Autor Tópico: quem me dera aquele ateísmo antigo  (Lida 2095 vezes)

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Offline Carlos Capuchinho

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quem me dera aquele ateísmo antigo
« Online: 27 de Maio de 2005, 09:53:49 »
QUEM ME DERA AQUELE ATEÍSMO ANTIGO
Salman Rushdie, The New York Times


"Não acreditar em Deus não é desculpa para alguém ser visceralmente anti-religioso ou ingenuamente a favor da ciência", diz Dylan Evans, um palestrante sobre robótica da Universidade de West England em Bristol.

Evans escreveu um artigo de opinião para The Guardian, de Londres, ridicularizando o ateísmo obsoleto do "século 19" de pensadores ilustres como Richard Dawkins e Jonathan Miller, propondo em seu lugar um ateísmo novo, moderno, que "valorize a religião, trate a ciência como simples meio para um fim e descubra o significado da vida naarte". Na verdade, diz ele, a própria religião deve ser compreendida como "uma espécie de arte que só uma criança tomaria como real e só uma criança rejeitaria como falsa". A posição de Evans se ajusta com perfeição à daquele filósofo da ciência americano, Michael Ruse, cujo novo livro, The Evolution-Creation Struggle (Harvard University Press,
2005), deposita boa parte da culpa para o crescimento do criacionismo na América - e para as tentativas cada vez mais estridentes da direita religiosa para ejetar a teoria evolucionista do currículo e substituí-la pelo novo dogma do "plano inteligente" - na porta dos cientistas que tentaram competir com a religião e até mesmo suplantá-la. Apesar de evolucionista convicto, ele é, contudo, um crítico contundente de gigantes modernos como Dawkins e Edward O. Wilson.

O "ateísmo light" de Evans, que tenta negociar uma trégua entre visões de mundo religiosas e não religiosas, é tão facilmente desmontável quanto os blocos de construção de brinquedo com os quais, ele de maneira reveladora nos diz, essas idéias deveriam ser construídas: "O ateísmo devia ser mais como um conjunto de blocos de Lego do que como um brinquedo pré-montado." Essa trégua só teria chance de funcionar se fosse recíproca - se as religiões mundiais aceitassem valorizar a posição do ateu e reconhecer sua base ética, se elas respeitassem as descobertas e conquistas da ciência moderna, mesmo quando essas descobertas desafiam santidades religiosas, e se aceitassem que a arte, no que ela tem de melhor, revela os múltiplos significados da vida ao menos tão claramente quanto os textos dito "revelados". Não existe um acordo recíproco como esse, porém, nem tampouco a menor chance de que semelhante acomodação possa ser alcançada.

Entre as verdades consideradas evidentes por si mesmas pelos seguidores de todas religiões está a de que o não-reconhecimento da divindade é equivalente à amoralidade e a ética requer a presença sustentadora de algum tipo de árbitro supremo, alguma espécie de absoluto sobrenatural sem o qual secularismo, humanismo, relativismo, hedonismo, liberalismo e toda a sorte de impropriedades permissivas inevitavelmente atrairão o infiel para caminhos imorais. Para aqueles de nós que estão perfeitamente preparados para tolerar os vícios acima, mas ainda se acreditam seres éticos, a posição de que a descrença na divindade equivale à imoralidade é muito dura de engolir.

Tampouco o comportamento corrente da religião organizada desperta confiança na atitude de laissez-faire de Evans/Ruse. Em toda parte, a educação está sendo seriamente ameaçada por ataques religiosos. Nos últimos anos, nacionalistas hindus na Índia tentaram reescrever os livros de História do país em respaldo à sua ideologia antimuçulmana, um esforço que só foi frustrado pela vitória eleitoral de uma coalizão secularista liderada pelo Partido do Congresso. Enquanto isso, vozes muçulmanas em todo o mundo - na Turquia, a criacionista islâmica BAV, de Bilim Arastirma Vakfi ou Fundação para a Pesquisa Científica, é um exemplo clamoroso - alegam que a teoria evolucionista é incompatível com o Islã.

E nos Estados Unidos a batalha sobre o ensino do plano inteligente em escolas americanas atinge um ponto crítico no momento em que a União para as Liberdades Civis Americana se prepara para levar os proponentes do plano inteligente a um tribunal da Pensilvânia.

Parece inconcebível que um melhor comportamento por parte dos grandes cientistas mundiais, do tipo que Ruse gostaria, seria capaz de persuadir essas forças a recuar. O plano inteligente, idéia elaborada de trás para diante para forçar a velha idéia de um Criador na beleza da criação, está tão solidamente enraizada na pseudociência, tão cheia de falsa lógica e é tão fácil de atacar que parece demandar um pouco de severidade.

Seus defensores argumentam, por exemplo, que a absoluta complexidade e perfeição de estruturas celulares/moleculares é inexplicável pela evolução gradual. No entanto, as múltiplas partes de sistemas biológicos complexos e entrelaçados evoluem juntas, gradualmente se expandindo e se adaptando - e, como Dawkins mostra em O Relojoeiro Cego (1986), a seleção natural age em cada etapa desse processo.

No entanto, assim como os argumentos científicos, há outros que são mais, bem... novelísticos. Que tal o plano malfeito, por exemplo? Teria sido assim tão inteligente inventar um canal natal ou uma próstata? Depois, há o argumento moral contra um planejador inteligente que amaldiçoou suas criações com câncer e aids. Seria o planejador inteligente amoralmente cruel também? Ver a religião como "uma espécie de arte", como Evans candidamente propõe, só é possível quando a religião está morta ou quando, como a Igreja da Inglaterra, ela se tornou um conjunto de rituais polidos. A velha religião grega vive como mitologia, a velha religião nórdica nos deixou os mitos nórdicos e, sim, agora os podemos ler como literatura.

A Bíblia contém grande literatura também, mas as vozes literalistas do cristianismo se tornam cada vez mais altas e é duvidoso que elas recomendariam a abordagem de livro infantil de Evans. Enquanto isso, as religiões continuam atacando seus artistas: pinturas de artistas hindus são atacadas por rebeldes hindus, peças sikhs são ameaçadas
pela violência sikh e romancistas e cineastas muçulmanos são ameaçados por fanáticos islâmicos com um vigoroso não-reconhecimento de qualquer parentesco.

Se a religião fosse um assunto privado, as pessoas poderiam facilmente respeitar o direito de seus crentes a buscar seus confortos e sua nutrição espiritual. Mas a religião é hoje um grande negócio público, usando uma organização política eficiente e tecnologia da informação de ponta para promover seus fins. As religiões jogam duro o tempo todo, mas pedem em troca um tratamento com luvas de pelica.

Como Evans e Ruse fariam bem em admitir, ateus como Dawkins, Miller e Wilson não são nem imaturos nem culpáveis por combater tais fanáticos. Eles estão fazendo uma coisa vital e necessária.

*Salman Rushdie é autor de `Os Versos Satânicos', `Fúria' e muitos
outros livros

http://txt.estado.com.br/editorias/2005/05/22/ger001.html
“A idéia de que Deus é um gigante barbudo de pele branca sentado no céu é ridícula. Mas se, com esse conceito, você se referir a um conjunto de leis físicas que regem o Universo, então claramente existe um Deus. Só que Ele é emocionalmente frustrante: afinal, não faz muito sentido rezar para a lei da gravidade!”
Carl Sagan

Offline Rodion

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Re.: quem me dera aquele ateísmo antigo
« Resposta #1 Online: 27 de Maio de 2005, 10:07:13 »
legal....
"Notai, vós homens de ação orgulhosos, não sois senão os instrumentos inconscientes dos homens de pensamento, que na quietude humilde traçaram freqüentemente vossos planos de ação mais definidos." heinrich heine

Unbedeutend_F_Organisch

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Re.: quem me dera aquele ateísmo antigo
« Resposta #2 Online: 27 de Maio de 2005, 10:14:39 »
Rushdie diz apenas que não é possível no momento, não colocou uma impossibilidade eterna de uma conciliação, está certo zelar a sociedade, a Ciência, a Arte de atitudes maniqueístas dos religiosos.Só não pode se tornar um maniqueísmo da nossa parte, ainda usar uma falácia (é o Tu Quoque?) para justificá-la.

Link grande alterado pela moderação

link veio de um site Butterflies and Wheels, um site de crítica a chamada esuqerda pós-modernista ou non-sense, realizado por esquerdistas(assim como Sokal do famigerado livro "Imposturas Intelectuais")

Offline Snake

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Re.: quem me dera aquele ateísmo antigo
« Resposta #3 Online: 27 de Maio de 2005, 10:17:55 »
Unbedeutend Organisch, edite seu post e coloque essa URL no lugar da gigante aí: http://tinyurl.com/crndt

Ah, e o site não abriu.
Newton's Law of Gravitation:
What goes up must come down. But don't expect it to come down where you can find it. Murphy's Law applies to Newton's.

Offline Alenônimo

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Re.: quem me dera aquele ateísmo antigo
« Resposta #4 Online: 27 de Maio de 2005, 11:38:13 »
Texto excelente. Mostra que ateísmo light não dá muito lucro com as religiões tentando se impor do jeito que estão atualmente. Basta ler o texto para perceber isso...
“A ciência não explica tudo. A religião não explica nada.”

rizk

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Re.: quem me dera aquele ateísmo antigo
« Resposta #5 Online: 27 de Maio de 2005, 14:48:53 »
Citar
Ver a religião como "uma espécie de arte", como Evans candidamente propõe, só é possível quando a religião está morta ou quando, como a Igreja da Inglaterra, ela se tornou um conjunto de rituais polidos. A velha religião grega vive como mitologia, a velha religião nórdica nos deixou os mitos nórdicos e, sim, agora os podemos ler como literatura.

A Bíblia contém grande literatura também, mas as vozes literalistas do cristianismo se tornam cada vez mais altas e é duvidoso que elas recomendariam a abordagem de livro infantil de Evans.

Penso exatamente a mesma coisa. É um trabalho que devemos fazer para os nossos netos poderem curtir, e ver a poesia da coisa. É de tanto "deixa estar" que as coisas estão como estão, hm.

Unbedeutend_F_Organisch

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Achei!
« Resposta #6 Online: 27 de Maio de 2005, 22:01:04 »
Achei o artigo a quem Rushdie dirige a resposta.

O ateísmo do século 21

Dylan Evans parece que é amigo de Dawkins e mexe com evolução também, principalmente sobre a importância das emoções para tomada de decisões, inteligência,etc...ele é meio psicólogo, meio engenheiro de Robótica[/url]

Unbedeutend_F_Organisch

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quem me dera aquele ateísmo antigo
« Resposta #7 Online: 27 de Maio de 2005, 22:31:51 »
E a réplica por um dos envolvidos no artigo(Jonathan Miller)

J. Miller e mais outro respondendo de maneira sucinta

Offline BlehXP

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Re.: quem me dera aquele ateísmo antigo
« Resposta #8 Online: 03 de Junho de 2005, 12:53:04 »
não concordo com um "ateísmo do século XI".
ateísmo já é uma categoria dentro de um assunto.
acho impossível criar uma sub-categoria.
ateu é aquele que não acredita e acabou!
aquele que não desacredita completamente não é ateu,
e não deve ser encaixado em uma das categorias do ateísmo.
não tem meio termo.
ou é zero ou um.
ou sim ou não.
não vejo mesmo nenhuma possibilidade de surgir um ateu tipo I, II, etc.

rizk

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Re.: quem me dera aquele ateísmo antigo
« Resposta #9 Online: 03 de Junho de 2005, 13:08:57 »
Oras, blehxp, o ateísmo também está no mundo. As pessoas pensam diferente, com o passar do tempo, e têm outras prioridades.
Veja, os ateus nunca se preocuparam em se organizar politicamente, e esta é uma necessidade DESDE SEMPRE. Isso pode ser o "ateísmo do XXI". Do mesmo modo que o ateísmo do XVI era "meramente" blasfemo, etc.

 

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