12/06/2007
O movimento de xadrez do radar de Vladimir Putin
O presidente da Rússia colocou Bush na defensiva na questão do sistema de defesa antimísseis planejado pelos Estados Unidos com a oferta de uma estação no Azerbaijão. Mas especialistas dizem que a proposta é tecnicamente inviável
Ralf Beste e Alexander Szandar
George W. Bush é normalmente um homem que fala sem rodeios. Mas na tarde da última quinta-feira, no encontro de cúpula do G-8 na ensolarada Heiligendamm, o presidente americano parecia de forma não característica indeciso.
EFE
A proposta surpresa de Putin representa um novo movimento na disputa entre Rússia e EUA
Ele estava sorrindo, como normalmente está, mas Bush parecia incapaz de apresentar uma declaração clara enquanto estava ao lado de Vladimir Putin e tentava relatar a conversa que os dois tinham acabado de ter.
O presidente russo tinha feito "algumas sugestões interessantes", disse Bush, acrescentando que os dois agora iniciariam "um diálogo estratégico" sobre o assunto. "Será um conjunto sério de discussões estratégicas", disse. "Este é um assunto sério." Foi o máximo de clareza que ele conseguiu expressar.
Então foi a vez de Putin. Em poucas palavras, o presidente russo explicou a oferta que aparentemente deixou seu par americano sem fala. A Rússia, disse ele, estava oferecendo aos americanos um sistema de radar no Azerbaijão, onde os dois países poderiam operar em conjunto um sistema de alerta antecipado contra ataques de mísseis de Estados inamistosos como o Irã. O sistema cobriria "toda a Europa, sem qualquer exceção", disse Putin, e acrescentou que o presidente do Azerbaijão ficaria "feliz em contribuir para a causa da segurança e estabilidade global".
Após longos meses de uma guerra agressiva de palavras entre Washington e Moscou, a proposta surpresa de Putin representa um novo movimento na disputa entre as duas superpotências. Até então, a Rússia rejeitava categoricamente os planos americanos de construção de um sistema de defesa antimísseis na República Tcheca e na Polônia para proteção dos Estados Unidos e de grande parte da Europa de um possível ataque de mísseis iraniano.
A iniciativa de Putin deixou confusos os especialistas em política externa da Europa sobre suas verdadeiras intenções. Seria uma "reversão tática" e até mesmo um possível "truque", como suspeita Karl-Theodor zu Guttenberg, um especialista em política externa do partido conservador União Social Cristã (CSU)? Ou é um passo que pelo menos trouxe "movimento à discussão", como acredita o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier? Acima de tudo, será que uma instalação de radar na cidade de Gabala, no Azerbaijão, seria capaz de interceptar mísseis iranianos?
Quase todos os observadores concordam que a proposta de Putin é um hábil movimento de xadrez político. O presidente russo, que passou os últimos meses na defensiva, agora recuperou a vantagem. Agora é a vez dos americanos - os americanos, que consistentemente pediam pela cooperação de Moscou. Isto por si só elimina a opção de rejeitar imediatamente a proposta de Putin.
Mas do ponto de vista técnico, a sugestão de Putin apresenta sérios problemas. Os especialistas em Washington, na Otan e em Berlim têm pouco conhecimento sobre Gabala. Mas há uma coisa que notaram imediatamente: Putin deixou de mencionar que a instalação é atualmente usada para rastrear mísseis americanos que poderiam ser lançados por submarinos americanos no Oceano Índico, sobrevoarem o Irã e seguirem para a Rússia.
O sistema de alerta "Daryal" em Gabala entrou em operação em 1985, durante a Guerra Fria. Após a queda da União Soviética e a independência do Azerbaijão, os russos pagam atualmente cerca de US$ 7,5 milhões por ano pelo aluguel da instalação, que faz parte do sistema de alerta das unidades de mísseis estratégicos da Rússia. O acordo com o Azerbaijão expira em 2012, momento em que o sistema de radar provavelmente estará pronto para virar sucata. Os especialistas ocidentais presumem que ele não tenha sido atualizado nos últimos anos.
Com sua proposta de Gabala, Moscou pretende frustrar os planos americanos de posicionar mísseis na Polônia e na República Tcheca. Na verdade, o radar no Azerbaijão e o sistema planejado para a República Tcheca têm funções completamente diferentes. A instalação em Gabala é puramente um sistema de alerta, enquanto o principal propósito do radar na República Tcheca seria o de um chamado sistema de controle de disparo. Os mísseis iranianos seriam monitorados em vôo e suas coordenadas enviadas para 10 mísseis interceptores posicionados na Polônia. Assim, o radar americano seria mais que um sistema de alerta; ele seria também um sistema guia para os mísseis.
Especialistas militares duvidam que a instalação de radar russa possa ser compatível com o sistema de mísseis americano. Os padrões de troca de dados eletrônicos dos dois países são completamente diferentes - sem contar que são segredos altamente protegidos de ambos os lados.
Oficiais militares da Otan sabem por amarga experiência o quanto este sigilo pode atrapalhar a cooperação. A Otan e a Rússia há muito pretendiam desenvolver uma rede conjunta para os vários sistemas de defesa antimísseis e antiaérea para proteção de suas próprias tropas durante missões internacionais conjuntas. Mas quando chegou o momento de revelar os dados técnicos, disse um oficial alemão da Otan, "ambos os lados levantaram uma muralha de pedra".
Tradução: George El Khouri Andolfato
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