O império contra-atacapor Felipe Atxa em 04 de abril de 2007
Resumo: Em se tratando de Cinema Brasileiro, continua valendo a máxima de esperar para não ver – e pagar, mesmo sem jamais ter visto. Com um agravante: a ANCINE quer dificultar o acesso a essa informação.
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Após a publicação pelo Mídia Sem Máscara do artigo "Comiseracine – os filmes que o brasileiro paga para não ver", no dia 21 de março de 2007, quem acessou o site da Ancine – Agência Nacional do Cinema, na tentativa de se informar a respeito de quanto em renúncia fiscal tem sido aplicado em cada filme brasileiro produzido nos últimos anos, teve uma curiosa surpresa: o serviço, que sempre esteve claramente disponibilizado no site, agora aparece escondido em seu conteúdo.
Até a publicação do artigo, era possível digitar
www.ancine.gov.br e, depois, clicar em Espaço do Usuário e escolher Consulta de Projetos para acessar diretamente o sistema e descobrir quanto cada produtora ou filme recebeu em dinheiro público. Veja como eram as opções do usuário:

Ancine antes
Agora, não existe mais essa opção. O link que permite acessar os dados dos projetos e, conseqüentemente, qualquer cidadão descobrir quanto em verbas públicas foi destinado a cada filme especificamente (e não ao setor como um todo), foi ocultado no site, embora continue existindo. Veja como ficou agora:

Ancine depois
E o menu principal do site:
Menu principal Ancine
É interessante observar uma pequena diferença entre as opções de acesso oferecidas na opção Espaço do Usuário e aquelas existentes no Mapa do Site. Veja:
Opções constantes agora no menu em Espaço do Usuário:
Ouvidoria
Fale Conosco
Passo a Passo Projetos - SDI
Perguntas Freqüentes
Consulta Pública
Manual Filmar no Brasil
Manual do Produtor
Manual de Solicitação de CPB
Manual Glossário
CPB
Agora, compare com as opções correspondentes no Mapa do Site:
Ouvidoria
Fale Conosco
Passo a Passo Projetos - SDI
Perguntas Freqüentes
Consulta Pública
Manual Filmar no Brasil
Manual do Produtor
Manual de Solicitação de CPB
Manual Glossário
CPB
Consulta de Projetos
Como se pode ver, apenas o link que leva ao banco de dados dos projetos não está presente na barra de acesso direto.
Apesar da modificação no site da Ancine, ainda é possível acessar o sistema que permite visualizar as informações financeiras de cada projeto, ou seja, quanto cada um foi habilitado a captar em dinheiro público, quanto já efetivamente captou e quanto ainda poderá captar. Basta digitar
http://app1.ancine.gov.br/ancine/sistema/exec/proj_audio1.cfm e iniciar a pesquisa. Um exemplo: é acessando esse sistema que descobrimos que a produção "Estorvo", baseada no romance de Chico Buarque de Holanda, custou aos cofres públicos a bagatela de R$ 3.731.760,07, tendo rendido depois nas salas de cinema apenas R$ 62.787,20, segundo o SEDCMRJ. Da mesma forma, ficamos informados de que "Cafundó", a superprodução dirigida por Paulo Betti, custou aos bolsos do contribuinte inacreditáveis R$ 3.920.568,00, tendo faturado nos cinemas apenas R$ 152.583,00. Mas nada se compara ao estranho caso dos filmes baseados em livros do roqueiro e escritor Tony Belloto, egresso da aparentemente finada banda Titãs. A primeira produção baseada em seu romance homônimo "Bellini e a Esfinge" obteve em renúncia fiscal R$ 1.939.531,59, mas foi um fracasso nas bilheterias, tendo arrecadado somente R$ 360.378,00 em 2002. A despeito disso e, contrariando qualquer sistema lógico conhecido, os mesmos produtores foram habilitados a captar outros 4 milhões de reais para uma nova adaptação de um livro de Tony Belloto, intitulado "Bellini e o Demônio". Desse total, já foram integralizados mais de 1 milhão de reais. Um resumo da situação, para quem ainda não entendeu exatamente o que se passa: uma produtora adaptou um livro de Tony Belloto para o cinema; a adaptação foi um fracasso de público (e não se pode dizer que "Bellini e a Esfinge" tenha exatamente contribuído para a evolução da linguagem cinematográfica). Ainda assim, essa mesma empresa foi habilitada pelo governo a fazer uma nova produção, adaptando um outro livro de mesma autoria, potencialmente ainda mais cara que a primeira. Todas as somas envolvidas são recursos públicos oriundos de renúncia fiscal – uma espécie de "continuação" de um fracasso cinematográfico, fato pitoresco dentro da História do Cinema. E enquanto tudo isso se passa, debaixo de nossos narizes, o chamado "jornalismo especializado" prefere patrulhar o que Mel Gibson faz com seu próprio dinheiro.
É de se temer, todavia, que novas alterações no site da Ancine possam tornar ainda mais complicado o acesso a essas informações que são do interesse de todo contribuinte brasileiro. Convêm lembrar, ainda, aos leitores e demais interessados, que a Constituição da República Federativa do Brasil assim determina, em seu artigo 5º, inciso XXXIII:
"Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".
Em se tratando de Cinema Brasileiro, continua valendo a máxima de esperar para não ver – e pagar, mesmo sem jamais ter visto.
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