Autor Tópico: A Inteligência do Romance  (Lida 751 vezes)

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Offline Südenbauer

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A Inteligência do Romance
« Online: 22 de Maio de 2007, 23:50:45 »
Escreveu  Milan Kundera, em "A Arte do Romance":

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O romancista não é porta-voz de ninguém, (....) nem mesmo de suas próprias idéias. Quando Tolstoi esboçou a primeira versão de Ana Karenina, Ana era uma mulher muito antipática e seu fim trágico era senão justificado e merecido. A versão definitiva do romance é bem diferente, mas não creio que Tolstoi tenha mudado nesse meio tempo suas idéias morais, diria antes que, enquanto escrevia, ele escutava uma outra voz que não aquela da sua convicção moral pessoal. Ele escutava aquilo que eu gostaria de chamar a sabedoria do romance. Todos os verdadeiros romancistas estão à escuta dessa sabedoria suprapessoal, o que explica que os grandes romances são sempre um pouco mais inteligentes que seus autores. Os romancistas que são mais inteligentes que suas obras deveriam mudar de profissão. (...) O espírito do romance é o espírito da complexidade. Cada romance diz ao leitor: "As coisas são mais complicadas do que você pensa.

Um romance é sobre pessoas, não sobre teorias, idéias ou ideologias. Essas pessoas, claro, têm teorias, idéias e ideologias. Mas não o romance. O romance deve estar acima dessas banalidades. O romance deve ser mais inteligente que as teses de seus personagens e de seu autor.

Algumas pessoas, ocasionalmente, tentam falar da "filosofia de Tchecov", "filosofia de Kafka", etc, mas esses autores são grandes justamente porque não é possível extrair uma filosofia coerente de seus romances. Um bom romance não se presta à filosofia. Se o romancista for bom, nunca saberemos exatamente onde ele está, quais são suas simpatias, qual sua filosofia.

Tanto o comunista quando o liberal serão representados em suas melhores (ou piores) cores, como pessoais reais, que lutam pelo que acham certo com todas suas armas, ou, quem sabe, como calhordas que se aproveitam de uma ideologia pra sobreviver. Mas, de qualquer modo, isso é com os personagens. O autor não se coloca.

Como diz Kundera, o espírito do romance é a complexidade. O objetivo do romance talvez seja mostrar justamente ao leitor liberal que os comunistas não são tão ruins assim ou mostrar aos leitores comunistas que os liberais não são todos burgueses nojentos. O objetivo do romance talvez seja justamente fazer o leitor levar a mão ao queixo e soltar um longo "hmmmm..."

No momento em que o autor chega ao romance imbuído de uma idéia, querendo provar uma tese, esse espírito da complexidade está morto. Não há complexidade alguma em um romance cujo objetivo é mostrar como são nojentos esses burgueses que exploram os proletários. Só há certezas a serem transmitidas.

Como pode ser complexo um romance cujo objetivo é mostrar a leviandade daquelas mulheres imorais que traem seus maridos e acabam se jogando embaixo de trens? Não há dúvida que é isso que Tolstoi tinha em mente. Ele era mais moralista que Dostoievski, aquele velho aristocrata safado. Mas seu romance foi melhor que ele. Seu romance teve mais amor por Ana do que ele teria.

Fonte: http://www.sobresites.com/alexcastro/artigos/dostoievski.htm

Offline Adriano

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Re: A Inteligência do Romance
« Resposta #1 Online: 23 de Maio de 2007, 02:36:17 »
E ela teve essa "aversão" a política pelos seu primeiro trabalho:

Citação de: Wikipédia
Em seu primeiro romance, "A Brincadeira", Kundera nos oferece quase uma sátira da natureza do totalitarismo do período comunista. Por força de suas críticas aos soviéticos e a invasão de seu país em 1968, Kundera foi adicionado à lista negra do partido e suas obras foram proibidas imediatamente após a invasão soviética. Em 1975, Kundera mudou-se para a França.

Não é a toa que ela mudou de atitude.
Princípio da descrença.        Nem o idealismo de Goswami e nem o relativismo de Vieira. Realismo monista.

Offline Rodion

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Re: A Inteligência do Romance
« Resposta #2 Online: 23 de Maio de 2007, 03:14:16 »
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Como diz Kundera, o espírito do romance é a complexidade. O objetivo do romance talvez seja mostrar justamente ao leitor liberal que os comunistas não são tão ruins assim ou mostrar aos leitores comunistas que os liberais não são todos burgueses nojentos. O objetivo do romance talvez seja justamente fazer o leitor levar a mão ao queixo e soltar um longo "hmmmm…"
o espírito do bom romance, então. porque o que justamente não há nos romances de, digamos, graciliano ramos é complexidade e pensamento diverso do do autor.
« Última modificação: 23 de Maio de 2007, 03:21:15 por Bruno »
"Notai, vós homens de ação orgulhosos, não sois senão os instrumentos inconscientes dos homens de pensamento, que na quietude humilde traçaram freqüentemente vossos planos de ação mais definidos." heinrich heine

Offline Quereu

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Re: A Inteligência do Romance
« Resposta #3 Online: 23 de Maio de 2007, 20:33:26 »
Nunca li um bom romance que classificasse as pessoas, como por exemplo, comunistas e liberais. Isso já seria uma simplificação. Onde quer que andem as pessoas são as mesmas, por isso os escritos dos grandes escritores antigos tem valor universal. Falam das mesmas molas que movimentam o homem.

Os romances brotam duma instância da mente não controlada pela consciência (ou pelo menos não totalmente). Pode-se se dizer que essa é a riqueza verdadeira do artista, sua vida interior, sua alma ou seu inconsciente. Muitos artistas não tinham conhecimento disso, era uma coisa que saia simplesmente. Outros foram capazes de enxergar o próprio processo criativo, como o caso de Fernando Pessoa. De qualquer forma, a criatividade para se expressar precisa de um meio tão pleno quanto.

Pode ser correto afirmar que não existe filosofia deste ou daquele romancista. Mas é porque suas idéias não foram purificadas dos afetos. Radicalizar a razão é fazer filosofia. Radicalizar a intuição, poesia.



Tolstoi foi um bom cristão e como todo cristão teve piedade dos culpados. Ela teve que morrer, os pecados devem ser expiados. Mas que bom que morreu. Era terrivelmente medíocre tanto quanto seu namorado. A única coisa que distinguia o casal era o adultério, o que eles consideravam o ápice da vida; muito embora nunca tenham encarado o adultério como libertação das amarras sociais que o casamento convencional trazia. O que queriam com obstinada insensatez era a aceitação social e a posterior reinserção na sociedade. Fora isso, eram tão comuns que davam sono. Quando ela morreu pensei, "já foi tarde". Claro que o romance não se resume a isto. Há também um rico painel da Rússia daquela época e um grande número de tipos magistralmente construídos. Estamos todos bem retratados em excelente russo.



Graciliano Ramos parece ter tido mais talento que o realismo socialista lhe ofereceu. Porém, ele ficou contente com a realidade simplista dos teóricos socialistas. Que fazer?
A Irlanda é uma porca gorda que come toda a sua cria - James Joyce em O Retrato do Artista Quando Jovem

 

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