"O Globo" 10-05-07
Mulher acusada do assassinato da ex-nora já está em liberdade
Advogado de defesa afirma que a morte foi um ato divino
Marcelo Gomes e Carlos Brito
A absolvição, na segunda-feira, de Solange Reinaldo Viana, de 52 anos, acusada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público estadual de ser a mandante do assassinato da ex-nora, a professora Lia Gomes da Silva, de 26, no dia 1o de agosto do ano passado, está causando polêmica. Ela deixou ontem de manhã o Presídio Nelson Hungria, no Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste do Rio. Como o alvará de soltura de Solange chegou ao Fórum de Bangu depois das 18h de terça-feira, ela só pôde ser libertada um dia depois.
O oficial de Justiça responsável por colocá-la em liberdade chegou ao presídio por volta das 10h30m de ontem. Ela aguardou a chegada de seu advogado, Natã da Silva Rozeira, por alguns instantes no local e deixou o complexo no carro dele, um Fiat Tipo preto, de vidros escuros, por volta de 11h45m, sem falar com os jornalistas.
Nenhum parente de Solange a aguardava do lado de fora do presídio, nem mesmo seu filho, Emerson Reinaldo Viana, ex-marido de Lia.
Família: advogado recorreu a citações bíblicas Para o advogado Natã da Silva Rozeira, não há dúvidas: a morte de Lia foi um ato divino executado diretamente pelas mãos de Deus. Segundo ele — cuja performance no Fórum de Queimados garantiu a absolvição de Solange — a morte da professora seria um castigo por ela se relacionar com homens casados.
— Se Deus não desse um basta, quantos outros lares não seriam destruídos por ela? Se olharmos a Bíblia, veremos que ela tinha uma conduta que não era correta, que se relacionou com homens casados.
E, para esse tipo de situação, Deus permite até a morte — disse o advogado.
Segundo a família da professora e o assistente da Promotoria Jorge Luiz Souza, durante todo o tempo que teve de defesa, o advogado usou argumentos baseados em preceitos cristãos — inclusive fazendo citações bíblicas — para sensibilizar os jurados e fazer com que eles decidissem em favor de sua cliente.
‘A minha filha estava sendo assassinada outra vez’ A estratégia teria funcionado porque, de acordo co o inspetor Joel Nobre — chefe do Núcleo de Homicídios da 64aDP (Vilar dos Teles), responsável pela investigação do crime — cinco dos sete jurados seriam evangélicos. Natã Rozeira rebateu as afirmações.
— Eu não conhecia os jurados.
Não tive acesso a nenhum deles. Logo, não havia como ter idéia de qual era a religião de cada um — disse o advogado.
Ele disse que o uso de argumentos cristãos durante o julgamento foi baseado em convicções pessoais. Natã Rozeira afirmou ter sido batizado na Igreja Batista: — Eu tenho intimidade com Deus e pedi para que ele me desse a honra dessa vitória.
Para a família de Lia, o que aconteceu no tribunal do júri representou mais um capítulo de sofrimento na história que começou no dia 1ode agosto do ano passado, quando a professora foi encontrada morta, com dois tiros na cabeça, em Queimados.
— Durante aquele julgamento, tive apenas uma sensação: a de que a minha filha estava sendo assassinada outra vez.
O advogado de defesa denegriu toda a moral da Lia. Ele passou para o júri a imagem de uma pessoa que ela nunca foi — disse a mãe de Lia, Eunice Gomes da Silva.