Gosto deste texto, e o coloco aqui suas apreciações críticas.....
Marcos Rolim
APRESENTAÇÃO
O presente trabalho deverá suscitar algum interesse entre aqueles que encontram-se insatisfeitos com a forma pela qual a esquerda no Brasil vem sustentando doutrinariamente suas pretensões transformadoras. Em suas limitações, o texto aqui disponível procura demonstrar porque razões a utopia socialista/comunista não deveria mais atravessar impunemente o discurso dos partidos e movimentos de esquerda e porque tal questão não pode ser compreendida como um "preciosismo conceitual" ou qualquer esforço diletante.
Para aqueles que estão habituados aos trabalhos críticos já realizados por inúmeros autores em todo o mundo no exame da tradição marxista, as presentes teses não devem evocar qualquer espanto. Afinal, firmou-se desde há muitas décadas -particularmente na Europa - um questionamento tão forte ao dogmatismo que parece mesmo inacreditável que a esquerda brasileira incorpore ainda idéias e conceitos cuja realidade mesma é sua expressão fantasmagórica no resto do mundo.
Os militantes de esquerda que, entretanto, sentem ou intuem o que há de equívoco e insustentável naquela tradição ideológica perceberão de imediato que o próprio esforço em discuti-la haverá de enfrentar dificuldades muito significativas. A todos quantos recusem o exame das questões que propomos, tomando-as, possivelmente, como inoportunas ou despropositadas, quero, apenas, registrar que lhes reconheço todos os direitos, inclusive o de desconsiderar meus argumentos. O que não deveria desobrigá-los a expor, de forma coerente e clara, o que entendem por "Socialismo" e se, de alguma forma, sustentam ainda os traços fundamentais da própria doutrina tal como ela nos foi legada pela tradição marxista. Acredito que este desafio não foi ainda aceito pelos riscos que lhe são inerentes. Talvez, para a esquerda brasileira, a realidade tenha se tornado tão espessa pela ideologia que a possibilidade de devassá-la possa eqüivaler mesmo à temeridade.
Na "Dialética do Esclarecimento", Adorno e Horkheimer chamaram a atenção para o fato de que, contemporaneamente, os indivíduos (ou o que restou deles) recebem seus sentidos de uma forma tão pronta e acabada como aqueles consumidores que recebem seu automóvel nas concessionárias. Desde Hamlet, pelo menos, nossas incertezas são expressões de pensamento e humanidade. Mas as ideologias obliteram as dúvidas e nos oferecem garantias eternas. Tanto pior. Estes sistemas obscuros que atribuem um sentido arbitrário ao mundo exterior introduzem na dimensão política uma expressão de heteronomia tal que é a própria idéia de "realidade" que se confunde com a de "revelação". O mecanismo é similar àquele que demarca o campo paranóico e costuma provocar uma determinada dose de agressividade por parte de seus defensores. Também por conta disto, procurei desenvolver as presentes teses em um tom nunca provocativo. O que elas sustentam polemicamente é apenas o que seria inevitável na expressão do seu próprio conteúdo.
Para evitar mal entendidos - além daqueles que imagino sejam mesmo inevitáveis - devo assinalar que não atribuo ao imaginário socialista e à carga dogmática que ele carrega a responsabilidade maior pelas limitações hoje bastante evidentes na experiência política da esquerda brasileira, notadamente aquela representada pelo PT. Para entender estas limitações seria preciso, antes de tudo, discutir o próprio processo de construção partidária em sua relação com a ausência de uma forte tradição democrática no Brasil, com a influência da máquina estatal na política brasileira, com o peso do populismo em nossa herança política, com a própria conduta autoritária e manipulatória da direita, etc. A herança ideológica do "paradigma socialista" é, tão somente, uma das questões relevantes que estão a merecer uma discussão séria entre nós. Em algum momento desta fascinante experiência representada pelo processo de construção do PT, os temas que proponho ao debate serão tratados. Possivelmente, as próprias características de um "partido de massas" - que lhe asseguram uma salutar heterogeneidade - não permitam fixar qualquer posição teórica definida sobre os temas que abordo nas Teses. O PT, evidentemente, deve buscar sua unidade em uma plataforma política que tenha um sentido transformador e não em uma filosofia. De qualquer modo, será sempre importante alimentar o senso crítico diante das nossas próprias tradições e seria surpreendente que imaginássemos ser possível transformar o mundo sem operar transformações em nós mesmos.
As Teses operam um "recorte" nesta complexa gama de questões selecionando um tema. O trabalho é uma tentativa de sistematizar e expor de forma concisa o conteúdo de algumas posições de fundo que tenho sustentado ao longo dos últimos anos, dentro do PT e publicamente. Elas estão, por certo, muito influenciadas pela minha militância em favor dos Direitos Humanos e pelas extraordinárias possibilidades que, acredito, sejam oferecidas por esta luta no enfrentamento à exclusão social, às injustiças e à violência que caracterizam a maior parte das sociedades contemporâneas. A hipótese de uma alternativa humanista que procuro esboçar na parte final das Teses revela minha compreensão sobre a necessidade de se buscar uma fonte subversiva e coerente para a legitimação da política, o que, sustento, só pode ser encontrado em uma perspectiva moral. Não vai aqui qualquer ingenuidade, nem a pretensão de equivaler política e moral. Estou consciente de que, algumas vezes, a própria reconciliação entre as duas torna-se impossível. Vale a pena insistir, todavia, na necessidade desta reconciliação. Ela não nos trará qualquer garantia sobre o êxito na política, mas, seguramente, nos afastará dos erros que nos fizeram cúmplices do mal estar desta época.
Marcos Rolim
Porto Alegre, Julho de 1999
O espectro do Socialismo
1) Um espectro ronda a esquerda no Brasil - o espectro do socialismo. Do PT ao PDT, passando pelo PSB, o PPS, o PCB, o PSTU e o PCdoB; os mais importantes partidos e correntes da esquerda brasileira professam, a seu modo, convicções "socialistas". Já era tempo de os socialistas exporem abertamente suas idéias, seus fins e suas tendências de forma a permitir o debate público em torno do conceito com o qual definem sua própria perspectiva. O que assistimos, não obstante, é um silêncio obsequioso em torno dos marcos teóricos que amparam esta adesão ao "Socialismo" acompanhado, via de regra, pela repetição infinita de clichês ideológicos tão estridentes quanto carentes de conteúdo.
2) A expressão "Socialismo" traduz, para a esquerda brasileira, um referente utópico com o qual procura-se evidenciar a perspectiva de negação do capitalismo, entendido como um modo de produção histórico indesejável. Com o uso do termo, pretende-se anunciar um projeto alternativo à realidade de exclusão social, concentração de riquezas e monopolização do poder político que caracteriza a experiência capitalista tal como a conhecemos. A vigência do conceito e seu emprego descriterioso em nossa cultura política, desta forma, dá-se, muito mais por aquilo que se pretende negar do que por aquilo que se afirma efetivamente. O socialismo para a esquerda brasileira é, então, o equivalente de uma esperança generosa e indeterminada. Verdadeiramente, um sentimento vivido como realidade, com o qual encobre-se a ausência de um projeto real com algum sentido.
3) Os conceitos expressam, no âmbito da linguagem, sínteses operantes. Um conceito adquire concretude quando suas determinações são conhecidas. Vale dizer: os conceitos afirmam-se por relações inter-subjetivas. Quanto mais rico em determinações, mais denso o conceito. Os conceitos existem na história e pela história. Nunca antes dela ou além dela. Suas determinações, então, são também históricas. Trata-se de uma idéia metafísica imaginar que qualquer conceito possa expressar determinações que se afirmem independentemente da realidade histórica. Os conceitos são impregnados por determinações novas ou renovadoras - que, freqüentemente, os redefinem - pela ação dos sujeitos. Assim, por exemplo, os significados concretos da expressão "Nazismo" são, atualmente, bem distintos daqueles comumente aceitos nos primórdios da experiência do nacional-socialismo na Alemanha. Pode-se perceber isto facilmente quando se reconstituem as posições de tantos quantos aderiram a Hitler ou simpatizaram com ele em um primeiro momento para, logo depois, se horrorizarem diante do totalitarismo. Pois bem, quando empregamos um conceito, o fazemos com base nos significados construídos historicamente em torno dele. É possível, diante de certos conceitos, empreender a tentativa de sua atualização oferecendo-lhe novas determinações. Em filosofia, especialmente, procedimentos do tipo são bastante comuns. Determinado autor recolhe em sua reflexão um conceito empregado, até então, de uma maneira determinada e o insere dentro de uma nova hierarquia teórica, discriminando as razões pelas quais lhe oferece significados distintos. A depender da coerência alcançada e das vantagens heurísticas, é comum que a empreitada alcance êxito. Quando lidamos com os conceitos no âmbito da práxis política, entretanto, empreendimentos análogos são, pelo menos, bem mais complexos.
4) No âmbito da práxis política, lidamos com conceitos cuja "realidade" se confunde com símbolos. Particularmente ao final deste século, diante de sociedades largamente formatadas pelos meios de comunicação social, a efetividade de um conceito empregado pelo discurso político associa-se aos símbolos que ele evoca na consciência de milhões de pessoas. Freqüentemente, esta realidade simbólica aglutina uma carga imensa de preconceitos. Assim, por exemplo, quando a palavra "louco" é empregada, associa-se a ela, invariavelmente, noções como "incapacidade civil" e "periculosidade" embora, concretamente, os "loucos" não sejam incapazes nem perigosos em sua grande maioria. Nestes casos, o emprego da palavra "louco" em um contexto de afirmação dos direitos daqueles que padecem de sofrimento psíquico oferece um contraste forte o suficiente para "demarcar campo" com os símbolos que evocam discriminação e intolerância. A tentativa de atribuir à expressão um conjunto de novas determinações e, por extensão, de constituir em torno dela novos símbolos, é, por isso, não apenas legítima, mas necessária politicamente como um instrumento da própria luta civilizatória. Com a expressão "Socialismo", não obstante, as tentativas de re-significação encontrarão obstáculos de outra natureza que devem ser, antes de tudo, ponderados.
5) Sob a definição do "Socialismo" abrigaram-se, historicamente, múltiplas correntes políticas e teóricas, desde os utopistas do século XVIII até os social-democratas da II Internacional, os PCs vinculados ao Comintern e todas as suas correntes dissidentes. Seja como for, a expressão "Socialismo" encontra-se indescartavelmente associada a dois fenômenos situados em planos distintos: de um lado, à experiência de todas as nações que constituíram o chamado "Socialismo Real" ; de outro, à tradição política e teórica que inspirou os movimentos ditos "revolucionários" no século XX e com a qual, maioritariamente, se buscou a legitimação daquela experiência: o marxismo. Ao empregarmos este conceito, então, devemos necessariamente definir nossa posição diante de uma das mais amplas e significativas tradições do pensamento desta época - o marxismo - e diante do mais importante e extraordinário fenômeno político deste século: o totalitarismo. Qualquer emprego do conceito "Socialismo" em nosso tempo que não se situe diante de, pelo menos, estes dois temas será um emprego arbitrário ou manipulatório.
O "Socialismo Real"
6) Todas as nações que procuraram construir o "Socialismo" -desde aquelas onde movimentos revolucionários assumiram o poder político até as que se viram engolfadas pela introdução do novo regime graças à repartição do mundo em áreas de influência no pós-guerra - realizaram, concretamente, um mesmo modelo político, econômico e social de natureza totalitária. Em que pese as extraordinárias diferenças históricas de cada uma das nações denominadas "socialistas", em todas elas foi erigido um modelo de dominação e terror onde uma nova elite estatal assumiu, em nome do "proletariado" ou do "povo", o poder político em toda a sua extensão. Pelo Socialismo e em seu nome a humanidade foi apresentada ao modelo do Partido único, da fusão do Partido com o Estado, dos sindicatos atrelados, dos privilégios a uma casta de burocratas e arrivistas, da censura sistemática, da farsa dos processos judiciais e dos expurgos, da tortura e da infâmia, dos assassinatos em massa, dos Gulags e dos "paredóns". Pelo Socialismo e em seu nome, a humanidade conheceu a invenção do conceito de "inimigo objetivo" pelo qual muitos dos próprios integrantes da elite dirigente dos Estados totalitários foram conduzidos à execração pública e à morte por seus "companheiros". Foi em nome do Socialismo que os intelectuais chineses, professores, técnicos de nível médio e membros da "pequena burguesia" foram transferidos compulsoriamente para os centros rurais de "reeducação" pelo trabalho manual, que livros, discos e outros símbolos da "cultura burguesa" (sic) foram queimados em praça pública no auge da "revolução cultural" de Mao Tsé Tung; graças ao mesmo espírito "revolucionário", tanques com estrelas vermelhas passaram por sobre os estudantes da Praça Tianamem. Foi em nome do Socialismo que Pol Pot transformou o Cambodja em uma cova rasa para milhões de opositores e que na Coréia instituiu-se a primeira dinastia comunista da história. Pelo Socialismo e em seu nome Stálin construiu uma máquina de extermínio e organizou campos de concentração para os dissidentes, por qualquer critério relevante comparáveis aos campos nazistas, com a diferença de que se prolongaram muito mais no tempo. Estas e muitas outras características da política concebida como crueldade estiveram lado a lado nas experiências dirigidas por centenas de mediocridades como o general Yaruselsky na Polônia, Eric Honecker na ex- Alemanha Oriental, Ceausescu na Romênia ou Slobodan Milosovic na Iuguslávia. Estes senhores todos "ergueram bem alto a bandeira do Socialismo" neste século fixando-a sobre um monte de cadáveres.
7) A experiência do "Socialismo Real" e do Nacional-Socialismo constituíram as formas mais radicais de negação da liberdade já experimentadas pela civilização. Assinalaram, efetivamente, um processo de "medievalização" do cenário político mundial travestido pelo poder mistificador da mais eficiente das construções ideológicas da modernidade. O totalitarismo, entretanto, em quaisquer de suas versões, não caracteriza um retorno às formas conhecidas de opressão política, mesmo àquelas vividas no medievo. Ele introduz uma novidade radical: a idéia do controle total sobre os indivíduos e, por decorrência, sobre a história. Esta pretensão tornou-se possível, para além das situações concretas que a viabilizaram historicamente, por conta da idéia que anima os próprios movimentos totalitários, a saber: a idéia de que eles são os portadores de um saber determinado, aclamado como "científico", que lhes assegura o conhecimento do "sentido da história".
A experiência totalitária é inseparável da noção de "verdade" e revela tudo o que há de temível nas concepções políticas que partem do pressuposto de serem, de alguma forma, portadoras "da verdade". As ideologias totalitárias analisam não aquilo que é, mas "o que vem a ser". Elas se direcionam para a História, sempre. Mesmo o projeto da "raça superior", que parece ser tributário da idéia de "natureza", apenas reduz as questões históricas aos elementos naturais procurando, assim, oferecer explicação plausível à História. A ideologia totalitária oferece um modelo seguro e coerente que unifica passado, presente e futuro em uma lógica. Para mantê-la, é preciso desconsiderar toda e qualquer informação que desarrume seus encadeamentos internos, pelo que as ideologias devem se emancipar da realidade mesma, insistindo na existência de uma realidade "mais verdadeira" que estaria se escondendo por trás de todas as coisas perceptíveis. O que precisaríamos para perceber esta realidade "mais verdadeira", é claro, nos é oferecido pela própria ideologia. Costuma-se chamar isto de "dialética".
9) Pela condição de seres constitutivamente livres, os seres humanos começam novas seqüências de fatos causais. Sua liberdade reside, precisamente, nesta capacidade criativa. Pela ação, os humanos são históricos porque começam coisas. Este "começo" é incompatível com a lógica oferecida pelas ideologias totalitárias onde tudo "provém" , mas nada pode substancialmente "advir". Não por outra razão, para as ideologias totalitárias não existe acaso. "Contra o começo, nenhuma lógica, nenhuma dedução convincente pode ter qualquer poder porque o processo de dedução pressupõe o começo como uma premissa. Tal como o terror é necessário para que o nascimento de cada novo ser humano não dê origem a um novo começo que imponha ao mundo sua voz, também a força coercitiva da lógica é mobilizada para que jamais alguém comece a pensar - e o pensamento, como a mais livre e pura das atividades humanas, é exatamente o oposto do processo compulsório da dedução". (1) Por esta razão, o modelo do militante ideal dos movimentos totalitários, não é aquele que se destaca por suas convicções ideológicas ou políticas, mas aquele para quem já não resta qualquer diferença entre fato e ficção. É como se estes movimentos afirmassem: - "Querem ver nossos bons militantes? Selecionaremos aqueles que acreditam".
O marxismo
10) Para a tradição marxista, a idéia do Socialismo sempre foi caracterizada como o equivalente a um regime de transição em direção ao Comunismo entendido este último como uma sociedade sem classes sociais. Em algumas oportunidades, Marx e seus seguidores mais ilustres se referem a ele como "a primeira fase do comunismo" ou seu "estágio inferior". Etapa "necessária" e "incontornável" do desenvolvimento histórico, o Socialismo foi compreendido pela tradição marxista não como uma "criação histórica", mas como uma imposição natural do próprio processo de desenvolvimento das "forças produtivas". A lógica operante na História - no plano das relações econômicas ou da "infra-estrutura"- haveria de assegurar as "condições objetivas" para a emergência do Socialismo a partir das próprias contradições presentes no sistema capitalista. A "luta de classes" era o "motor da história" no sentido preciso de ser seu dínamo real. As classes, entretanto, foram sempre definidas pelo papel exercido pelos sujeitos sociais na produção. Por isso, os marxistas sempre acreditaram na "determinação em última instância" do chamado "fator econômico". A classe operária foi concebida como o "sujeito universal"; vale dizer: como aquele segmento capaz de - ao emancipar-se do jugo do capital - assegurar a emancipação de toda a humanidade.
11) Como regime de transição, o Socialismo haveria de conhecer, como todos os demais sistemas anteriores, uma forma de dominação. Para Marx, entretanto, a diferença estaria manifesta no fato desta dominação organizar, pela primeira vez, "a supremacia da maioria sobre a minoria". O conceito que sintetizou esta concepção foi o de "ditadura do proletariado". Para Marx, toda e qualquer forma de Estado é uma ditadura de classe. Também no Socialismo, então, na medida em que houvesse um Estado ele seria uma ditadura. Este "Estado", não obstante, estava fadado ao desaparecimento e deveria definhar progressivamente, de forma a ser possível instituir no Comunismo uma forma de organização social onde houvesse, ao invés do "governo dos homens", a "administração das coisas".
12) O marxismo sistematizou a mais ampla e radical crítica ao sistema capitalista oferecendo o esboço de um modelo alternativo de organização da economia a partir da idéia de superação da "propriedade privada dos meios de produção" e do próprio mercado. Aliás, a crítica de Marx - que não se restringe à economia política - encontra na própria figura da "mercadoria" o processo decisivo pelo qual o capitalismo repõe a alienação dos seres humanos. ( "fetichismo da mercadoria") Para superar o mercado - instituição que antecede em muito o capitalismo - Marx propôs a centralização e a planificação global da produção a partir de mecanismos de participação direta dos produtores associados, o que eliminaria o desperdício derivado da "irracionalidade" do sistema mercantil.
13) O pressuposto fundamental da análise marxiana quanto à economia no Socialismo está localizado na perspectiva de um extraordinário desenvolvimento das forças produtivas no pós-revolução e encontra sua síntese mais significativa na idéia de "abundância". Assim, no Socialismo, vigoraria o princípio básico: "a cada um segundo o seu trabalho" e, no Comunismo, o princípio: "a cada um segundo suas necessidades". A utopia marxista propõe, então, o fim da "pré-história da humanidade e o início de sua verdadeira história". Na sociedade radiante do futuro, igualitária e fraterna, todos governariam não havendo, portanto, governados. Com o acesso assegurado a todos os bens capazes de suprir as necessidades humanas, não haveria mais qualquer interesse competitivo. Por decorrência, problemas de disciplina ou motivação seriam desconhecidos. Não seria mais necessário se exigir direitos de qualquer tipo, nem razão alguma para a permanência de regras restritivas, leis, juizes ou legislatura. Por óbvio, não haveria mais Estado, sequer nação-estado, nem tampouco comércio exterior ou qualquer comércio. O sistema de salário desapareceria, como de resto a própria moeda. A divisão de trabalho seria uma figura de museu e todos, libertos finalmente da divisão do trabalho, estariam habilitados a realizar uma multiplicidade de funções. Nas palavras de Marx: "embora nem todos possam pintar tão bem quanto Rafael, todos serão capazes de pintar muito bem".
Para uma crítica do marxismo:
14) A idéia da existência de uma lógica na História, um "nomos", capaz de oferecer um sentido presente e anterior à ação é o equivalente, no plano filosófico, à negação da liberdade no plano político. Se, de alguma forma, a ação encontra-se determinada por circunstâncias que lhe são anteriores, logo não há ação livre entre os humanos e a própria práxis política é um epifenômeno. Toda a obra marxiana é atravessada por esta tensão determinista embora deva-se assinalar que a genialidade de Marx a ultrapassa em vários momentos. De qualquer forma, foi a vertente "naturalista" do marxismo aquela que constituiu a tradição mais forte e operante historicamente nos partidos e movimentos "revolucionários". As raras posições desviantes que ofereceram interpretações distintas à reflexão original de Marx ou que intentaram renová-la foram perseguidas, estigmatizadas e jamais constituíram qualquer movimento político significativo. Assim, se definirmos o "marxismo" como a tradição política e teórica aberta com a reflexão de Marx, pode-se afirmar que o marxismo é um dogmatismo naturalista (2). Esta conclusão, por óbvio, jamais será aceita pelas correntes marxistas posto que, cada uma delas, entende que a sua própria interpretação do marxismo corresponde ao "marxismo verdadeiro", enquanto todas as demais caracterizam, tão somente, um mundo de sombras, marcado por erros e ilusões, quando não por sucessivas "traições". Contra o pensamento nômade, ergue-se, então, uma razão sedentária que já não pode transcender a si mesma, pois sua existência é o juízo consolidado. Esta forma de não- pensar só pode propor a conversão.
15- Apenas uma visão determinista pode colocar-se o desafio de formular assertivas verdadeiras sobre o futuro. O futuro é a realidade daquilo que não é. Logo, não há verdades inscritas no futuro. Nosso vínculo com o futuro nos é oferecido pelo conceito de "risco". Pode-se falar sobre o futuro sempre em termos de expectativa ou de "tendências". É possível, para muitas das ciências sociais, antecipar conseqüências - e, portanto, legitimar previsões, desde que nos termos de proposições do tipo "se ocorrer X, então deverá ocorrerá Y". Para o marxismo, entretanto, o Socialismo é uma fase de transição para o Comunismo porque isto corresponde a "um movimento real na história". Não há aqui a idéia de um possível, mas a interpretação autorizada pela "ciência" do que seja "A Necessidade". Ora, esta visão é inconcebível e encerra uma pretensão absurda. Não há qualquer sentido na história diverso daqueles que lhe atribuímos. Os sentidos históricos são o resultado da ação. Por isso mesmo são imponderáveis e, como regra, não antecipáveis. Felizmente, poderíamos acrescentar.
16- A luta de classes é um fenômeno real e operante do qual derivam inúmeras conseqüências, políticas sobretudo. A luta de classes, entretanto, não constitui um "paradigma" a partir do qual possa se vislumbrar uma racionalidade última das contradições sociais, sequer um conceito capaz de oferecer uma possibilidade heurística privilegiada nos esforços de compreensão da complexa e tantas vezes perversa dinâmica dos conflitos que dilaceram as modernas sociedades. Alguém que intentasse compreender as principais disputas políticas da modernidade procurando "enquadrá-las" dentro de um esquema de "luta de classes" teria as mesmas dificuldades daquele que buscasse situar as oscilações comportamentais em uma comunidade a partir das taxas de desemprego e das políticas salariais em vigor. Não por outro motivo, o recurso ao conceito de "luta de classes" só aparece realmente no discurso da esquerda contemporânea para fins legitimadores. Ainda que desconsiderássemos o conjunto infinito de fraturas sociais que articulam movimentos e lutas reais mobilizando paixões transformadoras, seria tolice não admitir, examinando os processos históricos, que mesmo em sociedades divididas em classes com base na propriedade, a parte mais significativa dos conflitos sociais ocorrem no interior das classes sociais. "Nas Guerras das Rosas os senhores feudais massacraram-se uns aos outros. Nobres protestantes mataram nobres de fé católica aos milhares na Guerra dos Trinta Anos e vice versa. Em nosso século, capitalistas judeus foram para as câmaras de gás junto com seus empregados judeus; burgueses nativos da África ocidental expulsaram seus companheiros "de classe" indianos, os trabalhadores brancos sul-africanos ou os do Alabama dificilmente mostrariam alguma solidariedade "de classe" com seus companheiros proletários negros, o que nos faz lembrar o papel preponderante do nacionalismo e do racismo neste século supostamente civilizado." (3) Ora, não é por acaso que os marxistas sempre encontraram enorme dificuldade em lidar com os movimentos emancipatórios das mulheres, com as lutas contra a discriminação racial, como de resto com os desafios postos pelas exigências dos Direitos Humanos. Concretamente, com a atribuição de um "papel revolucionário" ao proletariado, o marxismo ofereceu a maior contribuição para que se erigisse em torno desta categoria unificadora de sujeito e objeto uma fantástica mitificação. Não há qualquer "sujeito revolucionário" definido antes da "ação revolucionária", este é o ponto. Mas se estas objeções de natureza teórica fossem todas ignoradas, restaria uma constatação de natureza "prática": a classe operária - ao contrário das expectativas autorizadas pela "ciência" (sic) do "materialismo histórico", encontra-se em um processo terminal na história. Ao invés de "classe universal", capaz de, "ao emancipar-se, emancipar toda a humanidade" , a classe operária está sendo conduzida pela moderna revolução científica e tecnológica ao desaparecimento. Os marxistas deste final de século devem, então, conviver com uma doutrina que alicerçou sua perspectiva revolucionária em um "sujeito revolucionário" em vias de extinção.
17- O conceito de "Ditadura do Proletariado" é uma impropriedade teórica e uma ameaça. Não pode mais ser sustentado sequer pelos marxistas pela simples razão de que uma ditadura do proletariado não seria mais concebível - me refiro a sua caracterização teórica - como a "dominação da maioria sobre a minoria" . Antes disto, todavia, o conceito é imprestável porque sua premissa - a idéia de que todo e qualquer Estado é a organização do domínio de uma classe sobre as demais - é equívoca. Não se deve esquecer que, para Marx, o Estado é a violência organizada, cujo pilar fundamental é oferecido pelas forças armadas. Coerentemente com esta visão, o processo revolucionário foi pensado como uma "ruptura" com a ordem instituída que deveria se encarregar de "destruir o Estado Burguês" e, finalmente, todo e qualquer Estado. A ditadura do proletariado seria já, para todos os efeitos, um Estado em deperecimento, precedido pelo "armamento geral do povo". Ocorre que o Estado é, ontologicamente, o espaço de regramento dos conflitos sociais. Ainda que este regramento expresse, sempre, uma determinada "correlação de forças", vale dizer: um equilíbrio político que consagra direitos e privilégios de forma assimétrica, o Estado não pode ser reduzido a uma "função" de dominação. Pensá-lo assim, implica em transformá-lo em objeto de um "sujeito dominador" - no caso, a burguesia, quando, no mais das vezes, é o Estado a instância que intervém por sobre os interesses burgueses para unificá-los ou estabelecer "pactos". O que a doutrina perde de vista é esta possibilidade "ativa" do Estado que se afirma com relativa independência. Ora, o Estado não assegura, tão somente, a repressão através do monopólio legítimo do uso da força. Muito além disto, o Estado democrático moderno coesiona as sociedades organizando um determinado consenso; vale dizer: uma aquiescência diante dos próprios valores e regras que formatam a "dominação". Por isso, pensá-lo em termos marxianos hoje eqüivaleria, simplesmente, a desconhecê-lo. Gramsci - o último marxista a produzir uma obra significativa - compreendeu esta limitação há mais de 50 anos.
18- A idéia da superação do mercado como projeção utópica pressupõe toda a mitologia comunista e é, em si mesma, inconcebível em termos de política econômica. Sem uma instituição do tipo mercado, perde-se qualquer referência entre esforço e resultado, entre quantidade de trabalho utilizado e o valor de uso que ele produz. O que o mercado oferece aos agentes econômicos é este vínculo -por certo imperfeito, mas ainda assim um vínculo que permite alocar recursos com base em critérios objetivos. A idéia do planejamento de uma economia socialista - pela qual a sociedade decidiria democraticamente o que produzir implica em planejar, também, os meios de produzir o que se decide produzir. Teoricamente, isto significaria dispor sobre todas as informações relevantes do processo de produção e, ato contínuo, decidir por maioria de votos o que produzir e como. Qualquer nação contemporânea possui, atualmente, algumas dezenas de milhões de produtos identificáveis, desagregados em tipos específicos como, modelos, cores e tamanhos diferentes de uma mesma peça de roupa, sapato, etc. "Esta produção é sustentada por algumas centenas de milhares de unidades produtivas mais, é claro, milhares de empresas de construção, de transportes, estabelecimentos de venda por atacado e varejo. Nenhuma delas pode produzir ou distribuir nada sem a cooperação coordenada da atividade de numerosas unidades econômicas que produzem, transportam e distribuem. Uma grande fábrica, por exemplo, que produz carros ou equipamentos para a indústria química é uma montadora de partes e componentes que podem ser feitos em, literalmente, milhares de fábricas diferentes, cada uma das quais com diferentes tarefas e que, por sua vez, dependem da oferta de matérias-primas, combustíveis e equipamentos, produzidos por centenas ou mais de outras unidades de produção. Introduza-se a dimensão temporal (as coisas devem ser fornecidas pontualmente e em seqüência), acrescente-se a importância das previsões quanto a consertos, manutenção, substituição, investimentos e capacidades produtiva futura, treinamento e desenvolvimento da força de trabalho, suas necessidades quanto à moradia, lazer, cabeleireiros, lavanderias, calefação e a decorrente necessidade de materiais de construção, grampos de cabelo, combustíveis, móveis...Realmente, muito simples!" (4) As tentativas de superação do mercado na experiência do Socialismo Real implicaram, por óbvio, em ineficiência e atraso tecnológico, de um lado, além de terem sido extraordinariamente funcionais à negação da democracia, por outro. Como a própria pretensão do "planejamento democrático", nos termos da ideologia marxista, é apenas uma ficção, o que se alcançou concretamente foi a planificação estatal da economia a partir da emergência de uma poderosa burocracia que aparece como necessidade funcional do próprio processo de "planejamento total". A suposição do conteúdo "democrático" do planejamento através dos "produtores associados" não se sustentaria um segundo sequer se os ideólogos lembrassem que cada uma das milhões de escolhas necessárias em um processo de produção condicionam todas as demais de uma forma absolutamente imponderável. Assim, se A e B definem-se em favor de uma decisão econômica relevante, C e D - cujas atividades ou interesses se relacionam com aquela área atingida pela decisão - não podem fazer uma opção "consciente" pois não podem saber antes qual será a escolha de A e B. Ainda que toda esta geringonça burocrática funcionasse, caberia perguntar: com base em que eticidade poderia se legitimar a perda do direito ao consumo dos bens desejados pelas eventuais minorias em um processo de "planejamento" da produção? De fato, o mercado é o substrato econômico da autonomia da sociedade civil diante do Estado. Destruir o mercado eqüivale a destruir a sociedade civil, sem a qual não há liberdade política, nem democracia. Se é certo, como nos ensinou Marx, que os meios de produção são as "fontes da vida", disto se depreende que o monopólio dos meios de produção implica o controle monopolista da vida humana. Como o modelo socialista exige a planificação e a concentração das forças produtivas nas mãos do Estado, é evidente que planificação e liberdade são noções excludentes. A economia planificada é irracional e liberticida.
19- O conceito de "abundância" implica a suficiência de meios para satisfazer as necessidades a preço zero. Com a abundância, elimina-se o conflito sobre a alocação de recursos já que, por definição, existe o suficiente para todos e, assim, não há escolhas mutuamente exclusivas. Em outras palavras: nenhuma oportunidade deixa de ser aproveitada e, portanto, não há custos de oportunidade. Toda a expectativa marxiana sobre a realidade utópica do socialismo/comunismo está assentada sobre este pressuposto. Decorre desta crença em favor da abundância a ausência de qualquer "política econômica do socialismo" visto que a economia não é outra coisa senão a administração da escassez. Ocorre que a abundância é, conceitualmente, impossível. Primeiro porque os seres humanos não podem conceber a possibilidade da oferta crescente de um conjunto de bens que são, por definição, finitos. (escassez absoluta) Segundo, porque o próprio processo de humanização cria necessidades novas e imprevistas; vale dizer: repõe carências infinitamente. (escassez relativa) Sabemos - desde o advento da psicanálise, pelo menos - que somos, conceitualmente, seres da falta. Daí nossa condição "desejante". A idéia mítica da abundância pressupõe o fim da história e a emergência de um mundo sem desejos. Em síntese, algo que só encontraria realidade na morte.
20 A utopia socialista/ comunista em termos marxianos propõe uma seqüência suicida de todas as categorias com as quais se compreende a sociabilidade moderna. Ela anuncia o fim do Estado e, por decorrência, o fim da política como atividade específica de regramento dos conflitos. Ela anuncia o fim das classes sociais e da divisão social do trabalho e, logo, a ausência de toda a hierarquia e especialização. A máxima da "administração das coisas" - retirada literalmente da obra de Saint-Simon - desconsidera que não se pode "administrar" se não pessoas pela simples razão de que quando decidimos sobre "coisas" o fazemos através de pessoas. Afinal, para usar uma expressão de Alec Nove, não falamos com repolhos ou com toneladas de rolamento, mas instruímos ou persuadimos pessoas a plantar, fazer ou transportar coisas. Ela anuncia o fim do mercado, da moeda e do regime de assalariamento. Anuncia o fim da filosofia, da religião e de todas as representações "ideológicas" (as quais, para Marx, eqüivaliam à falsa consciência). Ela anuncia o fim do direito, das leis e dos mecanismos de representação parlamentar e, como vimos, o fim da economia. A utopia socialista/ comunista é marcada pela expectativa de uma auto-regulação benigna e espontânea da sociedade do futuro pela qual os humanos encontraríam-se, finalmente, com seu ser genérico. A universalização dos indivíduos, não obstante, só é desejável mediante a promoção de suas singularidades o que em termos políticos significaria: a) a manutenção de uma esfera pública regrada (vigência do Direito) que permita a expressão individual e coletiva das diferenças; b) vigência de um Poder Político sobreposto à tessitura dos conflitos e voltado à promoção dos consensos possíveis sob o controle da sociedade (um novo Estado, mas um Estado) e, c) a possibilidade de aglutinação dos indivíduos a partir de opiniões e interesses para a disputa de projetos de futuro (a consagração da política, então.) A utopia socialista/comunista em termos marxianos é, antes de impossível, algo absolutamente indesejável. Suas promessas são, concretamente, ameaças.
Afinal, por que "Socialismo"?
21 - Um partido político moderno que expresse, para o século XXI, um ideal libertário, que esteja profundamente comprometido com as lutas sociais por justiça e igualdade, que compartilhe aspirações democráticas e solidárias, que se anteponha às características excludentes e violentas das modernas sociedades capitalistas, deve sintetizar suas pretensões em um projeto de re-organização social radical. Este projeto, para os necessários efeitos políticos de demarcação pública, deve ser nomeado. A pergunta que se faz é: por que razão a expressão "Socialismo" seria a mais adequada para esta nomeação? Por que motivos, para além das convicções dogmáticas, de cálculos oportunistas ou da persistente ausência de reflexão, deveríamos manter a denominação que caracterizou, de um lado, uma doutrina sabidamente equívoca e, de outro, as perspectivas totalitárias deste século quase passado? Há, freqüentemente, duas linhas de argumentação - normalmente superpostas, que procuram oferecer uma justificativa a esta renitência. Primeiro, aquela que nos apresenta a tese de que "o verdadeiro Socialismo" jamais foi realizado concretamente pelo que, as tarefas de sua construção permaneceriam atuais. A segunda, aquela que nos apresenta a tese de que o marxismo - em que pese "eventuais incorreções" ou "proposições teóricas ultrapassadas" permaneceria substancialmente atual como "método".
22 - A tese do "verdadeiro Socialismo" , como toda a proposição metafísica, separa conceito e história. Em sua versão dogmática, imagina a realidade do conceito como que inscrita em uma "interpretação verdadeira", naturalmente aquela que ela própria oferece. Pelo mesmo "método", um ideólogo conservador poderia sustentar que o "verdadeiro capitalismo" - um sistema de concorrência perfeita, sem qualquer tipo de intervenção do Estado sobre a economia, por exemplo - jamais foi "levado à prática". Tudo o que conhecemos ao longo da história do capitalismo, então, nada de comum possuiria com o "Capitalismo" assim definido. Um desdobramento da tese do "verdadeiro Socialismo" nos é oferecido por aqueles marxistas que, conscientes da farsa e das tragédias do Socialismo Realmente Existente, propõe a "Renovação do Ideal Socialista." Estes autores nos falam em "pluralismo político", "democracia", "economia de mercado" - ainda que socialmente regrada , "liberdades individuais", "Estado de Direito", "competitividade", "integração não subordinada à economia internacional", "promoção da diferença e respeito às minorias", etc. Em síntese, nos falam de tudo aquilo que não guarda qualquer relação de pertencimento à tradição socialista e, ao final, sem qualquer explicação, propõem que isto tudo seja chamado de "Socialismo".
23 - Não há qualquer "método" que seja independente do seu objeto. Um método é um conjunto operante de categorias cuja realidade mesma prende-se aos fenômenos que objetiva descrever e compreender. O método psicanalítico, por exemplo, só se mantém na medida em que se reconhece a existência da psiquê e de suas estruturas fundamentais como foram propostas pela reflexão freudiana. Se não aceitamos a existência de estruturas como o "ID" ou o "EGO" , não há como se falar em método psicanalítico. Ora, como é possível sustentar a permanência do marxismo "como método" se todo o conjunto operante de categorias que o estruturaram, a saber: "teoria do valor", "revolução" , "encadeamento histórico necessário dos modos de produção" , "determinação do fator econômico", "luta de classes", "proletarização da sociedade", "ditadura do proletariado" , "primado da violência" , "Estado como dominação de classe", "abundância" , "classe operária como sujeito revolucionário", etc. etc. são, atualmente, categorias equívocas ou inúteis?
24 - Nomear um projeto radical de transformação das sociedades capitalistas como "Socialismo" é, entretanto, não apenas uma impropriedade teórica. Trata-se de um erro político de dimensões históricas. Por ele, permitimos que nossa imagem pública como partido de esquerda seja associada à uma tradição que é, queiramos ou não, uma tradição militante anti-humanista. Os defensores da tese da "renovação do ideal socialista" assumem, então, uma nova tarefa que acrescenta mais dificuldades aos nossos desafios políticos: precisam sensibilizar a sociedade para a idéia da transformação social e, também, demonstrar a todos que os valores que sustentam nada possuem em comum com aquilo que a imensa maioria das pessoas no mundo identifica como "Socialismo". Em síntese: precisam obter a adesão das pessoas a uma idéia e, ao mesmo tempo, mudar a idéia que as pessoas fazem desta idéia. "Práticos", não?
O PT e o Socialismo:
25 - Afirma-se que o Partido dos Trabalhadores, desde a sua origem, assumiu posições que o diferenciaram da experiência do "Socialismo Real". De fato, o PT jamais reproduziu o modelo dos "Partidos Comunistas" ou das organizações "de vanguarda" inspiradas pela herança leninista. Pelo contrário, desde sua origem, a experiência do PT inaugurou uma tradição sensivelmente diversa. Primeiro, pela sua heterogeneidade; segundo, pelo hábito de um agudo e efetivo debate político entre suas várias posições e tendências internas; terceiro, pelo fato de o Partido ter firmado uma referência política formidável entre milhões de brasileiros, o que lhe assegurou uma base social e eleitoral sem precedentes no Brasil a uma organização de esquerda. Estas características, não obstante, foram também funcionais à manutenção de uma determinada ambigüidade ideológica expressa, por exemplo, no hábito, até 1989, de convidar as delegações dos Partidos Comunistas do leste europeu para ocupar um lugar de honra nas cerimônias oficiais dos nossos Encontros Nacionais; no fato de nosso Partido ter enviado dezenas de quadros e militantes para freqüentar os cursos de formação oferecidos pelo Estado policial da Alemanha Oriental; no fato de, quase às vésperas da queda do muro, a secretaria nacional de formação ter lançado uma cartilha sobre o Socialismo onde se assinalou, entre tantas outras passagens formidáveis, que o Socialismo havia resolvido os problemas fundamentais garantindo o acesso de todos aos bens e serviços essenciais restando, ainda, alguns "problemas menores" a serem resolvidos como as questões referentes às liberdades políticas.
26- Para além dos discursos legitimadores que pretendem oferecer uma perspectiva condescendente à nossa própria história, o certo é que o PT jamais encontrou qualquer definição política ou teórica sobre a experiência socialista no mundo. Embora programaticamente o Partido não se defina como "Socialista", nossa cultura partidária é marcadamente socialista e, ainda hoje, fortemente influenciada pelo marxismo. Pior do que isso, pela vulgata marxista. O que temos de mais rico e inovador em nossa tradição partidária e as significativas contribuições oferecidas pelo PT ao longo de toda sua história aparecem como uma "realidade invertida" no imaginário de grande parte da militância graça à sobrevivência dos paradigmas tradicionais da esquerda socialista. Aprofunda-se, com isto, uma extraordinária vocação à esquizofrenia facilmente perceptível nas reações partidárias diante de Cuba, por exemplo. O modelo cubano de socialismo - o único conhecido no mundo - sustenta-se na figura do "Partido único" e do total monopólio do poder político nas mãos de uma burocracia resultante da fusão partido/estado. Trata-se de um modelo conceitualmente avesso ao valor da pluralidade ou da democracia. Um regime que inscreveu em sua Constituição que o "O Partido Comunista de Cuba, vanguarda organizada marxista-leninista da classe operária, é a força dirigente superior da sociedade e do Estado que organiza e orienta os esforços aos altos fins da construção do socialismo e do avanço à sociedade comunista." (Art.5 da Constituição Cubana proclamada em 24 de fevereiro de 1976), pelo que uma sociedade inteira delega a um outro que não a si própria a tarefa de instituição de seu futuro, desde já inteiramente sabido. Os desdobramentos políticos virtuais estão informados positivamente -no sentido do direito positivo (!) Talvez não se encontre em todo o mundo uma expressão tão aguda do grau de heteronomia a que uma sociedade pode chegar. Este mesmo regime que considera "traição" qualquer dissidência, que remete às prisões os que divergem, que mantém a pena de morte, que organiza farsas jurídicas aos moldes dos "Processos de Moscou" da época stalinista, etc. conta com enormes simpatias dentro do PT (!) Mas qualquer petista ao ser chamado para definir o que entende por "Socialismo" haverá de descrever uma sociedade "democrática" organizada por princípios absolutamente diversos daqueles vigentes em Cuba, pelo menos do ponto de vista político. O senso comum da esquerda lembrará, por certo que "em Cuba há conquistas sociais decisivas nas áreas da saúde, da educação, do abastecimento", etc. Sim, por certo. Muito inferiores àquelas que foram consagradas pelo Welfare State que, não obstante, é amaldiçoado pela cultura partidária. Se acrescentará ainda que "Cuba sofre há décadas um bloqueio criminoso dos EUA". Sim, de fato. Mas o que nos impede de combater o bloqueio, denunciá-lo publicamente, organizar campanhas públicas, etc. e, ao mesmo tempo, manifestar nossa oposição às características totalitárias do regime de Fidel? Ou será que entendemos que a liberdade é um "detalhe" ?
27- A afirmação do paradigma "Socialista" na cultura partidária condiciona amplamente a ação dos petistas de todas as correntes oferecendo-lhes limitações intransponíveis diante da adesão à herança dogmática. Mesmo que a esmagadora maioria dos petistas nunca tenha mantido com o marxismo qualquer vínculo explícito e que a doutrina jamais tenha se constituído em uma referência teórica importante no Brasil, o fato é que a ideologia reproduzida naturalmente pela ação da esquerda sempre foi largamente tributária do marxismo. Assim, determinadas características da formação econômico- social brasileira e das nossas tradições históricas e culturais - que condicionam o próprio fenômeno da construção de um Partido Político de Esquerda com o perfil do PT, fundem-se com uma tradição ideológica marcadamente autoritária que "coesiona" determinados valores oferecendo-lhes uma "racionalidade" legitimadora. Assim, determinada e conhecida intolerância diante das disputas políticas; a recusa sistemática ao estabelecimento de relações mais amplas e verdadeiras com a sociedade civil organizada, incluindo-se aí os próprios empresários; a tendência persistente de "colonização" da esfera pública e de aparelhamento das entidades de representação, notadamente as sindicais; o desprezo pelas alianças, pela negociação política, pelo parlamento e os mecanismos institucionais ditos "burgueses" (sic), os processos internos de estigmatização e as condutas direcionadas para uma concepção da política como "guerra", a desvalorização das proposições éticas de conteúdo universalista e a subordinação dos próprios valores morais aos imperativos imediatos da disputa política, o desprezo pela elaboração programática e o mal estar diante da dissidência, a concepção instrumental da democracia, entre muitas outras características destrutivas e deformadoras são resultados dos quais não nos livraremos sem a superação do paradigma "Socialista".
28- Alguns autores têm chamado a atenção para o fato de o PT ter reunido três importantes vertentes em sua origem. Aquela representada pela tradição mais combativa do movimento sindical brasileiro, o aporte do trabalho social e comunitário vinculado às comunidades eclesiais de base e a tradição oferecida pelos quadros e militantes remanescentes das organizações da esquerda clandestina, que havia sido dizimada pela ditadura. (5) Observe-se, então, que na origem do PT temos, pelo menos, três grandes tradições fortemente institucionalizadas: a sindical, a católico-romana e a marxista-leninista. Distintas entre si, contraditórias muitas vezes, estas três vertentes nos oferecem, pelo menos, dois pontos em comum: o apelo pela "justiça social" e a aposta na organização. Assim, em que pese o PT ter surgido no bojo de um cenário político concreto de luta contra a ditadura, suas vertentes não possuem uma marca "libertária". Para todos os efeitos, é o "igualitarismo" a marca predominante. O papel desempenhado desde o início - e muito mais fortemente hoje - de uma burocracia interna talvez encontre aí sua origem. O fato é que temos atualmente um partido com fortes traços de burocratização onde se reproduzem posturas bastante tradicionais, inclusive muitos dos vícios comumente encontrados nos partidos conservadores. Os setores considerados mais "radicais" do partido vem apontando - neste ponto com inteira razão - um conjunto de problemas derivados de práticas de caráter manipulatório, entre elas, por exemplo, as filiações em massa realizadas sem qualquer critério para assegurar objetivos particulares. O papel desempenhado pelo paradigma do "Socialismo", entretanto, como discurso legitimador destas mesmas práticas conservadoras é mais do que evidente. Primeiro, a burocracia necessita transformar as idéias mobilizadoras em mandamentos e codificá-las ordenadamente; depois, precisa sustentar a prevalência do código e reforçá-lo permanentemente remetendo toda e qualquer discussão aos limites autorizados pelo próprio ordenamento que, desta forma, coloca-se fora do alcance de qualquer discussão. A tentativa tem de ser recorrente visto que não há outra forma de legitimar suas opiniões e interesses perante a própria base partidária a não ser falando em nome das idéias mobilizadoras e, portanto, colocando-se na condição de defensora de uma identidade original sempre ameaçada. O passo seguinte é o de estigmatizar toda e qualquer posição divergente como incompatível com o código e montar estratégias para derrotar aqueles que questionam sua prevalência. O desfecho deste processo é a promoção de uma "esfera pública" partidária fantasmagórica onde todos os procedimentos são rituais, a começar pelo ato da fala uma vez que todos dizem exatamente o que se espera que digam. Neste espaço dramático onde tudo imita a política já não resta mais tempo para qualquer sociabilidade digna. O convívio transforma-se ele mesmo em cálculo e todo o desprendimento será castigado. Na atmosfera burocrática, apenas a intriga é permutável.
O Capitalismo Real:
29 - As sociedades capitalistas, tais como nos foram legadas, reproduzem naturalmente a desigualdade social concentrando renda e poder. Como decorrência, o capitalismo foi extremamente funcional à repartição das sociedades de diversas formas: primeiramente, possibilitando uma divisão entre aqueles que estão incluídos no "mundo do direito" e aqueles que estão à margem da própria idéia de "direito". O mundo dos "incluídos" já é, em si mesmo, absolutamente desigual pois aí estão ricos e pobres que, não obstante, guardam em comum o fato de serem reconhecidos em sua condição de pertencimento à sociedade. O mundo dos "excluídos" - onde estão os miseráveis e os marginalizados - estende a todos os seus membros o estranhamento de sua própria condição humana. O capitalismo possibilitou a repartição das sociedades contemporâneas entre aqueles que vivem ou sobrevivem por conta do seu trabalho e aqueles que vivem pela expropriação do trabalho alheio, que herdam fortunas, que vivem de rendas ou da especulação. A dinâmica econômica do capitalismo estimulou o surgimento de uma indústria bélica e promoveu a formação de impérios que submetem o mundo a um equilíbrio catastrófico. Os destinos de milhões de seres humanos, como de resto do próprio meio ambiente, são freqüentemente ignorados na voracidade do capital pela conquista de novos mercados e pelo aproveitamento de quaisquer oportunidades lucrativas, pelo que as sociedades foram novamente divididas entre aquelas ameaçadas pela destruição e aquelas que se resguardam desta possibilidade trágica pelo poderio militar colocado a sua disposição. O capitalismo permitiu a universalização da lógica mercantil para todas as esferas da sociabilidade atribuindo a tudo um preço determinado e, por decorrência, um valor de troca. A comunicação entre os seres humanos passou a ser um grande negócio, a produção artística, a educação e a saúde, idem. Mesmo a sexualidade, as infinitas possibilidades de prazer, de divertimento ou de encontro entre as pessoas foram quantificadas e industrializadas. Introduziram-se, então, várias outras divisões nas modernas sociedades entre aqueles que dispõe dos recursos necessários à informação e aqueles que devem permanecer à margem da notícia e, portanto, da experiência de compartilhar simbolicamente o mundo; entre aqueles que terão acesso à herança cultural da humanidade e aqueles que permanecerão no obscurantismo; entre aqueles que podem ser salvos e cuidados e aqueles que devem agonizar e morrer antes; entre aqueles que possuem o direito ao regozijo e à plenitude da recomposição estética e aqueles que serão embrutecidos pelo cotidiano.
30 - O capitalismo permitiu que os seres humanos relegassem milhões de outros seres humanos à condição de "objetos descartáveis", formas de vida sem nome e sem presente. Possibilitou a emergência de um processo de homogeneização e a transformação dos seres humanos em quase objetos construídos para o trabalho e o consumo. Facilitou a padronização de suas sensibilidades, promoveu o egoísmo e a vacuidade, uniformizou seus preconceitos, sedou-os, transformou-os em "massa" a ponto de suspender muitos dos atributos singulares que demarcam os indivíduos, como seres únicos e autônomos. As modernas sociedades capitalistas promoveram, em uma escala jamais imaginada, a Razão em sua dimensão instrumental. O próprio processo de "esclarecimento" - como um movimento histórico de emancipação da experiência humana diante das limitações da natureza e, por decorrência de seu domínio - transforma-se em seu oposto assegurando uma condição regressiva de domínio sobre os indivíduos comuns por um sistema que se lhes impõe como uma lei da natureza. A impotência absoluta dos indivíduos, diante das condições globais que constituem o seu entorno, parece ser um dos resultado mais dramáticos deste fim de século.
31- Ao mesmo tempo, não é mais possível que se compreenda as modernas sociedades reduzindo-as a um "sistema" ou a uma das suas instâncias de representação. Em realidade, a civilização que recebemos como herança opera concretamente a partir de vários sistemas que se condicionam reciprocamente a partir de "linguagens" autônomas. A economia é um sistema; a política, o direito, a religião, os meios de comunicação social, a polícia, os sindicatos, etc. são outros "sistemas" que operam com relativa independência. O Capitalismo - que não é um "sujeito", mas um sistema produtivo - permitiu um desenvolvimento extraordinário das forças produtivas e estimulou uma revolução científica e tecnológica sem precedentes em toda a história. As possibilidades inéditas oferecidas pela informática, pela cibernética e pela robótica - que alteram radicalmente o próprio mundo do trabalho, os avanços impressionante da biotecnologia e das ciências médicas, as alternativas de comunicação instantânea, etc. podem ser redirecionadas para que alcancemos conquistas sociais até então inimagináveis. Estes resultados oferecem à humanidade, concretamente, a possibilidade de lutar por uma distribuição justa dos recursos e dos saberes acumulados que têm sido, via de regra, concentrados pelos grandes monopólios privados e apropriados por verdadeiros impérios econômicos. É preciso reconhecer, da mesma forma, que mesmo esta dinâmica de concentração e absurda desigualdade social em todo o mundo, não foi capaz de negar determinadas regras e valores imprescindíveis aos objetivos de extensão e afirmação da democracia. A luta pela construção de mecanismos internacionais que se superponham aos Estados nacionais e aos objetivos particulares das grandes corporações transnacionais - incluindo-se, aí, a idéia de um direito internacional efetivo dos Direitos Humanos, Cortes Internacionais, etc. - que auxiliem nas demandas dos povos do mundo por justiça, que se anteponham aos mecanismos perversos da especulação financeira patrocinado pelos mega-investidores e à drenagem líquida de recursos dos países em desenvolvimento pela dinâmica do endividamento externo, abrem o caminho para a possibilidade futura de um "Governo Democrático Mundial."
32- Um projeto contemporâneo de esquerda deve, então, definir-se como "anti-capitalista" no sentido de uma oposição radical às características excludentes que o caracterizam. Não se trata de oferecer à realidade da opressão e da desigualdade uma alternativa mitológica cuja referência teórica mesma exclui a possibilidade de uma intervenção efetiva capaz de alterar as características mencionadas. O paradigma do "Socialismo" e o mito da "Revolução" entendida como "ruptura" com a ordem cumprem este papel nefasto adicional de estabelecer - a partir de sua referência total - um critério tão doutrinário quanto perverso para a deslegitimação política de uma ação centrada em reformas. O que se perde de vista é a possibilidade de se garantir rupturas verdadeiras diante da ordem - naquilo que ela guarda de excludente e injusto - que alterem a vida de milhões de pessoas. Por esta dinâmica percebe-se o quanto a doutrina tradicional da esquerda implica uma prática conservadora. Sua "radicalidade", apenas retórica, é uma forma alienada de atribuição de sentido à própria impotência política. Concretamente, se definirmos o Sistema Capitalista como aquele estruturado pela propriedade privada dos meios de produção e pela existência do mercado, o problema da sua superação histórica não está posto como uma questão política desta época. A possibilidade de assegurar mudanças que diminuam as desigualdades sociais, que reponham a justiça, que eliminem a fome, a ignorância, o preconceito e a violência, entretanto, estão postas como questões políticas de nossa época. É preciso entender isto para que não passemos o resto de nossas vidas imaginando aquilo que nunca faremos e fazendo aquilo que nunca imaginamos. As perspectivas "salvacionistas" que anunciam "o melhor dos mundos" devem, então, naquilo que guardam de religiosidade, ser transformadas em uma perspectiva concreta de luta "por um mundo melhor".
A alternativa humanista
33 - Uma política de esquerda - contemporânea aos desafios do século XXI - deve fundar-se para além de qualquer "grande narrativa" em uma escala de valores cuja racionalidade seja medida pela sua pretensão de universalização. A plataforma atualizada dos Direitos Humanos é o núcleo desta escala de valores. Nosso compromisso político de transformação das sociedades contemporâneas e de enfrentamento às suas características indesejáveis será um compromisso humanista ou será nada. O humanismo, tomado como uma aposta civilizatória, não pode, nem deseja, cumprir o mesmo papel oferecido pelas utopias tradicionais. A alternativa que ele suscita, então, não se coloca ao nível daquela pretendida imaginariamente pelo Socialismo/ Co