Autor Tópico: O dinheiro gasto no espaço não vai pro espaço  (Lida 446 vezes)

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O dinheiro gasto no espaço não vai pro espaço
« Online: 14 de Maio de 2007, 15:06:50 »
As últimas semanas têm tido muitas novidades entusiasmantes no mundo da astronomia -- sobretudo no campo dos planetas fora do Sistema Solar, que vive tempos de glória: num curto período de tempo, foram anunciados o primeiro planeta habitável, o planeta mais quente, o planeta mais maciço e o primeiro mapeamento de temperaturas de um desses mundos. Não é pouca coisa.

Na maioria das pessoas, esses anúncios despertam grande fascínio. Mas, numa parcela significativa delas, a reação é outra: revolta. Surge a velha ladainha: "Por que gastar essa montanha de dinheiro nesses estudos que só têm como resultado curiosidades de almanaque, enquanto os problemas sociais na Terra só se agravam? Isso é um absurdo! Isso não serve para nada, só consome bilhões de dólares para não obter nenhum benefício real e palpável."

Nem preciso dizer o tamanho dessa bobagem, né? O quê? Preciso? Então vamos lá.

Todos esses argumentos partem de uma falsa premissa -- a de que o dinheiro gasto com astronomia e exploração espacial vai, literalmente, para o espaço. Hmmm, na verdade, caso vocês ainda não tenham se dado conta, ele não vai. Esses recursos, na verdade, são gastos na geração de empregos e no desenvolvimento de um melhor sistema educacional. Pois é, dois pontos nevrálgicos dos problemas atuais enfrentados pelo mundo hoje -- sobretudo nos países em desenvolvimento, como é o caso da terra brasilis.

Aqueles custos de cada missão espacial que parecem tão exorbitantes não são queimados junto com o combustível dos foguetes. Eles pagam os salários dos milhares de pessoas que participaram do desenvolvimento daquele esforço.

E não estamos falando só de empregos de almofadinha, não. Eles incluem todos os que trabalham duro apertando parafusos, soldando peças e trabalhando toda sorte de materiais para que, no final, um veículo espacial esteja pronto para voar e fazer todas as suas descobertas. Antes deles, no entanto, foi preciso empregar os engenheiros que iriam projetar todos esses elementos a serem construídos. E depois, com a nave no espaço, é o momento de empregar os cientistas, que coletarão esses dados brutos enviados pela sonda e os transformarão em conhecimento. É muito emprego, e um belo encorajamento para a indústria.

Vale lembrar que esse é apenas o início de um ciclo virtuoso: depois que o conhecimento é produzido, ele é divulgado -- as minúcias do processo todo, das pranchetas de desenho às análises científicas, passando pelo apertamento de porcas e parafusos, ficam disponíveis a quem estiver interessado. A boa disseminação disso tudo (e a imprensa tem -- ou deveria ter -- um grande papel aí) faz com que uma nova geração de jovens se interesse por essas áreas, estimulando-os a obter qualificação educacional e profissional suficiente para se tornarem os futuros atores da ciência e da tecnologia.

A pesquisa espacial, sobretudo, traz uma porção de lições importantes sobre a humildade da ciência -- boa parte das conclusões que saem dela precisa ser checada e rechecada, a todo momento confrontada com novos dados, e jamais pode ser tida como verdade absoluta. Por exemplo: a despeito dos mais de 200 planetas conhecidos fora do Sistema Solar, não dá para dizer que alguém tenha observado diretamente algum deles; por ora, as detecções são feitas por vias indiretas.

Humildade para o ser humano também advém dos estudos do espaço. De lá, podemos observar toda a pequenez da ação humana cotidiana diante de um cosmos infinitamente vasto e, ao mesmo tempo, perceber a preciosidade de nosso planetinha, frente a um deserto quase totalmente vazio e, no mais das vezes, inóspito à vida.

Alertas também vêm de lá. Ninguém teria hoje tamanho conhecimento dos problemas causados pelo homem com a mudança climática, não fosse pelas imagens de satélite. E são fotografias como essas que também permitem a mitigação dos efeitos de desastres naturais, como furacões e tsunamis.

E olhe que não vou nem falar em transmissão via satélite e sobre como o Galvão Bueno consegue entrar na sala da sua casa para levar a final da Copa do Mundo até lá. Basta dizer que os frutos da exploração espacial estão por toda parte.

Tudo isso que mencionei acima é intencional -- a gente pratica ciência e exploração espacial sabendo que essas coisas vêm naturalmente. Mas ainda há um bônus: muitas vezes, a pesquisa do espaço inadvertidamente fornece novas tecnologias para uso na Terra.

Um exemplo ótimo é o do físico Paulo Antonio de Souza Junior, brasileiro que participa da missão dos jipes robóticos marcianos Spirit e Opportunity, da Nasa. Ele ajudou a desenvolver um instrumento para estudar a composição de minerais que fez o diabo em Marte, a bordo desses robôs. Entretanto, o que não se esperava de imediato é que a mesma tecnologia faria algo aqui mesmo: monitorar a poluição atmosférica de Vitória, no Espírito Santo.

Há incontavéis histórias como essa no (curto) histórico de 50 anos da exploração espacial, dos painéis solares ao velcro.

Quando um governo financia uma missão espacial ou um projeto de pesquisa astronômica, é exatamente nessas coisas que o dinheiro está sendo gasto. Interromper esse processo só faria por estimular mais crianças a querer virar jogador de futebol, além de provocar mais desemprego por desocupar a mão-de-obra que já trabalha nessa área. Em suma: uma má idéia.

O engraçado é que ninguém pára e pensa nisso. Para o senso comum, toda essa dinheirama está recheando os colchões de marcianos e venusianos, em detrimento dos terráqueos otários pagadores de impostos. É óbvio que não é assim que acontece.

Mas, mesmo que fosse, ainda assim restaria um grande benefício aos contribuintes: eles saberiam que o dinheiro deles está gerando conhecimento distribuído publicamente, que volta para o cidadão que financiou a empreitada. Infelizmente, não se pode dizer isso de muitos outros investimentos governamentais.

Salvador Nogueira

http://g1.globo.com/Noticias/Colunas/0,,7414,00.html

 

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