Autor Tópico: Justiça, moral e afins  (Lida 1041 vezes)

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Offline Suelen

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Justiça, moral e afins
« Online: 09 de Abril de 2007, 12:23:52 »
Creio que não haja ninguém aqui nesse fórum que nunca tenha pensado sobre tal tema.

Diante de tantos crimes chocantes que são noticiados, ou até mesmo diante dos atos danosos que as pessoas cometem o tempo todo, como definir o que é justo fazer? Como pesar crime e castigo?

*****


Citação de:  Código de Hamurábi
— Se um arquiteto constrói uma casa para alguém, porém não a faz sólida,
resultando daí que a casa venha a ruir e matar o proprietário, este arquiteto é
passível de morte.
— Se, ao desmoronar, ela mata o filho do proprietário, matar-se-á o filho deste
arquiteto.

Quero deixar claro de antemão que pouco sei do Código de Hamurábi, só o citei para mostrar que a idéia de ''olho por olho, dente por dente'' não é muita novidade - talvez algum estudante de Direito ou História possa contar-nos mais sobre ele.

Vista desse modo, a ''Justiça'' - do Código de Hamurábi - me parece uma forma de vingança - e pelo que percebi passando no tópico sobre vingança, muitos aqui no fórum são contrários a essa idéia.

Comecemos a analisar esses artigos.

1. Não me parece justo que o arquiteto seja passível de morte sem antes saber se o desmoronamento da casa foi proposital;
2. Não parece justo matar o filho do arquiteto, visto que ele não pode ser responsável pela ação do pai;
3. Digamos que o filho do proprietário tenha morrido no desmoronamento. Adimitamos também que esse proprietário amava muito seu filho, pois este era a pessoa mais importante da sua vida.
   Se o objetivo da pena é que o arquiteto sofra a perda do filho na mesma proporção que o proprietário sofreu, o cumprimento deste castigo não garante isso. Imaginem que o Arquiteto não ame seu filho, pelo contrário, rejeite-o. Não vai sentir a dor da perda; em outras palavras, não será punido por ter matado o filho do proprietário.

Há ainda outros fatores que poderiam talvez ser levados em conta: o arrependimento e o perdão, por exemplo.



A justiça para mim parece começar pela moral. Quem nunca ouviu a frase ''Olha, não faça para os outros aquilo que não gostaria que fizessem para você''; nós sabemos que, se damos um beliscão no colega por pura pervesidade, estamos errados pois não gostaríamos de sentir dor, então sabemos que fazer isso não seria… justo.

Sofisticando esta frase, chegamos ao imperativo categórico de Kant.

''Age de modo que a máxima da sua ação possa valer ao mesmo tempo como lei universal.''

Mas ô coisa difícil é agir através do imperativo categórico! Sempre cometemos várias ações ao mesmo tempo e uma geralmente poda a outra. Vou exemplificar:

Imagine um homem que goste de apanhar e também sinta prazer em bater. Agora imagine que essa pessoa saia batendo em todo mundo por isso. Se se considerar essa ação isoladamente, este indivíduo está agindo de acordo com o imperativo categórico, já que a máxima ''bater por prazer'' é algo que para ele poderia tornar-se tranquilamente lei universal.

No entanto:

Esse homem que por gostar de apanhar e bater faz disso uma lei geral, age (bate) baseado nisso. Mas ele só pode agir (bater), se a outra pessoa (que recebe a ação) permitir.

Isso porque:

Imagine que, mesmo sabendo que a pessoa receptora da ação não consentiu o ato da surra, o homem insiste em bater. Concomitantemente ele estaria violando ( o que constitui uma nova ação) o direito da pessoa de não querer apanhar, e certamente, invertendo as posições, ele não gostaria de ter um direito seu violado. Sendo assim, constitui-se um novo imperativo categórico, que é o que limita esse homem a só bater em quem consentir tal ato.


[Viagem utópica (?)] Se se pudesse unir o imperativo categórico a um sistema de punição, numa espécie de balança para crime e castigo - o que eu vou chamar de ''Karma Imediato'' -, quem sabe isso não se aproximasse da idéia de justiça? Exemplo: você resolve tacar um soco no rosto de uma pessoa sem mais nem menos, por pura diversão. Essa pessoa não gostou, pois sentiu dor além de ter se sentido ridicularizada. Em outras palavras, você a humilhou por diversão própria (máxima). Como punição, o ''Karma Imediato'' faz com que você sinta a mesma sensação que a vítima sentiu. [/viagem utópica (?)]

Veja que algo assim podaria ao extremo a liberdade das pessoas, já que elas sempre teriam que pensar no próximo e em como ele iria interpretar as coisas. Um soco no rosto poderia representar para a vítima algo extremamente grave, muito mais grave do que você poderia imaginar; assim como um simples tapinha poderia representar algo gravíssimo também, e muitas outras coisas mais simples também poderiam representar coisas graves e chegaria a um ponto em que qualquer ação seria castigada, pois sempre traria agarrada a si uma máxima ruim. É, não parece muito legal, no fim das contas.


Enfim… O que vocês acham sobre tudo isso? Quais são as suas idéias sobre a moral e a justiça?

Recomendem livros ou textos sobre o tema, se puderem.


Abraços






« Última modificação: 09 de Abril de 2007, 12:29:37 por Suelen »
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
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De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


Álvaro de Campos

rizk

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Re: Justiça, moral e afins
« Resposta #1 Online: 10 de Abril de 2007, 07:45:31 »
Tem coisas que a gente morre e não vê. Lá no céu vão duvidar de eu ter lido sobre o código de Hamurabi e Kant na mesma página. Que fazer.

Offline Suelen

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Re: Justiça, moral e afins
« Resposta #2 Online: 10 de Abril de 2007, 09:28:53 »
Tem coisas que a gente morre e não vê. Lá no céu vão duvidar de eu ter lido sobre o código de Hamurabi e Kant na mesma página. Que fazer.


É Mimi, confesso que fui longe  :lol:... Mas os assuntos tem relação, ora pois!
E afinal estamos na área de História e Filosofia, né não? Tudo a ver, respectivamente... :hihi:
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
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Álvaro de Campos

Offline Luis Dantas

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Re: Justiça, moral e afins
« Resposta #3 Online: 10 de Abril de 2007, 09:39:19 »
Pessoalmente acho a mentalidade de Talião/Hamurábi excessivamente destrutiva para ser prestigiada, e o pensamento de Kant um tanto abstrato e estático demais para ser útil na prática por si só

Ultimamente ando redescobrindo a dinâmica de espiral, que tem certos méritos como o de reconhecer que os sistemas de valores variam não só de pessoa para pessoa como também de acordo com o tempo e as vivências para uma mesma pessoa.
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Em 18 de janeiro de 2010, ainda não vejo motivo para postar aqui. Estou nos fóruns Ateus do Brasil, Realidade, RV.  Se a Moderação reconquistar meu respeito, eu volto.  Questão de coerência.

Offline Suelen

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Re: Justiça, moral e afins
« Resposta #4 Online: 10 de Abril de 2007, 09:44:06 »
Pessoalmente acho a mentalidade de Talião/Hamurábi excessivamente destrutiva para ser prestigiada, e o pensamento de Kant um tanto abstrato e estático demais para ser útil na prática por si só

Ultimamente ando redescobrindo a dinâmica de espiral, que tem certos méritos como o de reconhecer que os sistemas de valores variam não só de pessoa para pessoa como também de acordo com o tempo e as vivências para uma mesma pessoa.


Desenvolve, Dantas...


(Só pra constar: eu não ''prestigio'' a mentalidade Hamurábi não...)
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Álvaro de Campos

Offline Luis Dantas

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Re: Justiça, moral e afins
« Resposta #5 Online: 10 de Abril de 2007, 09:55:14 »
A idéia básica, ou pelo menos uma parte dela com a qual concordo, é

- há uma variação considerável na própria capacidade de desenvolvimento e assimilação de valores morais entre as várias pessoas.  Por vários motivos, inclusive influência social, vivência e até mesmo idade das pessoas.

- não se pode esperar que ninguém obedeça consistentemente regras de conduta cujo sentido não compreende.

- há certas "configurações típicas" de conjuntos de valores que são mais estáveis e em alguns casos numerosas.

- essas configurações típicas são gradativamente mais complexas e ambiciosas, seguem uma sequência de certa forma inevitável, mas não devem ser buscadas com muita pressa, pois não tem substância se não forem bem compreendidas e assimiladas.  No modelo da dinâmica de espiral há cerca de oito - bege, púrpura, vermelho, azul, laranja, verde, amarelo e turquesa, nessa ordem.

- a transição de uma cor para outra é motivada pela constatação de que certos problemas não são satisfatoriamente resolvidos pelas estratégias da cor anterior; no entanto há riscos, desgastes e possibilidades de traumas nessa transição, que por isso dificilmente acontece antes que o indivíduo sinta que ela é realmente necessária.

- é possível, mas difícil e desafiador, criar uma situação na qual os vários conceitos de justiça e moral cooperem entre si e cresçam juntos.
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Em 18 de janeiro de 2010, ainda não vejo motivo para postar aqui. Estou nos fóruns Ateus do Brasil, Realidade, RV.  Se a Moderação reconquistar meu respeito, eu volto.  Questão de coerência.

Offline Pregador

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Re: Justiça, moral e afins
« Resposta #6 Online: 10 de Abril de 2007, 10:01:57 »
Eu nunca lí Kant e nem pretendo, mesmo sendo da área de direito. Toda esta verborragia em cima de conceitos mais confunde do que ajuda, faz de você um relativista extremista.

Vamos simplificar as coisas, algumas máximas bem manjadas que podem nos dar uma idéia de justiça:
"Justiça é dar a cada um o que é seu";
"O abuso do direito começa quando um sujeito invade o direito de outro";
"Não faça para os outros aquilo que não gostaria que fizesse para tí"
"Trate os iguais na medida de sua igualdade e os desiguais na medida de suas desigualdades";

Estas frases manjadas, algumas de Aristóteles e Ulpiano, nos dão uma boa idéia de justiça. Mas todos sabemos que na aplicação do que é justo, sempre teremos uma certa margem de subjetivismo do Juiz. Por isso ele deve procurar o máximo de objetividade e se atentar aos fatos, afastando sua moralidade sobre as condutas. Fato, conduta e dano. Memso assim sempre há certa margem de subjetividade e o duplo grau de jurisdição (vara e tribunal) servem para tentar filtrar tais desvios.

O conceito de jsutiça sempre envolve uma amrgem de subjetividade, por isso ele jamais será pronto. Uma parte podemos fixar pelas máximas acima, o que nos dá uma boa idéia do que significa, a outra é volátil e varia de pessoa pra pessoa e de cultura para cultura.
"O crime é contagioso. Se o governo quebra a lei, o povo passa a menosprezar a lei". (Lois D. Brandeis).

 

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