Ocidente X Oriente por Vattimo Já se gastou muito tempo, muita tinta e muitos pensamentos para tentar explicar as relações entre Oriente e Ocidente. A história do Ocidente e do Oriente está profundamente entrelaçada. São inúmeros os exemplos: o cristianismo de matriz judaica, a influência da cultura árabe no Ocidente e sua retransmissão de pensadores gregos no período medieval, como Aristóteles, por exemplo. Desde filósofos como Voltaire, Montesquieu e Hegel, o Oriente virou tema de discussão no Ocidente, quer seja para criticar, elogiar ou até mesmo para admirar como algo exótico.
Na atual e complexa situação na qual vivemos, o tema parece obrigatório. Afinal, quem de nós nunca se deparou com notícias sobre a guerra promovida pelos EUA no Iraque? Quem de nós nunca se deparou com as ameaças terroristas de grupos islâmicos extremistas? Quem de nós nunca se preocupou com as teocracias invadindo a esfera política? Quem de nós nunca lamentou as infelizes e inoportunas declarações de certos pontífices?
Penso que, apesar do desalento, ainda temos boas notícias. Uma delas é a existência de um sujeito que atende pelo nome de Gianni Vattimo. Trata-se de um grande filósofo italiano contemporâneo, ex-membro do Parlamento Europeu e professor da Universidade de Turim. Vattimo, que é um especialista na obra de Heidegger e de Nietzsche, tem devotado boa parte de sua energia e capacidade intelectual para discutir questões relacionadas com a religião no mundo atual e a busca por uma cultura de paz.
Tanto no seu mais recente trabalho publicado no Brasil (O futuro da religião, em parceria e diálogo com o filósofo norte-americano Richard Rorty) como em textos anteriores (como Depois da cristandade), as teses do pensador italiano são extremamente instigantes. Agora, no justo momento onde estamos preocupados com a relação entre Oriente e Ocidente, penso que podemos colher boas coisas em suas reflexões.
Vattimo advoga um pensamento fraco ou pós-metafísico. Sua meta é exatamente ter a absoluta clareza de que tudo não deixa de ser interpretação e que tudo aquilo que tomamos por real pode não ser a verdade definitiva sobre as coisas. Logo, o pensamento pós-moderno só pode se afirmar enquanto um pensamento fraco. Ainda nessa esteira, em recente reportagem do jornal O Estado de São Paulo (17.09.2006), o filósofo afirma temer pelo interesse do Papa Bento XVI pelas ciências e pelas doutrinas criacionistas, pela criação de um fundamentalismo católico e reacionário e pelas guerras de religião. No seu entender, as guerras religiosas não ficam, como é sabido, apenas na religião, mas trazem, por trás de si, todo um confronto pré-estabelecido. Sua proposta é secularizar a fé, isto é, ao contrário do que talvez se possa supor, a secularização é muito melhor do que o dogmatismo, que estreita as mentes e aumenta o fundamentalismo e o ódio entre os homens. Outra proposta de Vattimo é a caridade, isto é, o acolhimento do outro, aquele que é diferente de nós. Dessa maneira, penso que a contribuição do pensador italiano não é uma resolução acabada para os nossos difíceis problemas, mas apontam para interessantes pistas. Afinal, a mesma Europa que agora treme diante da ameaça islâmica fundamentalista nunca deixou de explorar suas colônias em todo mundo. Tanto a Europa como os EUA sempre humilharam seus imigrantes e tiveram um certo asco dos estrangeiros e seus diferentes costumes.
Por outro lado, o Oriente, com diversas teocracias, também já foi berço da civilização e da cultura, trazendo importantes contribuições nas mais diversas áreas. Para os que ainda não acreditam nisso, experimentem assistir a beleza existencial de muitos filmes iranianos. Portanto, não se trata aqui de absolver o terrorismo ou o fundamentalismo, onde quer que ele se encontre ou mesmo de interpretá-lo como uma vingança dos explorados (nem de Alá e nem de Deus), mas sim de pensar que, de fato, precisamos avançar no tratamento dos homens e mulheres do nosso tempo. A grande virtude de Vattimo é nos mostrar que não existe caminho pronto ou fácil.
Marcio Gimenes de Paula é professor de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe
http://www.revistapronto.com.br/Noticia.asp?ID=377Uma bela abordagem de Vattimo e Richard Rorty entrelaçando aspectos políticos, culturais e religiosos de maneira impar.