O que me preocupa mais, Nina, são os problemas mais sutis. Fome pelo menos é algo óbvio e que traz uma certa reação da sociedade. Mas o tabu de questionar se os pais biológicos devem ter a guarda é muito grande e acoberta muitas situações deprimentes que se perpetuam por gerações. 
Infelizmente também não há garantia que de estas situações não existam nestes grandes rebanhos de crias largadas. Mas eu entendo o que você quer dizer sim... e concordo.
O valor da vida e da individualidade é tão menosprezado que abusos psicológicos e físicos também ocorrem, além do próprio "abandono" das crianças do rebanho, mas um filho único bem provido fisicamente também pode sofrer estes abusos e infelizmente, o abandono (normalmente num sentido mais psicológico, de desamparo).
Pelo que eu sinto, a verdade é que independente da classe social, poucos pais estão preparados para a tarefa "ser pai". Nenhum deles é perfeito, falhas sempre haverão, e geralmente erramos no que nossos pais acertaram quando tentamos corrigir falhas que nós próprios identificamos na forma deles de nos criar. Claro que estas falhas podem ser menores ou maiores dependendo das convicções, valores e estrutura familiar envolvida.
Eu vejo como um desafio suprir as necessidades físicas e psicológicas de uma criança sem estabelecer relações que a prejudiquem no futuro, como por exemplo, a superdependência ou a indiferença (desapego extremo). São dois extremos que podem ser resultado da mesma interação. E olha que nem estou considerando as relações extremas que podem gerar as psicopatias sociais...
Acho que isso tem sido mais comum nos últimos anos, porque as famílias estão ficando menores e geralmente centradas em apenas um filho. Antigamente após um filho vinha outro e a família era mais centrada na figura materna, hoje a participação do pai tende a ser maior, na minha opinião. Tenho lido alguns materiais sobre as necessidades psicológicas e respostas biológicas dos bebês após o nascimento, o estabelecimento de vínculos afetivos... é uma área bem complexa e eu acho que as pessoas deveriam se preocupar com isso também quando planejam ou esperam um filho, não apenas com a decoração do quarto, como vemos normalmente.
O problema é que todos querem saídas rápidas para isso... querem fórmulas mágicas, e a formação do caráter, o direcionamento das aptidões de uma criança não são coisas para se fazer num encantamento. É um trabalho contínuo, "dedicação exclusiva", um processo. Às vezes as pessoas não se dão conta do compromisso que uma criança acarreta... às vezes não tem estrutura psicológica para levar o processo como gostaria ou deveria, às vezes não tem aptidão para isso...
Mas a questão é que em outras situações, como adoção, estas aptidões, estrutura psicológica e comprometimento são testados e avaliados (ou pelo menos, teoricamente deveriam ser), enquanto o mesmo não se aplica a pais biológicos. Parece que as pessoas acham que procriar é um direito inato, independente da estrutura da pessoa. É o mesmo pensamento que rege as pessoas que são contra controle de natalidade... há um direito infinito de fabricar seres, determinado apenas pela sua fertilidade, quando este nem deveria ser um fator relevante na tutela e responsabilidade da formação de alguém.
Realmente é algo triste... e bastante difícil de definir e julgar...
