Prateleiras vazias expõem erros
Uma viagem ao mundo de ChávezLEONARDO OLIVEIRA/ Enviado Especial/Caracas
No segundo e último dia da série sobre a Venezuela, Zero Hora mostra os problemas enfrentados pela economia do país - apesar do crescimento gerado pela alta do preço do petróleo - e o surgimento de importantes focos de oposição ao governo Hugo Chávez no movimento estudantil e na Igreja Católica.
Concentrado, o empresário coloca caixas e caixas de leite em seu carrinho no supermercado da rede Cada localizado na entrada de Las Mercedes, bairro nobre de Caracas. Aquele era o segundo carrinho de leite. O outro estava abarrotado do produto, em falta nas prateleiras da Venezuela.
- Tenho duas cafeterias e um restaurante. Ontem, só vendi café preto, porque o leite havia acabado. Carne também é raro - diz apontando para o balcão do açougue no fim do corredor.
Oempresário interrompe a compra para conversar. Pede apenas que seu nome seja omitido.
- A embaixada no teu país recorta o teu jornal, manda para cá, e eles (o governo) me encontram e podem me perseguir - justifica.
Além de carne e leite, há escassez de frango, manteiga e açúcar. Por isso, o empresário se acostumou a visitas freqüentes aos supermercados. Passava por ali e resolveu entrar. Para sua surpresa, havia leite. Na gôndola da frente, porém, o espaço do açúcar estava vazio.
O esforço para colocar as 50 caixas de leite no carrinho foi em vão. No caixa, a gerente explicou que o número é limitado a três por pessoa.
- Como não posso levar mais? Tenho negócios, preciso do produto - protestou o cliente.
- Infelizmente, senhor, são três por pessoa. Se o senhor levar todos, ninguém mais compra.
O empresário saiu da loja com apenas duas sacolas. O caso expõe um dos principais dramas venezuelanos hoje: a falta de produtos de primeira necessidade, atribuída por analistas em parte ao tabelamento de alguns preços (o que desestimula indústria e comércio), em parte ao crescimento do poder aquisitivo sem o correspondente aumento da produção.
- Não há desabastecimento, há irregularidade na distribuição - garante Luis Vicente León, diretor do Datanalisis, instituto de análises políticas e econômicas do país.
Segundo León, houve crescimento no poder aquisitivo do venezuelano, mas a produção seguiu a mesma.
- O controle do governo baixa a produção. Os insumos, os impostos e os salários aumentaram, mas o preço do produto é o mesmo. Em alguns casos, há quatro anos. Isso uma hora vai explodir - observa.
Para completar, há um clima de insegurança no país devido às desapropriações feitas pelo governo:
- Essa intromissão faz efeito. A inquietação intimida os investidores.
Politização das forças armadas preocupaIván Garrato Molina, 60 anos, tem seu nome garantido nos livros de História da Venezuela. Em 1992, era chefe da Casa Civil e ajudou o presidente Carlos Andrés Pérez a sair vivo do Palácio de Miraflores durante a tentativa de golpe militar comandada pelo então coronel pára-quedista Hugo Chávez. Vice-almirante, passou para a reserva há oito anos. Molina trocou a aposentadoria pelo doutorado em Ciências Políticas na Universidade Central da Venezuela (UCV) e pela função de analista militar.
Depois de jantar com a família, o analista aceitou conversar e explicar alguns movimentos de Chávez nas questões militares. Com entusiasmo e conhecimento sobre o assunto, Molina revelou preocupação com o futuro das forças armadas do país:
- Chávez partidarizou tudo. Quem não está de acordo com suas idéias é considerado inconfiável ou incapacitado para uma promoção. Ganha prêmios especiais e soldos maiores quem grita o lema "Pátria, socialismo ou morte" - lamenta.
Militar afirma que EUA venceriam "em um dia"
Para Molina, há na Venezuela uma interpretação equivocada dos movimentos armamentistas do presidente. Para ele, as compras de material bélico não visam apenas à defesa contra um eventual ataque dos EUA ao país, como alega Chávez. Até porque, conforme o vice-almirante, "com forças armadas descaracterizadas" não seria possível fazer frente aos americanos.
- Nos liquidariam em um dia - calcula o militar da reserva.
A estratégia de Chávez, na visão do analista, se assemelha à de Fidel Castro nos anos 60. As compras de armamentos e os acordos comerciais com Rússia, Cuba, Síria, Irã, Belarus e Argélia teriam como objetivo final formar uma frente antiamericana em caso de conflito.
- Quando houver ruptura com os Estados Unidos, Chávez pensa em contar com a solidariedade desses amigos - aponta.
Na sua visão, Chávez constrói uma situação geopolítica com duas vias. Em uma delas, centrada na América, estão Equador, Bolívia e Cuba. Em outra, Rússia, Irã, Síria e Argélia. A Argélia interessa pela participação na Opep. O Irã pode fornecer urânio.
- A estratégia de Chávez cavalga sobre o petróleo, usando-o como instrumento de pressão - critica.
As compras de armas feitas pela Venezuela nos últimos meses seriam suficientes para colocar em alerta os vizinhos da América do Sul. Até mesmo os mais distantes, como a Argentina.
- Agora há a intenção de comprar mísseis do Irã, com alcance de até 700 quilômetros. Como ficam Brasil e Colômbia, vizinhos? Uma bateria dessas é perigosa para a América inteira. Brasil e Argentina estão se dando conta da corrida armamentista de Chávez - alerta o analista.
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