Parece coisa de cinema, mas aconteceu de verdade. Um economista alemão passou 34 anos ileso mentindo em seu currículo e cometendo plágios em diversos trabalhos. Respeitado em sua área, ele conseguiu sobreviver no competitivo meio acadêmico descaradamente inventando ligações com prestigiadas universidades -- nas quais nunca pisou. Tudo passaria despercebido, não fosse uma acusação de plágio de 1993 que só veio à tona agora, 14 anos depois. A revelação foi feita na revista científica “Nature” desta semana.
Hans Werner Gottinger, hoje com 63 anos, publicou mais de cem estudos em campos como ética, estatística, política ambiental, tecnologia e economia. Seu último livro foi lançado no ano passado, em inglês: “Inovação, Tecnologia e Hipercompetição”. Ele se auto-intitulava diretor do Instituto de Ciência Administrativa da Universidade de Maastricht, na Holanda, e professor de economia da Universidade de Osaka, no Japão. Tudo era mentira.
Sua carreira foi longa e prestigiada e o alemão poderia aproveitar uma aposentadoria de glórias agora, não fosse um atento estudante de economia que estranhou semelhanças demais entre equações apresentadas por Gottinger em um trabalho publicado em 1993 na revista especializada “Research Policy” e outro estudo, de outra publicação, de 1980.
Alertados em junho deste ano do até então suposto plágio, os editores da “Research Policy”, começaram a investigar. E descobriram uma trama muito maior e mais complexa do que um simples caso isolado de cópia.
Eles descobriram que outro plágio do alemão foi detectado em 1999 pelos editores de outra revista, a “Kyklos”, que verificaram que Gottinger copiou em 1996 um trabalho originalmente publicado em 1992. Depois, começaram a jogar trechos dos trabalhos do alemão em sistemas de busca da internet -– como esperado, outras cópias foram detectadas.
Em busca de satisfações, a equipe do “Research Policy” entrou em contato com os supostos “chefes” de Gottinger na Universidade de Maastricht. E se surpreendeu quando os holandeses afirmaram que nunca tinham ouvido falar do economista.
Em sua defesa, Gottinger diz que não lembra muito bem de eventos tão distantes no passado, mas afirma que nunca teve a intenção de plagiar ninguém. Sobre os trechos de seus trabalhos parecidos demais com outros artigos, ele alega que esses textos eram apenas revisões de outros estudos e que nunca afirmou que eles traziam alguma novidade. E diz que o caso com a Universidade de Maastricht foi um “mal-entendido”.
O economista ainda afirma ter participado de diversas sociedades acadêmicas e ter trabalhado como editor de algumas publicações científicas. A “Nature” checou essas informações e não conseguiu confirmá-las -– algumas publicações, no entanto, afirmam que ele nunca trabalhou ali.
Parte do currículo de Gottinger, entretanto, é verdadeira. Ele realmente trabalhou no Instituto Oxford para Estudos Energéticos, no Reino Unido, e no Centro Internacional de Pesquisas Climáticas e Ambientais, na Noruega. O respeito por seu trabalho era tanto que ele passou muito perto de ser apontado reitor da Universidade de Klagenfurt, na Áustria.
O alerta feito pela “Nature” promete causar barulho na normalmente calma área das ciências humanas. O editor da “Research Policy” Ben Martin se disse chocado com a história. Ele acredita que Gottinger só conseguiu passar tantos anos mentindo impunemente porque seu trabalho era altamente matemático –- algo incomum na ciência social e com o qual os avaliadores de seus artigos não estavam acostumados.
Ainda assim, ele teme que o plágio nessa área da ciência seja mais comum do que se pensa. O levantamento dos trabalhos de Gottinger mostrou que ele mesmo foi alvo de plágio. Um de seus estudos (no qual ele não copiou ninguém), de 1992, foi plagiado por um cientista africano, no Zimbábue, em 2005.
http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL84942-5603-4167,00.html