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O papa se foi. Mas está no meio de nós
« Online: 14 de Maio de 2007, 23:15:12 »
Segue um texto de Reinaldo Azevedo, copiado diretamente de seu blog. Não acompanhei plenamente as discussões por aqui, mas parece que surgiram algumas discussões sobre o Papa. Talvez este texto seja proveitoso. Gosto muito dos textos do Reinaldo, e um fato interessante é que ele é católico, e portanto não mede esforços para defender a Igreja dos ataques da imprensa, mas sempre com bom senso:

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O papa se foi. Mas está no meio de nós
- Críticos do papa querem é sua bênção
- Sobre bodes, galinhas e seres humanos
- Christopher Hitchens: God Is not Great
- Que iluminismo?
- E um mundo sem religião?
- O papa, o capitalismo e o marxismo
- Crítica à Teologia da Libertação
- Igreja longe de partido
- Bento 16: iluminista, mas não assassino

Todos os jornais devem noticiar nesta segunda com destaque a afirmação do papa, feita na sessão inaugural da V conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, em Aparecida, de que nem o marxismo nem o capitalismo são respostas adequadas aos dramas humanos. Dito assim, parece que os igualou como males equivalentes. Nada mais falso. Falo disso mais adiante. Antes, pretendo tratar de algumas outras questões. Boa parte dos leigos e agnósticos da imprensa vê as suas próprias práticas denunciadas pelo Sumo Pontífice e sente um medo profundo de ir para o inferno. Não tenho procuração de Bento 16 ou de Deus para garantir, mas me atrevo: fiquem tranqüilos! Vocês podem não perdoar a eventual existência de Deus e a inquestionável existência do papa, mas ambos os perdoam. Até vocês vão para o céu, hehe...

É evidente que faço uma pequena ironia, mas me parece que só este "sentir-se denunciado" (e o conseqüente temor) explica tamanha aversão a quem, afinal de contas, veio ao Brasil reafirmar princípios da fé de que é o pastor máximo. Fosse um líder do hinduísmo, reafirmaria convicções hinduístas; fosse um rabino, lembraria os princípios do judaísmo; fosse Mãe Menininha do Gantois, falaria de seus deuses. Mas por que o papa não pode? Já repararam que os mesmos que o tratam a tapas são os primeiros, em nome da isenção e do equilíbrio, a preservar de qualquer crítica o mega-empresário (e também dono de uma igreja) Edir Macedo? Há nisso, é verdade, certo cálculo. Alguns iluministas de meia-tigela vêem o homem como o contraponto do poder da Rede Globo. Como levar isso a sério?

Ah, a intolerância dos tolerantes! Ah, os crimes que se cometem em nome da liberdade! É admissível que a Sociedade Protetora dos Animais recorra à Justiça para impedir o sacrifício de um bode num culto de origem africana? Ou que se faça uma campanha na Índia para que aquele povo responda a seu óbvio problema de déficit de proteína animal comendo carne de vaca? Quem não ousa defender um miserável cabrito ou uma galinha em nome da diversidade cultural e da liberdade religiosa — e eu também as defendo — quer impedir o papa de fazer a sua defesa da vida humana? “Ah, mas um feto não é vida humana”. É o começo de um debate, não de uma interdição. Mas querem calar a Igreja.

Bento 16, o papa da Igreja Católica Apostólica Romana, aquele que, segundo a história de sua religião, é o sucessor de Pedro — que foi investido pelo próprio Cristo da missão de criar a sua Igreja —, veio ao Brasil e, pasmem!, defendeu os princípios do cristianismo, sem fazer qualquer concessão. Ele nem havia chegado, e as notícias já estavam prontas. Aguardavam apenas uma circunstância ou outra a conferir atualidade às reportagens. O chamado “lead”, noentanto, estava definido. A acusação fundamental que se faz à Igreja é sua trevosa inatualidade.

Curioso. O presente, quem diria?, estaria livre das trevas. É compreensível que o comunismo tenha matado tanta gente — nada, no mundo, matou igual e de forma tão determinada —, e a esquerda goze, ainda hoje, de prestígio. No mundo, está em decadência, mas não no Brasil, onde ainda é o "ópio dos intelectuais" (by Raymond Aron). Ou a cachaça da intelligentsia. Por que é compreensível? Porque se aplica ao pensamento uma certa lógica evolutiva: não exatamente a evolução darwinista (que não tem ponto de chegada) aplicada às idéias, mas uma outra, que, vejam só, vislumbra o fim da história.

Assim, o presente seria necessária e forçosamente melhor do que o passado. Talvez eu nem discorde exatamente disso, mas pretendo que esse otimismo instrumental não se transforme numa ferramenta obscurantista. Eu não estou convencido, como parecem estar os críticos do papa, de que a Igreja deva apoiar a descriminação do aborto. Acho que o país será pior se isso acontecer, ainda que o SUS tivesse condições de arcar com a demanda, o que não tem. Acho que a banalização do procedimento empurraria a sociedade para outras banalizações — e reparem que nem toco aqui na questão de princípio. Mas os engenheiros sociais estão certos de que seríamos melhores. Ok. Quem os impede de fazer a defesa de suas idéias? A Igreja? Não mesmo. Mas por que ela também não pode falar?

Queriam o papa a propagandear o uso e a distribuição de camisinha? Mas o entendimento da Igreja sobre a sexualidade humana exclui essa escolha. Ninguém é obrigado a compartilhar desse ponto de vista. Digam-me: alguém realmente acredita que haveria uma diminuição nos casos de AIDS ou aumento do consumo de preservativos se a Igreja Católica atuasse como uma das ONGs dedicadas ao assunto? Calma lá: para a instituição, o sexo, no que diz respeito ao comportamento, é uma escolha individual, moral. E há a questão religiosa, da santidade do corpo. Pode-se discordar, é certo, mas é uma rematada tolice acusar a Santa Sé de crime porque supostamente "proíbe" a camisinha. O preservativo é só um dado da questão. O orientação é de outra natureza, e, estejam certos, quem a segue não contrai AIDS por meio do sexo.

"Deus não é grande"
O ensaísta inglês Christopher Hitchens, ex-trotskista, hoje satanizado pelas esquerdas por causa de seu apoio à guerra do Iraque, polemista de primeira, acaba de lançar um novo livro: God Is Not Great. Não li. Tudo indica que chegarei à conclusão de que o acho melhor falando de política. Não tratarei, claro, do livro. Lembro Hitchens porque ele, ao menos, fez o favor de romper também com a doxa comunista (o que os nossos ateus não fizeram) — embora, como lembrou Diogo Mainardi, subsista muito de trotskista em quem escreve um livro contra ninguém menos do que... Deus!

Não sei se percebem: quando se fazem as cobranças ao papa e à Igreja, tem-se como certo, parece, que o mundo sem a Igreja Católica seria muito melhor. Ou parece haver a suposição, dos mais ousados, de que, sem a religião, ele seria muito melhor e mais pacífico — e temo ser esta a tese de Hitchens. Mas que novidade haveria nisso? Essa utopia já foi realizada, e seus resultados são conhecidos: URSS, China, Camboja, Coréia do Norte, Cuba... Vale a pena repetir a experiência? Ou se dirá, também nesse caso, a exemplo do que se dizia do socialismo, que esses modelos ainda não são “o verdadeiro ateísmo”?

Em entrevista ao Manhattan Connection, Hitchens fala na volta ao “verdadeiro iluminismo”. Eu já havia discordado de aspectos de outros textos seus, mas, pela primeira vez, achei que o excesso de exposição midiática o está deixando meio burro. Se Hitchens não reconhece no Iluminismo a semente do totalitarismo de esquerda, então continua essencialmente um esquerdista, acometido, nos últimos quatro anos, por uma mera brotoeja de arrependimento. De todo modo, nem o percurso crítico do polemista Hitchens os nossos iluministas fizeram. Detestam com força a Igreja e sua moral, mas continuam a ser suaves com o autoritarismo de estado.

As reações, reparem, não contidas, mas não disfarçam a fúria. E resultam, por intolerantes, até em mau jornalismo. Entendo que o ministro Temporão, por exemplo, gostaria de oferecer o aborto como um serviço do SUS. Mas antes mesmo de garantir leitos suficientes para as doenças da pobreza? E daí? Nessa hora, a mídia dita progressista dá uma banana para o pobre. Afinal, ele está defendendo uma tese moderna, contra o medievalismo da Igreja. E pensar que o catolicismo, nos seus primeiros dias, conquistou antes as mulheres justamente porque se opunha ao aborto e ao infanticídio... Isso é história.

Não! A Igreja Católica talvez fique menor. E há uma boa possibilidade de que fique melhor. Ninguém precisa ser católico — pode-se, disse o próprio papa, ter uma moral elevada fora da Igreja. O Catolicismo é um humanismo, oferece uma resposta moral para o indivíduo e um norte ético para as sociedades. Sugere, não impõe; convive com a diferença (exige disciplina dos seus, mas quem não exige?), não a exclui; combate o pecado, não o pecador. Parece que é essa tolerância que a faz insuportável para os que têm tanta certeza de para onde caminha o mundo.

Marxismo e capitalismo
O que, afinal de contas, disse o papa? Leiam o que segue em azul:

Tanto el capitalismo como el marxismo prometieron encontrar el camino para la creación de estructuras justas y afirmaron que éstas, una vez establecidas, funcionarían por sí mismas; afirmaron que no sólo no habrían tenido necesidad de una precedente moralidad individual, sino que ellas fomentarían la moralidad común. Y esta promesa ideológica se ha demostrado que es falsa. Los hechos lo ponen de manifiesto. El sistema marxista, donde ha gobernado, no sólo ha dejado una triste herencia de destrucciones económicas y ecológicas, sino también una dolorosa destrución del espíritu. Y lo mismo vemos también en occidente, donde crece constantemente la distancia entre pobres y ricos y se produce una inquietante degradación de la dignidad personal con la droga, el alcohol y los sutiles espejismos de felicidad.
Las estructuras justas son, como he dicho, una condición indispensable para una sociedad justa, pero no nacen ni funcionan sin un consenso moral de la sociedad sobre los valores fundamentales y sobre la necesidad de vivir estos valores con las necesarias renuncias, incluso contra el interés personal. Donde Dios está ausente - el Dios del rostro humano de Jesucristo - estos valores no se muestran con toda su fuerza, ni se produce un consenso sobre ellos. No quiero decir que los no creyentes no puedan vivir una moralidad elevada y ejemplar; digo solamente que una sociedad en la que Dios está ausente no encuentra el consenso necesario sobre los valores morales y la fuerza para vivir según la pauta de estos valores, aun contra los propios intereses.
Por otro lado, las estructuras justas han de buscarse y elaborarse a la luz de los valores fundamentales, con todo el empeño de la razón política, económica y social. Son una cuestión de la recta ratio y no provienen de ideologías ni de sus promesas. Ciertamente existe un tesoro de experiencias políticas y de conocimientos sobre los problemas sociales y económicos, que evidencian elementos fundamentales de un estado justo y los caminos que se han de evitar. Pero en situaciones culturales y políticas diversas, y en el cambio progresivo de las tecnologías y de la realidad histórica mundial, se han de buscar de manera racional las respuestas adecuadas y debe crearse - con los compromisos indispensables - el consenso sobre las estructuras que se han de establecer.
Este trabajo político no es competencia inmediata de la Iglesia. El respeto de una sana laicidad - incluso con la pluralidad de las posiciones políticas - es esencial en la tradición cristiana auténtica. Si la Iglesia comenzara a transformarse directamente en sujeto político, no haría más por los pobres y por la justicia, sino que haría menos, porque perdería su independencia y su autoridad moral, identificándose con una única vía política y con posiciones parciales opinables. La Iglesia es abogada de la justicia y de los pobres, precisamente al no identificarse con los políticos ni con los intereses de partido. Sólo siendo independiente puede enseñar los grandes criterios y los valores inderogables, orientar las conciencias y ofrecer una opción de vida que va más allá del ámbito político. Formar las conciencias, ser abogada de la justicia y de la verdad, educar en las virtudes individuales y políticas, es la vocación fundamental de la Iglesia en este sector. Y los laicos católicos deben ser concientes de su responsabilidad en la vida pública; deben estar presentes en la formación de los consensos necesarios y en la oposición contra las injusticias.
Las estructuras justas jamás serán completas de modo definitivo; por la constante evolución de la historia, Han de ser siempre renovadas y actualizadas; han de estar animadas siempre por un “ethos” político y humano, por cuya presencia y eficiencia se ha de trabajar siempre. Con otras palabras, la presencia de Dios, la amistad con el Hijo de Dios encarnado, la luz de su Palabra, son siempre condiciones fundamentales para la presencia y eficiencia de la justicia y del amor en nuestras sociedades. Por tratarse de un Continente de bautizados, conviene colmar la notable ausencia, en el ámbito político, comunicativo y universitario, de voces e iniciativas de líderes católicos de fuerte personalidad y de vocación abnegada, que sean coherentes con sus convicciones éticas y religiosas. Los movimientos eclesiales tienen aqui un amplio campo para recordar a los laicos su responsabilidad y su misión de llevar la luz del Evangelio a la vida pública, cultural, económica y política.


O papa não condenou igualmente capitalismo e marxismo, como interpretarão alguns. Disse que a justiça nasce do consenso moral da sociedade, fazendo a ressalva de que existe uma escolha precedente, a individual. Há alguns séculos do melhor humanismo possível aí.

A condenação ao marxismo não poderia ser mais explícita, feita a partir de seus resultados, mas também de sua essência: exclui a existência religiosa de seu horizonte. Que sociedade capitalista se fez oficialmente sem Deus? A reprovação a aspectos do modelo ocidental também está presente. E nem poderia ser diferente numa Igreja que vê com grande preocupação o hedonismo moderno. É da sua natureza. O valor fundamental da Igreja não é o livre mercado — ainda bem, ou ela seria outra coisa —, mas está claro que o papa entende que o homem moral e a sociedade ética só podem existir onde houver liberdade, o que supõe, também, a liberdade econômica. Na seqüência, vem a reprovação óbvia à Teologia da Libertação. Mais: era desnecessário ao governo brasileiro reafirmar a laicidade do Estado. O próprio papa o fez. E, está claro, não quer a Igreja Católica metida com partido político. Estão desautorizados, de novo, os dublês de padre e petista.

Bento 16 iluminou o debate sobre a função da religião, os princípios do cristianismo e, mais especificamente, os do catolicismo. Há quem diga, com prazeroso sarcasmo, que nem mesmo os católicos fazem o que ele recomenda. Em muitos casos, muitíssimos, é fato. Há quem não possa conviver com a idéia de que a disciplina também pode ser libertadora; há quem veja como manifestação de atraso qualquer interdição; há quem acredite firmemente que estar sujeito à ditadura das vontades é estar livre. O papa fala a quem reconhece limites, a quem sabe que nem sempre o permitido é conveniente, a quem tem a coragem de dizer a si mesmo: “Posso, mas não devo”.

Eis o “totalitário” de algumas fantasias libertárias.
"Amy, technology isn't intrinsically good or bad. It's all in how you use it, like the death ray." - Professor Hubert J. Farnsworth

 

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