Como sou ateu confesso, muitos amigos evangélicos se sentem desafiados pela minha condição, o que causa intermináveis discussões. Isso não me aborrece, gosto de discutir. Sempre que cito as atrocidades da bíblia, massacres de mulheres, crianças e até de animais, a resposta invariável é que eles não mereciam viver, pois deus sabia que seus corações estavam conspurcados e eram irrecuperáveis. “Até as crianças?” – indago sempre. “Até as crianças”, é a resposta. Curiosamente, Javé, que criara a lei, cansou-se do morticínio e a modificou com o advento de Cristo. “Por que?” “Agora os homens estavam preparados para a mensagem”. Estranha criatura essa que deus criou. Precisa ser purificada pela morte e tormento de muitos para que um punhado muito seleto seja salvo.
Discussão eu estimulo, pregação não suporto. Um colega meu, evangélico, todo dia me cumprimentava: “Jesus tem uma grande obra na sua vida”. Comecei a me aborrecer. Um dia respondi: “De fato preciso ir à igreja”. E acrescentava que tinha muita irmã gostosa e não resisto a mulher bonita. “Será que tenho chances”? Isso foi umas três ou quatro vezes até que ele desistiu. A salvação de minha alma imortal estava aquém do respeito às mulheres evangélicas. Não foi uma saída muito elegante, mas ele parou a pregação. Na certa me considera um cínico irrecuperável.
Outro colega também se cansou de discutir comigo e veio com esta: “Você para deus não fede nem cheira”. Como se eu quisesse alguma coisa com o nariz de um ente imaginário... Não resisti e lhe devolvi: “E você”? “Ah, eu sou especial para deus”. De início duvidei que falasse sério. Depois dei uma boa olhada e compreendi. O sujeito era um simples operário que labutava duramente para ganhar a vida. Seu status era muito baixo. Mas ser especial para uma criatura tão poderosa que iria julgar ricos e pobres representava um considerável reforço ao seu ego. Tive o privilégio de estar no laboratório de Nietzsche.
Outro ensinamento que tive em discussões com evangélicos é que a verdade sozinha, sem comunicar-se é como um fantasma, não existe. E que a mentira compartilhada torna-se verdade. Não é coisa nova claro. Mas o laboratório reforça a conclusão. É muito difícil abraçar uma verdade que ninguém aceita. Por isso, mesmo nós, ateus, temos a necessidade de discutir, de provar que estamos certo. Ninguém suporta a solidão. E os crentes de qualquer religião precisam de companhia vociferante e numerosa para que suas crenças falsas adquiram aura de verdade.
Aprendi ainda outra coisa. Toda discussão é inútil a não ser que apele as emoções. Deus, Jesus, Javé, Alá, Maomé, Buda moram naquela parte da mente que sente. Até ateus podem ser dogmáticos e firmar suas suposições nessa parte. O verdadeiro ateu é totalmente racional e existe tanto quanto um anjo. Não passamos de ratos de laboratório, todos nós. Por isso esse tópico é sem sentido e não tem objetivo outro que expor o seu autor – e seu íntimo – à avaliação pública. Como dizia o Mário de Andrade, se um escritor publica seus escritos é por vaidade e se não publica é por vaidade também. Agora, o rato no laboratório sou eu.