Acredito que um ideal utópico seria um mundo anarco-liberalista que pudesse transcorrer sem problemas ou injustiças diversas.
Como isso não é possível, teoricamente, se pode derivar praticamente todos os direitos humanos a partir do direito à propriedade privada, se considerar-se por exemplo que a vida do próprio indivíduo é de certa forma, sua propriedade privada. Assim se asseguraria algo melhor que o anarquismo com a existência de um estado cuja função básica seria a proteção à propriedade privada e diversas decorrências lógicas.
Isso por sua vez apenas é justo a partir do momento em que se considera que todas as propriedades privadas foram obtidas de forma totalmente justa, meritocrática, o que não é o que se pode averiguar quando se olha para a história.
Questionar a meritocracia seria indiretamente ou quase diretamente questionar as bases disso tudo. Se mérito da obtenção dos bens materiais não importam, por que seria importante protegê-los?
Assim, esse estado mínimo, mais viável e desejável, ainda tem então os seus problemas se pensamos numa implementação "atual" de forma universal, generalizada, mais ou menos análogos à uma partida de futebol que tivesse começado sem regras, em que um time tivesse feito 50 gols por ter achado a bola e uns dois caras terem ficado tocando a bola de dentro para fora da linha do gol 50 vezes, enquanto os outros 9 protegiam violentemanete a bola dos indivíduos do outro time, ferindo alguns deles gravemente; apenas após esses 50 gols, com 22 jogadores num time e 7 não feridos no outro, começam então a valer as regras sem que seja zerado o placar.
Não é tão análogo no sentido de que os bens materiais e a estrutura que eles representam não são algo tão trivial como uma mera pontuação, e também a analogia despreza algum mérito que as pessoas que possuem coisas tem em possuí-las, por mais que voltando atrás no tempo a origem desses bens materiais tenha sido indébita.
Acredito que isso faça que não seja considerável como justo o extremo oposto do que considerei como ideal anteriormente, um comunismo que tomasse a propriedade de todos igualmente e redistribuísse tudo dentro de uma "média".
Um grau de meio termo mais razoável nessa questão, mais funcional em outras, e mais justo quanto a meritocracia seria um estado que não visasse a proteção tão "fundamentalista" à propriedade privada, mas que através de impostos adicionais a esses que já teriam que ser cobrados de qualquer forma para a proteção a propriedade privada, visasse propiciar algo próximo de igualdade de oportunidades para todos, ou um mínimo de oportunidades.
Eu abomino a idéia duma sociedade na qual não se tem liberdade para nada*, em que todos sejam considerados exatamente iguais a despeito do que façam, etc, então vou simplesmente pular essa alternativa e perguntar:
Suponhamos que por algum motivo qualquer, você fosse ter sua mente transferida aleatoriamente para qualquer outro indivíduo de uma sociedade, ou que fosse simplesmente obrigado, inevitavelmente, a ter que trocar de "papel" aleatoriamente com qualquer um, e ficar com todos bens dele, e dar os seus bens à ele.
Diante dessa perspectiva, em que tipo de estado preferiria que vivesse? Num que protege mais "fundamentalisticamente", na falta de uma palavra melhor, o direito a propriedade privada, ou em uma que adicionalmente a isso intervisse através de impostos visando algo próximo a uma igualdade de oportunidades ou uma "oportunidade mínima", a partir da qual você podesse crescer livremente, por seus méritos?
Acredito que a maioria das pessoas escolheriam a segunda. Ainda mais lembrando que, de modo geral, há mais pobres do que ricos; assim a chance maior é de que você seria pobre. E tanto maior, quanto mais rico você for.
Poderia se objetar dizendo que essa situação é surreal e injusta, mas de certa forma é essencialmente isso que ocorre a todo nascimento. A cada nascimento, uma pessoa nasce sem mérito algum numa posição que pode ser privilegiada ou um flagelo. Para agravar a situação, há mais pessoas pobres para ter filhos, e os pobres tem maiores taxas de natalidade, fazendo com que nasçam mais pessoas aleatoriamente na situação de pobreza.
O exercício serve para que possamos nos ver de forma realmente isenta em qual tipo de estado se preferia ter nascido.
Poderiam colocar que, as pessoas não tem também culpa de terem nascido podres de ricas, da mesma forma que não tem culpa de terem nascido mais bonitas, por exemplo, e que não é justo um estado que fizesse "desfigurações" econômicas nas pessoas para que as outras ficassem proporcionalmente mais bonitas.
Eu acredito que a analogia falha em diversas razões, a primeira e mais importante pelos bens materiais poderem ser, ao mesmo tempo, mas em diferentes situações, extremamente fundamentais, básicos, ou comparativamente supérfluos. E isso é relativo a quanto já se tem. Para quem tem pouco ou nada, um pouco é "muito" e para quem tem muito, o que é para ele pode ser irrisório pode ser muito para outro. Com coisas como beleza a coisa não é tão fundamental assim, ainda que se possa argumentar que é um julgamento arbitrário de valores.
E até que é. Mas acredito que as pessoas tem muito mais preocupação, e muito mais razoável, sobre sua condição financeira do que na estética; que "reencarnar" dentro de um ponto estatísticamente aleatório no espectro da variação total de beleza, é bem menos preocupante que "reencarnar" aleatoriamente em qualquer das "vagas" possíveis de situação financeira. Até porque, se for realmente desprivilegiado estéticamente, há o recurso da plástica que depende da situação financeira.
Fora isso, enquanto a herança genética/estética é algo bem mais surreal e inviável de ser controlado de forma consensual e justa, acredito que com a herança econômica a coisa seja substancialmente diferente, muito mais viável de se chegar mais próximo de unanimidade ou consenso.
*- apesar de ter escrito isso pensando imediatamente em comunismo, é algo válido também para capitalismo, se não se tiver a sorte de ter garantida alguma oportunidade por herança.
Bem, é isso aí. Uma tentativa de por em ordem da forma mais concisa que pude, os meus pensamentos relacionados sobre a questão que surgiu em outro fórum.
O que acham? Com o que concordam ou discordam?