Autor Tópico: Da eficácia de leis anti preconceito - Hélio Schwartsman  (Lida 834 vezes)

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Offline Donatello

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Da eficácia de leis anti preconceito - Hélio Schwartsman
« Online: 20 de Setembro de 2007, 13:27:27 »
Lei e preconceito

O que dois ou mais adultos fazem consensualmente entre quatro paredes em matéria de sexo é assunto que diz respeito apenas a eles. Desde que em comum acordo e sem envolver menores, não há nada de intrinsecamente errado com homossexualismo, masoquismo, sadismo, voyeurismo, fetichismo, coprofilia, zoofilia (se o animal em questão não se opuser) e nem mesmo com a vida monástica escolhida por alguns. Se há algum comportamento reprovável do ponto de vista da boa convivência democrática, ele está, não no homossexualismo ou naquilo que a psiquiatria designa como parafilias, mas no desejo incontido de tentar controlar a sexualidade alheia.

E, se é justo que casais heterossexuais possam herdar os bens um do outro, estabelecer vínculos previdenciários e adotar crianças, não há nenhuma razão para deixar de estender esses mesmos direitos a pares do mesmo sexo. Um cidadão é um cidadão independentemente do lado pelo qual prefira copular.

Feitas essas preliminares, devo dizer que considero uma bobagem os projetos de lei que tramitam no Congresso (PLC 122/2006 e PL 6418/2005) e tipificam crimes de homofobia. Não me entendam mal. Se a lei já considera um delito a discriminação em virtude de raça, grupo étnico ou procedência nacional, não há nenhum motivo para que a orientação sexual não seja aí incluída. O problema está nas leis que já existem e na pretensão de que o preconceito possa ou deva ser coibido através de ações penais.

Um balanço honesto da lei nº 7.716/89, a Lei Anti-Racismo, ensina que se trata de peça irrelevante, que gerou reduzidíssimo número de condenações em seus 18 anos de existência. Muito pouco fez para combater o preconceito contra negros. Até arrisco afirmar que, se houve avanços nesse campo nos últimos tempos, eles devem-se muito mais a uma mudança no "Zeitgeist" (espírito do tempo) --do qual a própria aprovação da lei é um sintoma-- do que aos raros efeitos penais produzidos.

A razão para o fracasso é muito simples. Grande parte dos artigos da 7.716 pretende regular sentimentos, muitas vezes inconfessáveis até para seu autor. É perfeitamente correto que exista uma norma jurídica proibindo o Estado de discriminar negros, homossexuais, judeus ou qualquer outro grupo em empregos públicos preenchidos por sistemas de seleção, vá lá, objetivos. É evidente, porém, que a coisa não funciona em escala privada. Se um negro é preterido após uma entrevista, é impossível provar que o foi por ser negro. O empregador sempre poderá alegar, para o juiz e para sua consciência, que preferiu o candidato branco por considerá-lo mais capacitado ou apenas mais "simpático" --no que estaria em seu direito. O racismo é um fenômeno muito mais fácil de perceber nas estatísticas --o pequeno número de negros em postos qualificados ou de comando-- do que na esfera das relações interpessoais.

Normas antipreconceito também têm o péssimo costume de opor-se ao princípio da liberdade de expressão --e está aí outro motivo para o fato de a lei não ter "pegado". Se levarmos os ditames do politicamente correto muito a sério, teríamos de banir 5/6 das piadas que circulam pelo planeta, hipótese em que estaríamos piorando o mundo em vez de melhorá-lo. Não podemos, evidentemente, condicionar o direito que cada cidadão tem de dizer o que pensa ao conteúdo desses pensamentos. Se algum imbecil acredita que negros ou judeus são "inferiores" --o que quer que isso signifique-- deve poder exprimi-lo. É o preço que pagamos pela liberdade de consciência. E, como já coloquei em outras colunas, defendo uma liberdade de expressão forte, que abarque até apologistas de drogas, racistas e nazistas. O problema não está em que eles digam o que pensam, mas sim em que tentem transformar suas idéias em ações. É essa e não outra a hora de a polícia intervir.

Voltando ao homossexualismo, não vejo como se possa pretender proibir uma igreja homofóbica de ensinar seus seguidores que tal prática é condenável. O que um sacerdote ensina a seus fiéis entre as quatro paredes do templo é assunto que diz respeito exclusivamente a eles. Vou até um pouco mais longe e sustento que igrejas têm todo direito de não aceitar membros gays. Um templo não é, afinal, um órgão oficial ou um permissionário de serviços públicos, os quais precisam sujeitar-se a regras de universalidade.

Afirmar que o homossexualismo é um pecado capaz de condenar seus praticantes à danação eterna é uma tremenda de uma bobagem, mas não é um juízo que distoe de outras afirmações da religião, como a existência da alma ou a transubstanciação do vinho em sangue. A teologia, como a literatura, é um terreno onde qualquer ficção pode prosperar livremente. E a melhor forma de o Estado lidar com o fenômeno religioso e toda sua exuberância muitas vezes conflitante é atribuir a todos os credos o mesmíssimo "status", que inclui a liberdade de professar qualquer coisa desde que não implique a realização de crimes como o sacrifício humano. Caberá à escola pública tentar ensinar aos jovens idéias mais equilibradas, o que eventualmente lhes dará uma porta de saída para os grilhões da religião.

Se os homossexuais não estão satisfeitos com a Igreja Católica, que os discrimina, não deveriam insistir em nela permanecer. Eu pelo menos não faço nenhuma questão de entrar no clube que não me quer como sócio. Ao contrário, vejo aí uma boa razão para cultivar saudável distância. É mais do que legítimo que gays exijam do Estado que lhes reconheça o direito de casar-se civilmente, mas não dá para esperar que esse mesmo Estado imponha à Igreja Católica a obrigação de conceder-lhes o sacramento do casamento. Que se inspirem em Bach e fundem a Igreja Católica de Cristo Alegria dos Homens ou qualquer outra que não faça restrições ao comportamento sexual de seus fiéis.

Basicamente, as pessoas devem ter o direito de acreditar em idéias tolas e e ensiná-las a seus filhos. É o preço que pagamos por viver numa sociedade democrática.
   
Hélio Schwartsman, 42, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

Offline Rodion

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Re: Da eficácia de leis anti preconceito - Hélio Schwartsman
« Resposta #1 Online: 20 de Setembro de 2007, 15:48:00 »
de acordo...
o que eu acho sem graça do schwartzman é que sempre se está de acordo. bom senso irrita.
"Notai, vós homens de ação orgulhosos, não sois senão os instrumentos inconscientes dos homens de pensamento, que na quietude humilde traçaram freqüentemente vossos planos de ação mais definidos." heinrich heine

 

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