ocidental. O contínuo incremento da produtividade torna
cada vez mais realista, de um modo constante, a promessa de uma vida ainda melhor para todos. Contudo, o progresso intensificado parece estar
vinculado a uma igualmente intensificada ausência de liberdade. Por todo o mundo da civilização industrial, o domínio do homem pelo homem cresce em âmbito e eficiência. Essa tendência tampouco se apresenta como uma regressão incidental, transitória, na senda do progresso. Os campos de concentração, extermínios em massa, guerras mundiais e bombas atômicas não são recaídas no barbarismo, mas a implementação irreprimida das conquistas da ciência moderna, da tecnologia e dominação dos nossos tempos. E a mais eficaz subjugação e destruição do homem pelo homem
tem lugar no apogeu da civilização, quando as realizações materiais e intelectuais da humanidade parecem permitir a criação de um mundo verdadeiramente livre.

Esses aspectos negativos da cultura moderna podem muito bem indicar o obsoletismo das instituições estabelecidas e a emergência de novas formas de civilização: a repressão é, talvez, mantida com tanto mais vigor quanto mais desnecessária se torna. Se, com efeito, deve pertencer à essência da civilização como tal, então a interrogação de Freud quanto ao preço da civilização não teria qualquer sentido pois não haveria alternativa. Mas a própria teoria de Freud fornece-nos razões para rejeitarmos a sua identificação de civilização com repressão. Com base em suas próprias realizações teóricas, o exame do problema deve ser reaberto. A relação entre liberdade e repressão, produtividade e destruição, dominação e progresso, constituirá realmente o princípio de civilização? Ou essa inter-relação resultará unicamente de uma organização histórica específica da existência humana? Em termos freudianos, o conflito entre princípio de prazer e princípio de realidade será irreconciliável num grau tal que necessite a transformação repressiva da estrutura instintiva do homem? Ou permitirá um conceito de civilização não-repressiva, baseada numa experiência fundamentalmente diferente de ser, numa relação fundamentalmente diferente entre homem e natureza, e em fundamentalmente diferentes relações existenciais?

A noção de uma civilização não-repressiva será examinada, não como uma especulação abstrata e utópica. Acreditamos que o exame está justificado com base em dois dados concretos e realistas: primeiro, a própria concepção teórica de Freud parece refutar a sua firme negação da possibilidade histórica de uma civilização não-repressiva; e, segundo, as próprias realizações da civilização repressiva parecem criar as pré-condições para a gradual abolição da repressão. Para elucidarmos esses dados, tentaremos reinterpretar a concepção teórica de Freud, segundo os termos de seu próprio conteúdo sócio-histórico.

Tal procedimento implica oposição às escolas revisionistas neo-freudianas. Em contraste com os revisionistas, acredito que a teoria de Freud é, em sua própria substância, sociológica , e que nenhuma nova orientação cultural ou sociológica é necessária para revelar essa substância. O biologismo de Freud é teoria social numa dimensão profunda, que tem sido obstinadamente nivelada pelas escolas neo-freudianas. Ao transferirem a ênfase do
inconsciente para o consciente, dos fatores biológicos para os culturais, suprimem as raízes da sociedade nos instintos e, em vez disso, colocam a sociedade no nível em que se defronta com o indivíduo em seu meio pré-fabricado, sem indagarem de suas origens e legitimidade. A análise neo-freudiana desse meio sucumbe, pois, à mistificação de relações sociais, e sua crítica move-se apenas dentro da firmemente sancionada e bem protegida esfera das instituições estabelecidas. Por conseqüência, a crítica neo-freudiana, numa acepção estrita, mantém-se ideológica: carece de base conceitual fora do sistema estabelecido; a maior parte de suas idéias e valores críticos é subministrada pelo sistema. A moralidade idealista e a religião celebram sua feliz ressurreição; ò fato de estarem adornadas com o vocabulário da própria Psicologia que originalmente refutou suas pretensões mal esconde sua identidade com atitudes oficialmente desejadas e divulgadas. Além disso, acreditamos que os vislumbres mais penetrantes e concretos da estrutura histórica da civilização estão contidos, precisamente, nos conceitos que os revisionistas rejeitam. Quase toda a metapsicologia freudiana, sua tardia teoria dos instintos, sua reconstituição da pré-história da humanidade, pertencem a esses conceitos. O próprio Freud tratou-os como simples hipóteses operacionais, úteis na elucidação de certas obscuridades, no estabelecimento de ligações provisórias
entre concepções teoricamente distintas acessíveis sempre à correção e a serem rejeitadas logo que deixassem de facilitar o progresso da teoria e prática psicanalíticas.

No desenvolvimento pós-freudiano da Psicanálise, essa metapsicologia foi quase inteiramente eliminada. Logo que a Psicanálise se tornou social e cientificamente respeitável, livrou-se de especulações comprometedoras. Na verdade, comprometedoras eram, em mais de um sentido: não só transcenderam o domínio da observação clínica e da utilidade terapêutica, mas também se abalançaram a interpretar o homem em termos muitíssimo mais ofensivos para os tabus sociais do que o anterior pansexualismo de Freud termos esses que revelaram a base explosiva da civilização. O exame
subseqüente tentará aplicar as concepções tabus da Psicanálise (tabus até na própria Psicanálise) a uma interpretação das tendências básicas da civilização. A finalidade do presente ensaio é contribuir para a filosofia da Psicanálise não para a Psicanálise em si. Move-se exclusivamente no terreno da teoria e mantém-se fora da disciplina técnica em que a Psicanálise se converteu. Freud desenvolveu uma teoria do homem, uma psicologia no sentido mais estrito do termo. Com essa teoria, Freud colocou-se na grande tradição da Filosofia e ao abrigo de critérios filosóficos. A nossa preocupação não é com uma interpretação corrigida ou aumentada dos  conceitos freudianos, mas com as suas implicações filosóficas e sociológicas. Conscienciosamente, Freud distinguiu a sua Filosofia da sua Ciência: os neo-freudianos negaram a maior parte da primeira. Em bases terapêuticas, tal rejeição pode estar perfeitamente justificada. Contudo, nenhum argumento terapêutico deveria impedir o desenvolvimento de uma construção teórica que almeja não à cura da enfermidade individual, mas ao diagnóstico de uma perturbação geral.

o resto do livro aqui: http://www.4shared.com/file/12789152/c809586f/Herbert_Marcuse_-_Eros_e_Civilizao.html
« Última modificação: 06 de Abril de 2007, 17:56:32 por Rodrigo »

rizk

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Re: Freudo-Marxismo
« Resposta #1 Online: 06 de Abril de 2007, 18:11:14 »
Ando muito apaixonada por esses rapazes e estou caçando nas livrarias. Você parece ter uma boa formação e gostaria de poder contar com uma bibliografia comentada e indicações de leitura introdutória.

E a pergunta que não quer calar: diz-se "freudo" ou "fróido"?

Eriol

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Re: Freudo-Marxismo
« Resposta #2 Online: 06 de Abril de 2007, 19:03:49 »
uff… a "boa formação" é mais aparência que qualquer coisa… Vou estudando pouco a pouco o que eu consigo entender…

eu "sempre" (umas 2 vezes) disse "Freudo", mas agora você me deixou na dúvida…

vamos ver… da escola de Frankfurt creio que Marcuse (sendo o livro supracitado o mais importante) e Fromm ("O Medo À Liberdade") são os grandes (Habermas e Horkheimer também, mas centrados em epistemologia).

Marcuse se mantém mais ou menos ortodoxo em quanto à importância do instinto sexual e aplicando a teoria freudiana, que vê como sociológica, na formação de uma sociedade o menos reprimida possível, que seria uma sociedade socialista, livre de alienação.

Já Fromm coloca o enfoque, contrário a muitos marxistas deterministas, na liberdade, e teoriza sobre como "voluntariamente" abdicamos a ela submetendo-nos à regimes autoritários… Não sei se pela sua educação judia, ele também tem idéias de bem e mal. Se define como "socialista comunitário humanista". Argumenta que só na sociedade socialista chegaríamos a compreender e aceitar nossa liberdade.

Althusser, posterior, mas também freudo-marxista, trabalha muito como a alienação… Que eu saiba não escreveu nada volumoso, mas ensaios como "Ideologia E Aparatos Ideológicos de Estado" são importantes.

Sei que Foucault também se poderia juntar ao grupo, mas dele não sei quase nada…

---

sem brincadeira, se não tiver professores que entendam do assunto e te possam ser mais úteis, aqui tem pelo menos uns 5 doutores em filosofia… http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1562400

EDIT: abri um tópico, já recomendaram um tal Fredric Jameson... Acompanha lá

http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=1562400&tid=2525165926508677815&start=1
« Última modificação: 06 de Abril de 2007, 19:18:58 por Rodrigo »

Offline Eremita

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Re: Freudo-Marxismo
« Resposta #3 Online: 07 de Abril de 2007, 03:04:42 »
Baixei o livro. O excerto que você passou parece interessante, mas tô sem cérebro pra pensar nele agora. E anotei os autores que você recomendou pra Mimi.

E, embora não tenha citado Marx em momento nenhum no texto, é gritante em como ele se relaciona com a ótica marxista de sociedade, Estado e repressão.
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Offline Rodion

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Re: Freudo-Marxismo
« Resposta #4 Online: 07 de Abril de 2007, 03:37:07 »
olha. não estamos falando exatamente da minha área de interesse ou de estudo, mas um pitaco;
Citar
Marcuse se mantém mais ou menos ortodoxo em quanto à importância do instinto sexual e aplicando a teoria freudiana, que vê como sociológica, na formação de uma sociedade o menos reprimida possível, que seria uma sociedade socialista, livre de alienação.
não vejo como um sistema anti-individualista possa implicar menor repressão possível.
"Notai, vós homens de ação orgulhosos, não sois senão os instrumentos inconscientes dos homens de pensamento, que na quietude humilde traçaram freqüentemente vossos planos de ação mais definidos." heinrich heine

rizk

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Re: Freudo-Marxismo
« Resposta #5 Online: 07 de Abril de 2007, 08:24:51 »
Rodrigo, ando super afastada da academia, o professor que me orientava morreu. Daí que estou meio frígida pra coisa toda ("bibliografia comentada e indicações de leitura introdutória"). Estou com uma cacetada de livros fantásticos parados na minha mesa desde que chegaram da Feira, então...

Pelo pouco que entendo disso, Eremita, esses autores não são marxistas no sentido típico da palavra. É algo nos moldes de um marxismo CRÍTICO. Creio que há um nome especial pro tipo de marxismo da escola de Frankfurt, mas esqueci.

Offline Quereu

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Re: Freudo-Marxismo
« Resposta #6 Online: 07 de Abril de 2007, 08:35:00 »
Lembrei-me daquele filósofo grego que se masturbava no meio da rua para saciar os seus instintos. Em se tratando de Grécia antiga tudo é possível. Mas ainda bem que somos mais reprimidos e as pessoas fazem essas coisas sozinhas no banheiro. Bem, quase todas.

Marcuse diz que a sociedade reprime demais, além da conta necessária. Ultimamente, em vista das hordas que circulam por aí, desses novos bárbaros que a lei chama de crianças, mas que matam como adultos, acho que reprime de menos.
A Irlanda é uma porca gorda que come toda a sua cria - James Joyce em O Retrato do Artista Quando Jovem

Offline Eremita

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Re: Freudo-Marxismo
« Resposta #7 Online: 07 de Abril de 2007, 16:21:39 »
Pelo pouco que entendo disso, Eremita, esses autores não são marxistas no sentido típico da palavra. É algo nos moldes de um marxismo CRÍTICO. Creio que há um nome especial pro tipo de marxismo da escola de Frankfurt, mas esqueci.
De qualquer forma, a linha de raciocínio lembra (e muito) o marxismo, não?
Embora eu não saiba absolutamente nada sobre a escola de Frankfurt. Vou dar uma pesquisada.
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Offline Worf

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Re: Freudo-Marxismo
« Resposta #8 Online: 07 de Abril de 2007, 16:46:04 »
Citar
há um nome especial pro tipo de marxismo da escola de Frankfurt
Teoria Crítica?

Citar
Lembrei-me daquele filósofo grego que se masturbava no meio da rua para saciar os seus instintos.
Grande Diógenes de Sínope.
"Of what use is a philosopher who doesn't hurt anybody's feelings?" :)

Offline Herf

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Re: Freudo-Marxismo
« Resposta #9 Online: 07 de Abril de 2007, 20:15:30 »
Marcuse diz que a sociedade reprime demais, além da conta necessária. Ultimamente, em vista das hordas que circulam por aí, desses novos bárbaros que a lei chama de crianças, mas que matam como adultos, acho que reprime de menos.

Ou pelo menos reprime demais no que deve ser menos reprimido e reprime de menos no que deve ser mais.

Offline Eremita

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Re: Freudo-Marxismo
« Resposta #10 Online: 09 de Abril de 2007, 01:38:32 »
Ou pelo menos reprime demais no que deve ser menos reprimido e reprime de menos no que deve ser mais.

Acho que reprime quando deveria orientar, "canalizar" (como dizem os místicos :biglol:). Reprime facetas humanas inatas, e então o sujeito explode. Ou implode.
Latebra optima insania est.

 

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