Tópico: Por quê o Jesus secular permanece endeusado?

[Res Cogitans]

O Manuel (Azathoth do Religião é Veneno e Stein da falecida STR) abriu um tópico interessante no RV que foi pouco explorado:

É muito comum mesmo entre pessoas muito esclarecidas, como aquelas que possuem posicionamentos religiosos muito pessoais e em nada atrelado às religiões institucionais, considerar que Jesus foi uma "pessoa à frente de seu tempo", "carregando idéias muito avançadas", "um exemplo de bondade e dignidade" e outros clichês equivalentes.

A maioria dessas pessoas nunca deve ter lido mais de uma página de qualquer um dos evangelhos.

Eu já confrontei alguns amigos meus em algumas situações onde comentei que de fato, Jesus várias vezes invocou preceitos éticos que considero bastante admiráveis (apesar de na grande maioria das vezes os mesmos não serem originais ou exclusivos do Cristianismo) mas ao mesmo tempo, ele também dissertou regras de conduta e ameaças religiosas que julgo muito condenáveis moralmente. O lago de fogo e enxofre e ranger dos dentes e o exclusivismo do Cristianismo como via de salvação estão incluídos.

Parece que nesses momentos todos revelam o seu lado evangélico, apelando para os mesmos argumentos de sempre como o clássico "você está tirando a citação fora de contexto", "isso é metafórico", etc.

Se aceitam que Jesus era um homem e mesmo um homem virtuoso pode ter defeitos de caráter, por quê não deixam o braço a torcer e não admitem que ele pode ter sido imperfeito?

http://rv.cnt.br/viewtopic.php?t=6698

[Daniboy]

Bem, acredito que religiosos nunca admitem um erro pelo simples motivo de não abrir lacunas para argumentos de outras religiões ou ateístas, já viu algum religioso dizer que a bíblia é contraditória?

Simples... 

[Res Cogitans]

Bem, acredito que religiosos nunca admitem um erro pelo simples motivo de não abrir lacunas para argumentos de outras religiões ou ateístas, já viu algum religioso dizer que a bíblia é contraditória?

Simples… 

A questão é o "Jesus secular"... você deu uma resposta para os crentes tradicionais.

[Nigh†mare]

Há algo de diferente com a Bíblia, mesmo para diferentes seitas, mesmo entre seitas das mas díspares. Acho que é a cultura popular que guia os pensamentos e as interpretações. Os mais leigos sabem que tem uma maçã no Gênesis, mesmo não havendo maçã nenhuma lá. Os Mais leigos sabem que existe um Lúcifer na Bíblia que se tornou vaidoso e quis ser deus, mesmo não havendo nada disso lá. Sabem que existe uma guerra entre um deus e um demônio na Bíblia, os dois personificados, mesmo não tendo isso lá. E estas histórias não-bíblicas que contam achando estar na Bíblia são mesmo mais interessantes do que o que realmente está lá.

[uiliníli]

Atenção: texto baseado em achismo!

Até há uns poucos séculos atrás a religião era a autoridade máxima em absolutamente todos os temas, todas as questões da vida humana. A religião explicava a origem de tudo, o funcionamento das coisas, legitimava a autoridade política, era a base da justiça e a fonte da moral.

Aos, poucos, porém, sua autoridade foi sendo solapada. As ciências de Newton, Darwin e tantos outros cada vez mais foi reclamando para si a responsabilidade sobre o conhecimento; as democracias seculares afastaram a Igreja de todas as esferas poder; cada vez mais transformações sociais contribuiram para minar a sua força.

A Igreja chegou de tal forma desmoralizada ao século XX que perdeu o controle sobre grande parte de seus fiéis. Ela já não tem mais o poder de impor suas opiniões sobre o que é certo e o que é errado, entretanto há um papel ainda em que não se pode dizer que a religião deixou de ser vista como necessária, que é o papel de fonte da moral.

Houveram tentativas de se construir uma moral secular e exorcizar de vez a religião da vida humana, mas nenhuma teoria secular da ética teve uma penetração social tão grande quanto as revoluções científicas, políticas e artísticas que aconteceram paralelamente. Embora para uma quantidade significativa de pessoas a Igreja, a religião organizada instituída, tenha perdido o caráter de intermediária entre Deus e o homem nas questões de valor moral, Deus em si permaneceu invulnerável a qualquer perda de prestígio.

Os religiosos liberais são essa grande parte do rebanho que deixou de dar crédito à Igreja, mas que ainda sente necessidade de criar uma religião pessoal ligada frouxamente à religião tradicional. Essas pessoas têm um código de moral baseado principalmente em suas próprias intuições sobre o que é certo e o que é errado, mas não deixaram de acreditar que é Deus quem legitima a moral. Elas geralmente também não abrem mão de se declararem cristãs, e portanto têm uma certa crença de que Jesus Cristo, de alguma forma foi o representante de Deus na Terra. Tirar de Jesus então o posto de melhor homem que já existiu significa encontrar falhas na moral divina, que é algo que eles não podem conceber.

[Dr. Manhattan]

O "endeusamento" do homem Jesus também deve tar a ver com o fato que Jesus, segundo a Igreja é... bem, um deus.
Essa questão do aspecto divino de Jesus já deu muito pano pra manga, com teólogos acusando-se mutuamente de heresia em
longos debates.
Eu prefiro pensar que, antes do aspecto religioso, Jesus é um mito: ninguem gosta de ver defeitos nos seus
heróis. Os americanos não gostam de lembrar que Thomas Jefferson transava com suas escravas. Os indianos não gostam de
saber que Gandhi era racista. Os comunistas não gostam de saber que Stalin era um assassino psicótico, etc etc.

[Luis Dantas]

Não acho que referências ao "Jesus secular" sejam muito frequentes; para mim o que está sendo discutido aqui é uma lenda, não muito diferente da de Robin Hood ou do Rei Arthur.

A rigor seria mais acurado falar do Jesus que supõe-se que tenha existido e ainda colocar algumas ressalvas.  Mas na maioria das situações essa pareceria uma atitude pedante e implicante.  Como a prioridade é ilustrar um ponto e não tentar chegar a um consenso sobre como seria o Jesus histórico, se passa por cima desse detalhe.  Pois, de fato, é só um detalhe sem muita importância.

[Res Cogitans]

Um chute:
Algumas pessoas tem uma noção do que vou chamar de "ética do exemplo", ou invés de tentar tecer principios morais, essas pessoas precisariam de algo mais concreto... de personagens morais que sirvam de modelo de conduta. Como elas absorveram a idéia de que Jesus é modelo de conduta...fica difícil admitir que, na realidade, ele não é. Nos EUA tem uma expressão popular "O que Jesus faria neste caso?" ou algo do tipo.
Lembro de uma campanha contra os carros utilitários, por serem mais poluentes, o slogan era algo como "Jesus dirigiria um utilitário?".
Mas..como disse é só um chute.

[Res Cogitans]

Não acho que referências ao "Jesus secular" sejam muito frequentes; para mim o que está sendo discutido aqui é uma lenda, não muito diferente da de Robin Hood ou do Rei Arthur.

A rigor seria mais acurado falar do Jesus que supõe-se que tenha existido e ainda colocar algumas ressalvas.  Mas na maioria das situações essa pareceria uma atitude pedante e implicante.  Como a prioridade é ilustrar um ponto e não tentar chegar a um consenso sobre como seria o Jesus histórico, se passa por cima desse detalhe.  Pois, de fato, é só um detalhe sem muita importância.

O que se discute aqui é: por que pessoas sem compromisso religioso direto com a fé em Jesus dão sobremérito a suposta obra/mensagem do mesmo???

[Luis Dantas]

Na verdade o que se discute aqui é: por que pessoas sem compromisso religioso direto com a fé em Jesus dão sobremérito a suposta obra/mensagem do mesmo???

Não seria porque tem tão pouco compromisso com a contestação dessa fé quanto com a afirmação dela, e por isso simplesmente se valem da lenda como ilustração?