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Offline Herf

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Se deixarem, a escola melhora
« Online: 05 de Junho de 2007, 16:57:07 »
Se deixarem, a escola melhora

O Tocantins deu autonomia para cada colégio gastar sua verba. Resultado: é um dos Estados que mais avançam em qualidade de ensino no país

Na escola estadual São José, em Palmas, capital do Tocantins, ao fim da aula um estudante de cada turma tranca a porta da sala e guarda sua cópia da chave no bolso. O sistema foi criado para evitar o furto de material que acontecia quando as salas ficavam vazias. Hoje, os alunos saem para o intervalo sem medo. A idéia foi sugerida por Raquel Oliveira, de 12 anos, da 8a série, durante uma assembléia com alunos e professores no início do ano. Três semanas depois, cada turma já tinha recebido sua cópia. Quem fica com a chave é o líder, eleito pela classe. Raquel é a secretária de sua sala. Ela ajuda a manter a lista de presença e leva as reivindicações da turma para a diretoria da escola. “Se alguém falta por três dias, ligo para saber se está tudo bem”, diz, mostrando o caderno em que anotou com letra caprichada o telefone dos colegas.

O envolvimento da aluna com o colégio e a rapidez com que sua idéia foi executada são méritos de um diferente sistema educacional adotado pelo Tocantins. O princípio é dar autonomia para a escola administrar seus recursos. E cobrar resultados. Ao contrário do que faz a maioria dos Estados e municípios, o governo do Tocantins transfere para a escola o dinheiro da merenda, manutenção, compra de livros e ações pedagógicas. Só o salário dos professores e funcionários continua centralizado. A verba vai para a conta de uma associação local formada por diretor, pais e professores. Com o recurso mais próximo e acessível, chovem sugestões como a de Raquel. Diante delas, as escolas fazem economia para o dinheiro render mais. Boas idéias somadas ao aproveitamento dos recursos melhoram o ambiente escolar e a qualidade do ensino. O impacto já pode ser medido nos primeiros anos do ensino fundamental, que representa mais da metade da rede estadual e é prioridade de ação da secretaria.

Desde 2000, quando teve início a gestão atual, o Tocantins é um dos Estados que mais melhoraram no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Em 2005, sua nota na 4a série para Língua Portuguesa foi a que mais aumentou em relação a 2001. Em Matemática, foi o quarto Estado que mais evoluiu. Sua nota no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que combina desempenho e distorção entre idade e série, ainda é baixa. O Estado tirou 3,6 em uma escala de 0 a 10. Mas o Tocantins está acima da média nacional e na frente dos outros Estados do Norte.

“O Estado é muito burocrático. Dar autonomia é uma maneira de modernizar o sistema”, afirma Liliene Xavier Luz, professora da Universidade Estadual do Piauí. Em pesquisa sobre um programa federal que repassa dinheiro a escolas públicas, ela observou que o sistema ajuda o trabalho do professor porque é mais fácil pedir material ao diretor na sala ao lado que à Secretaria Estadual, a quilômetros de distância. Para comprar as chaves pelo processo tradicional, a escola de Raquel teria de pedir autorização à Secretaria. Se aprovado, o pedido entraria na fila de licitações do Estado. O processo levaria meses, senão anos. “Quando o dinheiro fica no governo, não dá para atender a escola no tempo que ela precisa. Temos de esperar os pedidos se acumularem para comprar em lote”, diz a secretária de Educação do Tocantins, Maria Auxiliadora Rezende, conhecida como Dorinha. No caso da escola São José, três semanas foi tempo suficiente para levantar qual seria o chaveiro mais barato da região, preencher o cheque de R$ 225 e distribuir as chaves.

A liberdade para mexer com o dinheiro estimula as boas idéias. Na escola Deusa Moraes, que fica em Paraíso do Tocantins (a 63 quilômetros de Palmas), uma professora de Ciências usou o material de limpeza do colégio para melhorar sua aula. Neuseny Carvalho encomendou soda cáustica, limão, vinagre e óleo. Alguns dias depois, ela dava aula prática sobre a reação entre ácidos e bases, enquanto os alunos preparavam detergente, pasta de brilho e água sanitária para a limpeza da escola. Tudo biodegradável, para estimular a responsabilidade ambiental. “Se você quer ser criativo e fazer coisas diferentes, tem de investir”, afirma Neuseny. “A gente não tem muito dinheiro, mas tem liberdade para achar nossas soluções.”

O dinheiro repassado a cada escola não é muito. A São José tem 1.642 alunos e recebe R$ 15 mil por mês. Dá R$ 110 por aluno ao ano. O dinheiro para as chaves só estava em caixa porque a escola fez campanha para economizar água e energia no ano passado. Em 2005, a fatura dessas contas era de R$ 7.500 por mês. Neste ano, caiu para R$ 4.900. Segundo Maria Auxiliadora, antes da descentralização, as escolas não tinham essa preocupação. “Algumas levavam anos para consertar um vazamento de água.”

O sistema se apóia em duas premissas: habilidade do gestor e participação da comunidade. Como os profissionais da educação não têm formação para lidar com dinheiro, a Secretaria criou o cargo de coordenador-financeiro para as escolas. Os outros funcionários fazem cursos de gestão. Todos os diretores já passaram por pelo menos um deles. Além da gestão, a Secretaria enviou mais de 11 mil professores às universidades para complementar seus estudos. Hoje, 98% deles têm a formação mínima para o ciclo em que lecionam.

Foi depois de um curso desses que a professora de Ciências teve a idéia de usar o material de limpeza na aula. E foi em um deles que Maria Leda Melo Lustosa, diretora da São José, aprendeu a fazer investimentos estratégicos. Além dos furtos, seus alunos conviviam com o problema da lama, que se formava no pátio em dias de chuva. “Os meninos pulavam na poça e arrastavam tudo para dentro. Era uma sujeirada”, diz. Segundo ela, a cada 20 dias era preciso uma “faxina geral”, que geralmente seria feita duas vezes ao ano. Para resolver, a diretora comprou pó de brita, uma areia extraída da pedra, e cobriu o pátio. Gastou R$ 9 mil, quase o orçamento de um mês inteiro. O investimento resolveu o problema e se pagou em três meses, pois cada “geral” custava R$ 2.900. A idéia foi de Antônio Victor, pai de um aluno da 8a série que mora s há 14 anos em frente à São José. “Os diretores podem saber sobre educação, mas sobre essa escola quem sabe sou eu”, diz.

Ouvir pais e alunos é o segundo mecanismo de sustentação da gestão. Eles ajudam a pensar os investimentos e fiscalizar os gastos. Para estimular a participação, a Secretaria criou um sistema no qual, para compras e pagamentos, o tesoureiro da associação tem de assinar o cheque junto com o diretor. E o tesoureiro é, obrigatoriamente, um pai de aluno.

O projeto da gestão compartilhada partiu de Maria Auxiliadora. Em 1997, ela foi chamada pelo governador Siqueira Campos, então no PFL, para coordenar um programa de descentralização na educação. A idéia inicial era criar escolas-cooperativas. “Mas não daria para fundar as cooperativas de cima para baixo”, diz Maria Auxiliadora. “Por isso, optamos por uma gestão com responsabilidades divididas entre os colégios e a Secretaria.” Formada em Pedagogia na Universidade Federal de Goiás, ela dirigia um campus da Fundação Universidade do Tocantins (Unitins), uma instituição particular, antes de entrar no governo. Em 2000, passou de coordenadora do programa de gestão compartilhada para secretária de Educação. Com perfil técnico, sobreviveu a duas eleições. Para isso, se aliou ao governador Marcelo Miranda (PMDB), que rompeu com Siqueira Campos e foi reeleito em 2006. Hoje, ela preside o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação. E diz que não pretende se candidatar a cargos políticos.

A idéia ainda tem pontos fracos. O maior deles é o excesso de responsabilidade nas mãos do diretor. Se ele não é bom em finanças e pedagogia, a escola despenca. Foi o que aconteceu no Centro de Ensino Médio de Palmas. A escola tem a maior estrutura do Estado: piscina olímpica, ginásio coberto, quadra de futebol de campo e auditório para 200 pessoas. Com capacidade para atender 3.600 alunos, o colégio recebeu apenas 700 matrículas neste ano. Corre o risco de fechar as portas por falta de procura. O problema começou com uma diretora que só se preocupava com as atividades pedagógicas, sem dar atenção ao planejamento financeiro. Quando a Secretaria descobriu falhas na prestação de contas, a escola já estava quebrada. Um diretor foi designado para resolver o problema, mas incorreu no erro oposto: concentrou-se nas finanças e deu as costas para a pedagogia. Quando a qualidade do ensino caiu, os alunos migraram para outras unidades. Como o repasse de dinheiro é feito de acordo com o número de matrículas, o colégio não pôde mais arcar com suas contas e a Secretaria voltou a centralizar o pagamento de água e energia.

“Mesmo que o Tocantins enfrente problemas, a experiência é positiva”, afirma Célio da Cunha, especialista em Educação da Unesco. “O sistema dá bons resultados porque a autonomia é acompanhada de monitoramento.” Ele se refere ao planejamento estratégico implantado no Estado. Para evitar casos como o do Centro de Ensino Médio, a Secretaria exige hoje um plano de ação. Cada escola deve discriminar atividades e investimentos do ano de acordo com suas necessidades. Para acompanhar a execução, os diretores enviam bimestralmente os índices de abandono, transferência e notas da escola. Identificando as dificuldades no início, é mais fácil recuperar o aluno antes que ele repita de ano ou largue o colégio. Na escola Deusa Moraes, quem tira 7 – a média no Estado – já vai para o reforço. As aulas são dadas por voluntários em uma casa de cultura em frente à escola. No primeiro bimestre, já há alunos da 5a série tirando dúvidas sobre raiz quadrada com estudantes do ensino médio de colégios privados da cidade.

Como o Tocantins, alguns Estados repassam verbas específicas para as escolas. Alguns descentralizam a merenda, outros o material de limpeza. O segredo do Tocantins é combinar autonomia quase total com formação e monitoramento. “Estamos em um século em que não se pode impor nada. Autonomia das escolas é uma tendência”, diz Célio da Cunha, da Unesco. “O que chama a atenção no Tocantins é o planejamento”, afirma Ilona Becskeházy, diretora-executiva da Fundação Lemann, entidade que dá curso de gestão a redes públicas de educação. “A Secretaria é como uma empresa que quer funcionar: tem avaliação, informação e metas. Todo mundo sabe o que precisa ser feito.”

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 :D  :clap:

Há alguns problemas, como foi dito, mas as vantagens parecem superá-los em muito! Bela iniciativa!

Menos centralização, menos estado, menos burocracia: mais progresso!

Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG77590-6009-472,00.html

Offline Nyx

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Re: Se deixarem, a escola melhora
« Resposta #1 Online: 05 de Junho de 2007, 17:03:24 »
 :hihi: Será que tem emprego pra mim lá?

Offline Adriano

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Re: Se deixarem, a escola melhora
« Resposta #2 Online: 05 de Junho de 2007, 19:13:31 »
:D  :clap:

Há alguns problemas, como foi dito, mas as vantagens parecem superá-los em muito! Bela iniciativa!

Menos centralização, menos estado, menos burocracia: mais progresso!


O que você chama de menos estado é mais uma das propostas de reforma política.  :biglol:
Princípio da descrença.        Nem o idealismo de Goswami e nem o relativismo de Vieira. Realismo monista.

Offline Spitfire

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Re: Se deixarem, a escola melhora
« Resposta #3 Online: 05 de Junho de 2007, 19:25:35 »
Eu concordo integralmente com a descentralização.... só penso que em um país como o nosso, isto não deva ser feito sem que nenhuma fiscalização/monitoramento seja eficazmente implementado.

Tomara que dê certo... e tomara que estas medidas sirvam de exemplo para o restante do país... e que não fique só na educação.  :ok:

 

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