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Offline Nightstalker

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O Vazio da Existência - por Arthur Schopenhauer
« Online: 29 de Setembro de 2007, 14:42:14 »
Vazio da Existência

Autor: Arthur Schopenhauer
Tradução: André Díspore Cancian


 
Esse vazio encontra sua expressão em toda forma de existência, na infinitude do Tempo e Espaço em oposição à finitude do indivíduo em ambos; no fugaz presente como a única forma de existência real; na dependência e relatividade de todas coisas; em constantemente se Tornar sem Ser; em continuamente desejar sem ser satisfeito; na longa batalha que constitui a história da vida, onde todo esforço é contrariado por dificuldades, até que a vitória seja conquistada. O Tempo e a transitoriedade de todas as coisas são apenas a forma sob a qual o desejo de viver – que, como coisa-em-si, é imperecível – revelou ao Tempo a futilidade de seus esforços; é o agente pelo qual, a todo o momento, todas as coisas em nossas mãos tornam-se nada e, portanto, perdem todo seu verdadeiro valor.

O que foi não mais existe; existe exatamente tão pouco quanto aquilo que nunca foi. Mas tudo que existe, no próximo momento, já foi. Conseqüentemente, algo pertencente ao presente, independentemente de quão fútil possa ser, é superior a algo importante pertencente ao passado; isso porque o primeiro é uma realidade, e está para o último como algo está para nada.

Um homem, para seu assombro, repentinamente torna-se consciente de sua existência após um estado de não-existência de muitos milhares de anos; vive por um breve período e então, novamente, retorna a um estado de não-existência por um tempo igualmente longo. Isso não pode ser verdade, diz ao seu coração; e mesmo as mentes rudes, após ponderarem sobre o assunto, devem sentir algum tipo de pressentimento de que o Tempo é algo ideal em sua natureza. Essa idealidade do tempo, juntamente com a do espaço, é a chave para qualquer sistema metafísico verdadeiro, pois proporciona uma ordem de coisas distinta da que pode ser encontrada no domínio da natureza. Por essa razão Kant é tão grandioso.

De cada evento em nossa vida, é apenas por um momento que podemos dizer que este é; após isso devemos dizer para sempre que este foi. Cada noite nos empobrece, dia a dia. Provavelmente nos deixaria irritados ver este curto espaço de tempo esvaecendo, se não fôssemos secretamente conscientes, nas maiores profundezas de nosso ser, de que compartilhamos do inexaurível manancial da eternidade, e de que nele podemos sempre ter a vida renovada.

Reflexões com a natureza das acima podem, de fato, nos levar a estabelecer a crença de que gozar o presente e fazer disso o propósito da vida é a maior sabedoria; visto que somente o presente é real, todo o mais é representação do pensamento. Mas tal propósito poderia também ser denominado a maior tolice, pois aquilo que, no próximo instante, não mais existe e desaparece completamente como um sonho, jamais poderá merecer um esforço sério.

Toda a nossa existência é fundamentada tão-somente no presente – no fugaz presente. Deste modo, tem de tomar a forma de um constante movimento, sem que jamais haja qualquer possibilidade de se encontrar o descanso pelo qual estamos sempre lutando. É o mesmo que um homem correndo ladeira abaixo: cairia se tentasse parar, e apenas continuando a correr consegue manter-se sobre suas pernas; como um pólo equilibrado na ponta do dedo, ou como um planeta, o qual cairia no sol se cessasse com seu percurso. Nossa existência é marcada pelo desassossego.

Num mundo como este, onde nada é estável e nada perdura, mas é arremessado em um incansável turbilhão de mudanças, onde tudo se apressa, voa, e mantém-se em equilíbrio avançando e movendo-se continuamente, como um acrobata em uma corda – em tal mundo, a felicidade é inconcebível. Como poderia haver onde, como Platão diz, tornar-se continuamente e nunca ser é a única forma de existência? Primeiramente, nenhum homem é feliz; luta sua vida toda em busca de uma felicidade imaginária, a qual raramente alcança, e, quando alcança, é apenas para sua desilusão; e, via de regra, no fim, é um náufrago, chegando ao porto com mastros e velas faltando. Então dá no mesmo se foi feliz ou infeliz, pois sua vida nunca foi mais que um presente sempre passageiro, que agora já acabou.

Ao mesmo tempo, é algo surpreendente que, tanto no mundo de seres humanos quanto no dos animais em geral, essa variada e incansável moção é produzida e mantida por meio de dois simples impulsos – fome e o instinto sexual, ajudados talvez por um pouco de tédio, mas nada mais –, e estes, no teatro da vida, têm o poder de constituir o primum mobile de uma maquinaria tão complexa, colocando em movimento cenas tão estranhas e variadas!

Analisando os pormenores, constatamos que a matéria inorgânica apresenta um constante conflito entre forças químicas, as quais por vezes promovem a dissolução; por outro lado, a existência orgânica somente é possível através de uma contínua substituição de matéria, e não pode subsistir se não dispuser de uma eterna ajuda exterior. Portanto a vida orgânica é como o balançar de um pólo na mão; deve ser mantida em constante movimento e ter constante suprimento de matéria – da qual necessita continuamente e eternamente. Apesar disso, é apenas através da vida orgânica que a consciência é possível.

Este é o reino da existência finita, e seu oposto seria uma existência infinita, a qual não está exposta a ataques externos nem precisa de ajuda exterior; [grego: aei hosautos on] o reino da paz eterna; [grego: oute gignomenon, oute apollymenon], sem mudanças, sem tempo, sem diversidade; o conhecimento negativo do que constitui a nota fundamental da filosofia platônica. A renúncia da vontade de viver revela o caminho a um tipo de estado como esse.

As cenas de nossa vida são como imagens em um mosaico tosco; vistas de perto, não produzem efeitos – devem ser vistas à distância para ser possível discernir sua beleza. Assim, conquistar algo que desejamos significa descobrir quão vazio e inútil este algo é; estamos sempre vivendo na expectativa de coisas melhores, enquanto, ao mesmo tempo, comumente nos arrependemos e desejamos aquilo que pertence ao passado. Aceitamos o presente como algo que é apenas temporário e o consideramos como um meio para atingir nosso objetivo. Deste modo, se olharem para trás no fim de suas vidas, a maior parte das pessoas perceberá que viveram-nas ad interim [provisoriamente]: ficarão surpresas ao descobrir que aquilo que deixaram passar despercebido e sem proveito era precisamente sua vida – isto é, a vida na expectativa da qual passaram todo o seu tempo. Então se pode dizer que o homem, via de regra, é enganado pela esperança até dançar nos braços da morte!

Novamente, há a insaciabilidade de cada vontade individual; toda vez que é satisfeita um novo desejo é engendrado, e não há fim para seus desejos eternamente insaciáveis.

Isso acontece porque a Vontade, tomada em si mesma, é a soberana de todos os mundos: como tudo lhe pertence, não se satisfaz com uma parcela de qualquer coisa, mas apenas como o todo, o qual, entretanto, é infinito. Devemos elevar nossa compaixão quando consideramos quão minúscula a Vontade – essa soberana do mundo – torna-se quando toma a forma de um indivíduo; normalmente apenas o que basta para manter o corpo. Por isso o homem é tão miserável.

Na presente época, que é intelectualmente impotente e notável por sua veneração daquilo que é ruim em todas formas – um estado de coisas que é bastante condizente com a palavra cunhada “Jetztzeit” (tempo presente), tão pretensiosa quanto é cacofônica – os panteístas atrevem-se a dizer que a vida é, como dizem, “um fim-em-si”. Se nossa existência neste mundo fosse um fim-em-si, seria a mais absurda finalidade jamais determinada; mesmo nós próprios ou qualquer outro poderia tê-la imaginado.

A vida apresenta-se principalmente como uma tarefa, isto é, de subsistir de gagner sa vie [para ganhar a vida]. Se for cumprida, a vida torna-se um fardo, e então vem a segunda tarefa de fazer algo com aquilo que foi conquistado – a fim de espantar o tédio, que, como uma ave de rapina, paira sobre nós, pronto para atacar sempre que vê a vida livre da necessidade.

A primeira tarefa é conquistar algo; a segunda é banir o sentimento de que algo foi conquistado, do contrário torna-se um fardo.

Está suficientemente claro que a vida humana deve ser algum tipo de erro, com base no fato de que o homem é uma combinação de necessidades difíceis de satisfazer; ademais, se for satisfeito, tudo que obtém um estado de ausência de dor, no qual nada resta senão seu abandono ao tédio. Essa é uma prova precisa de que a existência em si mesma não tem valor, visto que o tédio é meramente o sentimento do vazio da existência. Se, por exemplo, a vida – o desejo pelo qual se constitui nosso ser – possuísse qualquer valor real e positivo, o tédio não existiria: a própria existência em si nos satisfaria, e não desejaríamos nada. Mas nossa existência não é uma coisa agradável a não ser que estejamos em busca de algo; então a distância e os obstáculos a serem superados representam nossa meta como algo que nos satisfará – uma ilusão que desvanece assim que o objetivo é atingido; ou quando estamos engajados em algo que é de natureza puramente intelectual – quando nos distanciamos do mundo a fim de podermos observá-lo pelo lado de fora, como espectadores de um teatro. Mesmo o prazer sensual em si não significa nada além de um esforço contínuo, o qual cessa tão logo quanto seu objetivo é alcançado. Sempre que não estivermos ocupados em algum desses modos, mas jogados na existência em si, nos confrontamos com seu vazio e futilidade; e isso é o que denominamos tédio. O inato e inextirpável anseio pelo que é incomum demonstra quão gratos somos pela interrupção do tedioso curso natural das coisas. Mesmo a pompa e o esplendor dos ricos em seus castelos imponentes, no fundo, não passam de uma tentativa fútil de escapar da essência existencial, a miséria.

O fato de que a mais perfeita manifestação da vontade de viver – o organismo humano, com a sua sutil e complexa maquinaria – deve decair e finalmente render todos os seus esforços à extinção – esse é o simples meio pelo qual a Natureza, invariavelmente verdadeira e sincera, declara todo o esforço da vontade, em sua própria essência, como estéril e inútil. Se tivesse algum valor em si, algo incondicionado e absoluto, seu fim não seria a inexistência. Esta é a nota dominante da bela música de Goethe:

No alto da velha torre
Fica o herói de mente nobre.

[Hoch auf dem alten Thurme steht
Des Helden edler Geist.]

O homem é apenas um fenômeno, não a coisa-em-si – digo: o homem não é [grego: ontos on]; isso se comprova pelo fato de que a morte é uma necessidade.

E quão diferente o começo de nossas vidas é do seu fim! O primeiro é feito de ilusões de esperança e divertimento sensual, enquanto o último é perseguido pela decadência corporal e odor de morte.

O caminho que divide ambas, no que concerne nosso bem-estar e deleite da vida, é a bancarrota; os sonhos da infância, os prazeres da juventude, os problemas da meia-idade, a enfermidade e miséria freqüente da velhice, as agonias de nossa última enfermidade e, finalmente, a luta com a morte – tudo isso não faz parecer que a existência é um erro cujas conseqüências estão se tornando gradualmente mais e mais óbvias?

Seria sábio considerar a vida como um desengaño, uma ilusão; que tudo está organizado nesse sentido: isso está suficientemente claro.

É apenas no microscópio que nossa vida parece grandiosa. É um ponto indivisível, captado e ampliado pelas poderosas lentes do Tempo e do Espaço.

Tempo é um elemento em nosso cérebro que, por meio da duração, cria uma semelhança de realidade na existência absolutamente vazia das coisas e de nós mesmos.

Quanta tolice há no homem que se arrepende e lamenta por não ter aproveitado oportunidades passadas, as quais poderiam ter-lhe assegurado esta ou aquela felicidade ou prazer! O que resta desses agora? Apenas o fantasma de uma lembrança! E é o mesmo com tudo aquilo que faz parte de nossa sorte. De modo que a forma do tempo, em si, e tudo quanto é baseado nisso, é um modo claro de provar a nós a vacuidade de todos deleites terrenos.

Nossa existência, assim como a de todos animais, não é duradoura, mas apenas temporária, meramente uma existentia fluxa, que pode ser comparada a um moinho no qual há constante mudança.

É verdade que a forma do corpo dura por um tempo, mas apenas sob a condição de que a matéria esteja sempre mudando, de que a velha matéria seja descartava e uma nova seja incorporada. É o principal empenho de todas as formas viventes assegurar um constante suprimento de matéria aproveitável. Ao mesmo tempo, estão conscientes de que sua existência é modelada de modo a durar apenas um período de tempo, como foi dito. Por essa razão tentam, quando estão abandonando a vida, deixá-la para outrem que tomará seu lugar. Essa tentativa toma a forma do instinto sexual em autoconsciência, e na consciência de outras coisas apresenta-se objetivamente – isto é, na forma do instinto genital. Esse instinto pode ser comparado ao enfileiramento de uma corrente de pérolas; um indivíduo sucedendo o outro tão rapidamente como as pérolas na corrente. Se nós, em imaginação, acelerarmos essa sucessão, veremos que a matéria está mudando constantemente em toda a fileira assim como está mudando em cada pérola, enquanto retém a mesma forma: percebemos então que temos apenas uma quasi-existência. Que são somente as Idéias que existem e criaturas-sombra daquilo que lhes corresponde – isso é a base dos ensinamentos de Platão.

A idéia de que não somos nada senão um fenômeno, em oposição à coisa-em-si, é confirmada, exemplificada e clarificada pelo fato de que a conditio sine qua non de nossa existência é um contínuo fluxo de descarto e aquisição de matéria que, como nutrição, é uma constante necessidade. De modo que nos assemelhamos a fenômenos como fumaça, fogo ou um jato de água, todos os quais desvanecem ou cessam diretamente se não houver suprimento de matéria. Pode ser dito, então, que a vontade de viver apresenta-se na forma de um fenômeno puro que termina em nada. Esse nada, entretanto, juntamente com o fenômeno, permanece dentro do limite da vontade de viver e são baseados nesse. Admito que isso é um pouco obscuro.

Se tentarmos obter uma perspectiva geral da humanidade num relance, constataremos que em todo lugar há uma constante e grandiosa luta pela vida e existência; que as forças mentais e físicas são exploradas ao limite; que há ameaças, perigos e aflições de todo gênero.

Considerando o preço pago por isto tudo – existência e a própria vida –, veremos que houve um intervalo quando a existência era livre de sofrimento, um intervalo que, entretanto, foi imediatamente sucedido pelo tédio, o qual, por sua vez, foi rapidamente sucedido por novos anseios.

O tédio ser imediatamente sucedido por novos anseios é um fato também verdadeiro à mais sábia ordem de animais, pois a vida não tem valor verdadeiro e genuíno em si mesma, mas é mantida em movimento por meio de meras necessidades e ilusões. Tão logo quanto não houver necessidades e ilusões tornamo-nos conscientes da absoluta futilidade e vacuidade da existência.

Se deixarmos de contemplar o curso mundo como um todo e, em particular, a efêmera e cômica existência de homens enquanto sucedem um ao outro rapidamente para observar a vida em seus pequenos detalhes: quão ridícula é a visão!

Impressiona-nos do mesmo modo como uma gota d’água, uma simples gota fervilhando de infusoria, é vista por um microscópio, ou um pedaço de queijo cheio de carunchos invisíveis a olho nu. Sua atividade e luta uns contra os outros em um espaço tão pequeno nos entretém grandemente. Acontece o mesmo no pequeno lapso da vida – uma grande e séria atividade produz um efeito irrisório.

Nenhum homem jamais se sentiu perfeitamente feliz no presente; se acontecesse, isso o envenenaria.

Fonte
 
 
« Última modificação: 29 de Setembro de 2007, 14:48:16 por Nightstalker »
Conselheiro do Fórum Realidade.

"Sunrise in Sodoma, people wake with the fear in their eyes.
There's no time to run because the Lord is casting fire in the sky.
When you make sin, hope you realize all the sinners gotta die.
Sunrise in Sodoma, all the people see the Truth and Final Light."

Offline forced_existence

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Re: O Vazio da Existência - por Arthur Schopenhauer
« Resposta #1 Online: 06 de Dezembro de 2007, 00:56:12 »
Aproveitei-me do texto e acho que convém falar sobre um assunto. Eu queria falar sobre a morte. Eu observo que sempre que se fala sobre a morte é associado a isto diretamente a uma perda. Perda de um amigo, de um ente querido ou conhecido. Lastima-se muito e o assunto logo se desvanece pela lida do dia-a-dia. Talvez por que inconscientemente sabe-se que não adianta discutir sobre algo que é um fim infalível de todos. Acho que poucas pessoas têm noção de que encarar a morte inevitável e a única coisa que efetivamente se tem certeza nesta vida, deveria ser muito natural e reconhecer que é bem menos perigoso do que viver. Mas acho interessante falar sobre isso num estágio em que pode haver a renúncia da vontade de viver. Não existir mais. Ou se fosse dada a opção para pessoas de morrerem por eutanásia ou não o que escolheriam. Eu acho que é muitíssimo difícil alguém desejar a morte mesmo que sem sofrimento por várias razões:
Medo do desconhecido que pode haver do "outro lado" fruto de crenças
místicas e religiosas, temor de que não se possa realizar todos os
projetos que têm em vida ou deixar de experimentar todas as sensações
agradáveis que a vida pode oferecer.   

 Pode-se também argumentar que pelo fato de o ser humano ser dotado
de razão, terá consciência cedo ou tarde do porquê de sua existência e que haverá planos de vida feitos por ele e que apesar da vida ser mais difícil para uns do que para outros, moralmente é inaceitável interromper um projeto de vida o qual haverá possibilidades de escolha do sujeito, também haverá possibilidades de descobrir várias razões para se viver e que pelas experiências de vida, se aprende a atingir a felicidade. Porém isso é feito somente no plano das hipóteses. Em tese, ninguém teria medo de morrer se tivesse a certeza de que já se viveu o bastante. A verdade é que esta é uma condição de que todos nunca terão certeza.

Se há uma razão para acreditar que se pode superar as frustrações,
mesmo que elas surjam de maneira repetiva e que mate aos poucos por
dentro, e sendo os percalços uma aprendizagem no trancorrer da vida, e que as situações adversas são melhores encaradas sem por isso seja motivo de por um fim á vida, deve haver coerência com esta forma de concepção e agir integralmente assim. Porém, não espero de ninguém coerência em suas idéias pelo menos no que diz respeito de como bem viver e jamais vi alguém agir fidedignamente segundo as suas idéias. Mas tudo bem, o homem é também suas circunstâncias.
 
Existe o fator de uma mágoa profunda nas vítimas de barbaridades e que por um momento tudo que se acreditava ser ético, bom e que se deve agir de forma mais humana possível, é virado do avesso todo o ideal. Dizem que deveriam sofrer a pena de morte o homicida ou um matador serial ou sofrerem até o fim de seus dias. Não queremos imaginar um assassino em nossa sociedade ou um estuprador, e com razão. Pessoas assassinas ou que estupram causam sofrimento às vítimas, destroem famílias, interrompe o curso de uma vida inteira e de um possível futuro brilhante da vítima sem o consentimento desta.

Mas sendo o que existe de perverso em nossa sociedade os piores homens não sofrem também das mesmas dores, não podem ter as mesmas experiências por mais frustrantes que são e regenerarem-se? Não estou defendendo que os indivíduos perversos devam ser poupados de coisa alguma. Mas é interessante observar que para muitos,sendo a morte algo terrível e assombrosamente perturbadora, se fazem os homens maus merecê-la. Entretando, a morte não é questão de merecimento ou castigo, é uma via inexoravel a que todos serão submetidos enquanto outros gostariam de abraçá-la o quanto antes. Só posso concluir que a morte considerada como castigo, provém de uma mentalidade religiosa pois assim sendo nesta lógica, após a morte existe um outro julgamento e não há coisa pior que a infinita sentença divina e os homens maus pagarão eternamente por seus erros. Penso que  quanto mais impotente diante às injustiças do mundo, mais propensão às crenças se adquire. Crenças em demasia, alimentam as ilusões.


A morte não deveria ser considerada castigo coisa alguma. Penso inclusive que morrer ou viver para algumas pessoas é indiferente ou a morte, um alívio. Sou daqueles que acreditam que a vida olhada de forma serena e crítica, é mais sofrimento e dor do que felicidade. A felicidade eu comparo com um lapso de tempo entre o  efeito de um narcótico e a realidade dura, feia, cinza e monótona. A felicidade se encontra no intervalo de tempo em que dura o narcótico e enquanto a consciência alterada aliena a razão, o indivíduo a tudo se vislumbra.

Valer a pena viver por que a vida é felicidade é uma mentira. Você quer viver, quer continuar vivo são por outras razões.

"(...)a própria existência em si nos satisfaria, e não desejaríamos nada. Mas nossa existência não é uma coisa agradável a não ser que estejamos em busca de algo; então a distância e os obstáculos a serem superados representam nossa meta como algo que nos satisfará – uma ilusão que desvanece assim que o objetivo é atingido." _Schopenhauer

Schopenhauer dizia que a grande moção da vida é baseada em dois instintos: O de fome e o instinto sexual. O homem evoluiu com o tempo e que há valores maiores a serem alcançados como o bem, a justiça e a solidariedade. Mas o instinto do homem continua lá, exercendo seu papel 'menos nobre'. Jamais vi um ser humano na miséria ou mendicância desejando a morte, ele quer viver.  A condição de miséria como valor já está imbuído no imaginário coletivo. Se algum alguém está nesta completa situação degradante na qual o sujeito se encontra, é entendido como alguma expiação da vontade divina ou um pagamento de um ato de alguma vida passada. Não importa qual explicação engenhosa do absurdo é dado a isto. O que é real é que a miséria mata mais do que o homicídio. A miséria é o aniquilamento do sujeito aos poucos, da honra, da dignidade, do caráter que faz do sujeito humano. É a total perda da identidade do indivíduo. Ainda assim não se deseja a morte mesmo nestas situações. Implica que isto só poderia provir do que aquele filósofo disse sobre a moção da vida: A fome, o instinto sexual ou a busca de algo, mesmo que jamais satisfeito o desejo, pois este é insaciável e transitório. Não acredito que na miséria degenerante, alguma pessoa possa pensar em obter os "valores mais altos de ética e cidadania advindos do progresso ou da evolução das sociedades".

O instinto de sobrevivência ditando as regras mostra sua face horrenda e sorridente. O desejo sexual ante o instinto sexual, é um peso corrosivo que é cego para os herdeiros da miséria e se faz prevalecer sobre os valores 'mais altos'. O desejo sexual é mais um fardo da existência e eu o nego assim como nego toda pulsão proveniente desta correnteza cega e necessária que multiplica os homens.   

                     
Têm pessoas que sempre foram criadas em um ambiente de afetividade, muita educação e com todas suas necessidades de conforto psíquico e material satisfeitos, há um ambiente propício de um bom desenvolvimento do indivíduo e que portanto recorrer ao suicídio num possível ambiente assim é inaceitável. O fato é que existe. Será que a vida é surpreendentemente bela assim ao ponto de em várias partes do mundo haver suicídio? Não interessa se as pessoas que tomaram atitudes assim sofrem de distúrbio, estavam desesperadas e que o senso comum proselitiza que a vida deve ser vivida a todo custo, as pessoas que o praticam somente o faz porque estão com suas faculdades mentais perturbadas, estão alienadas do mundo, desesperadas, sem rumo de seu destino ou mesmo 'sem deus' e por aí vai. Seja lá o motivo, o que deve ser levado em conta é que a vida têm múltiplas formas de se olhar para ela. Ela tem a representação que o indivíduo lhe dá. Num único ato que culmina com a morte, para um suicida significa por fim a um engano. Foi arrancada a cortina escura de um teatro que é a vida humana. Dizer que ninguém tem o direito de se matar,  é a arrogância de quem acha que pode sugerir que as coisas não são bem assim que existem saídas (Embora não encontrem nem mesmo para as suas).

Eu pelo menos não acho que a vida deve ser vivida a todo custo e que
mesmo o homem perdendo a dignidade deva continuar vivendo ou predando o meio  social da forma mais perversa possível. Vejo que qualquer homem livre, não encontrando um projeto adequado para viver deveria ter o direito de cessar sua vida quando lhe convier sem o julgamento moral dos outros. Gostaria de saber se existe alguém capaz de admitir a hipótese de um potencial suicida decidido e com o intelecto intacto, e acredito que haja, perguntassem a ele que se lhe fosse dada a chance de escolher de vir ao mundo ou não, este diria sem rodeios que não.
 
No meu entender, estas pessoas, as que espantam-se com a idéia de morte, estariam na verdade somente exercitanto suas capacidades condicionadas e aprendidas desde o berço no que se refere a vida e morte. Coisas como 'você ainda não viveu o suficiente', 'a vida lhe reserva surpresas agradáveis' podem sugerir chicote no couro de quem a vida já lhe fatigou o suficiente e mesmo assim impelem para postergar o padecimento de existir. Desejar a morte seria uma deturpação da realidade ?
Nós devíamos mesmo perguntar se existe de fato uma opinião isenta e estritamente racional perante a realidade. Não acredito que possamos atingir a racionalidade plena e nem sei se todos agem racionalmente todo o tempo, embora este seja um ideal de progresso assim mesmo relativisando este progresso. Vaidade, certamente. Agir de modo racional a todo instante seria questionar incessantemente a absurdidade de existir e que por fim uma das escolhas entre viver ou morrer é chegar à conclusão se vale ou não a pena o sofrimento. A singularidade da existência humana se faz justamente por razões subjetivas ás quais estamos constantemente expostos. A adequação da mente com as coisas se dá de maneira muito particular de cada um como disse. A racionalidade pode muito bem ser usada para justificar determinados meios pelos quais temos de alguma maneira estabelecer nossas crenças. Querer continuar vivendo se faz necessário adequar nosso pensamento à crença de que viver vale a pena, não sabemos tudo e que possamos estar errados. Mas o instinto de sobreviver se sobrepõe ao ato de pensar.


Me lembro ainda hoje de um dos crimes mais bárbaros e perversos que eu tive notícia. Já faz alguns anos aqui em BH houve um sequestro seguido de estrupo, tortura e morte. Foi de uma menina de cinco anos de idade. Após vários dias em cativeiro a menina Míriam foi violentada e seu corpo foi secionado em várias partes e queimado para não deixar vestígios. Seu corpo foi encontrado carbonizado junto às cinzas de pneus e foi somente possível identificar a menina através de exames de DNA por restos de seus dentes, ainda de leite. Não é preciso comentar o estado que ficaram os pais. Curioso é que eu encontro, com a mãe daquela menina ocasionalmente com um sorriso no rosto. Percebo que não é um sorriso de felicidade, é um sorriso de quem o esquecimento é um remédio para remir-se do sofrimento, não cair ladeira abaixo como diria Schopenhauer, fazer do que foi uma realidade um sonho ruim, um pesadelo que é preciso por alguns momentos da vida, senão vários, esquecer. Talvez num profundo silêncio a ausência grita ao longe a lembrança de um tempo que não volta mais. Eu conheço o que seja isto.     
"(...)Mas tal propósito poderia também ser denominado a maior tolice, pois aquilo que, no próximo instante, não mais existe e desaparece completamente como um sonho, jamais poderá merecer um esforço sério."
Toda a nossa existência é fundamentada tão-somente no presente – no fugaz presente. Deste modo, tem de tomar a forma de um constante movimento, sem que jamais haja qualquer possibilidade de se encontrar o descanso pelo qual estamos sempre lutando. É o mesmo que um homem correndo ladeira abaixo: cairia se tentasse parar, e apenas continuando a correr consegue manter-se sobre suas pernas; como um pólo equilibrado na ponta do dedo, ou como um planeta, o qual cairia no sol se cessasse com seu percurso. Nossa existência é marcada pelo desassossego." Schopenhauer, Arthur

As pessoas são tão apegadas à vida que passa a ser uma coisa paradoxal. Digo paradoxal por que a imensa maioria acredita em vida após a morte, mas teme a morte e desconversam quando são confrontadas com suas crenças e a possibilidade da perda de um ente querido. Se desesperam quando perdem alguém querido ou muito próximo, choram até o tempo secar as lágrimas e ainda assim, acreditam que a pessoa que se ausentou por toda a vida está "num bom lugar que deus reservou". Ora, quando você tem a certeza e convicção de que uma pessoa que você adora está num lugar aprazível, é de se esperar que você  esteja feliz por ela. Mas ao contrário do que se prega, as pessoas temem a morte e fazem jus ao arquétipo da morte, querem distância de sua  infalível foice.

Certa vez me lembrei um dia em que eu estava conversando com um amigo sobre o medo que muitas pessoas, até mesmo religiosas, têm de morrer. Então a gente levantava algumas questões referente a isto e ele me disse: "se 'existe um Deus' e um paraíso metafísico para a humanidade após a morte, então por que tanta gente tem medo de morrer? No fundo, essas pessoas sabem que a vida é uma só _e sabem que depois que tudo terminar, é só o esquecimento que vai sobrar"

Gostaria de transcrever uma parte referente a esta questão que eu cheguei a observar atentamente a coincidência do que falávamos. Escrevi isto a ele e lhe enviei o trecho de um livro que transcrevi. Disse que queria mostrar que algumas questões fazem sentido e não são insensatas de serem levantadas por quem não tem uma cadeira de filosofia nem é um literato ou pesquisador da mente humana.  Mas foi também levantado por Richard Dawkins, um cientista evolucionista e prestigiado em Oxford e em várias partes do mundo com sua racionalidade afiada e seu magistral modo de ensinar ciências às pessoas. Eis que ele escreveu em seu livro "DEUS, UM DELÍRIO";  pág

450 - 451 :
 
"[...] Á parte a aspiração dos mártires, não consigo deixar de me perguntar qantas pessoas moderadamente religiosas que alegam  acreditar nisso (De sobreviver á própria morte) realmente acreditam no fundo do coração. Se elas estivessem sendo sinceras, não deveriam todas comportarem-se como o Abade de Ampleforth? Quando o cardea Basil Hume disse a ele que estava morrendo, o abade ficou encantado: 'Parabéns! Que ótima notícia. Queria estar indo com o senhor.'[...] Porque todos os cristãos e muçulmanos não dizem coisas parecidas com o que o abade disse quando ficam sabendo que um amigo está morrendo? Quando uma mulher devota ouve de um médico que só tem alguns meses de vida, por que não sorri de entusiasmo, como se tivesse acabado de  ganhar uma viagem para as ilhas seychelles?  [...]Não pode ser por que na verdade elas não acreditam em tudo aquilo em que fingem acreditar? Ou talvez acreditem mas temam o processo de morrer. Com bons motivos, já que nossa espécie é a única que não pode ir ao veterinário para acabar sem dor com o sofrimento. Mas, nesse caso, por que a oposição mais eloqüente à eutanásia e ao suicídio assistido vem das religiões? No modelo 'Abade de Ampleforth' ou 'férias das ilhas Seychelles' de morte, não seria de esperar que as pessoas religiosas fossem as últimas a se agarrar, desesperançosamente, à vida terrena? E no entanto é impressionante como, quando se encontra alguém que é ardentemente contra a eutanásia
ou contra o suicídio assistido, dá para apostar um bom dinheiro que essa pessoa seja religiosa. A razão oficial pode ser que matar é sempre pecado. Mas por que considerar isso pecado se você acreditar sinceramente que está acelerando sua viagem para o céu? "

 No restante das outras páginas ele desenvolve seu raciocínio com muita perspicácia referente a esta questões. Muitas delas críticas à demasiada necessidade em acreditar em uma vida após a morte. 
 
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« Última modificação: 06 de Dezembro de 2007, 01:06:06 por forced_existence »
Um resto azul de sono ainda me ilude, mais visível se torna o meu fantasma, turvo entre a névoa da metamorfose.
  Respiro este leve ar que sustenta o mundo, minha vida nada mais que este respiro, meu olhar nada mais do que esta procura...
  Este o mundo a que vim, de pedra e sonho..

Offline Twinning Hook

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Re: O Vazio da Existência - por Arthur Schopenhauer
« Resposta #2 Online: 07 de Dezembro de 2007, 04:40:38 »
Extremamente interessante o texto postado por Nightstalker, fantastico!

Concordo com o texto e acho que o passado e' irreal e nao faz mais parte
dessa dimensao, plano ou como quizer chamar.

Esse exemplo pode parecer insano e se assimilar a "teorias da conspiracao" mas nao se cunfunda,
e' apenas uma representacao seria do meu ponto de vista.
Nesse exatado momento voce sabe que o que experiencia existe, ou que pelo menos voce como ser, existe, mas atinge o limite do saber nesse ponto. Sendo que nao ha meios de provar que por exemplo toda a sua memoria e idieas nao passao de mentiras implatadas atraves de uma lavagem cerebral e que sua vida comecou agora. Portanto o unico tempo real e' esse exato momento, o milhonesimo de segundo que voce vive exatamente agora.

Offline Shinigami-Ateu

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Re: O Vazio da Existência - por Arthur Schopenhauer
« Resposta #3 Online: 12 de Dezembro de 2007, 15:56:03 »
Muito bom o texto postado por Nightstalker.

Se analisarmos friamente a vida em si, inevitavelmente chegamos a uma conclusão parecida, a vida é uma constante mudança de matéria, vivemos atrás de criar e atingir metas para não cairmos no tédio.
Toda vida se resume em dois estímulos primitivos, a DOR e o PRAZER, o que é bom para perpetuação da espécie, prazer, o que é ruim dor, e assim se segue nossa vida condicionada a vontade de nossos genes, preservação da espécie em primeiro lugar.

Mas fazemos o possível para nos iludir e tentar ficar em estado de felicidade o máximo que podemos.

Louvado seja o PS2.
Amém.

 
"Por que temer a morte? Enquanto eu sou, a morte não é; e, quando ela for, eu já não serei. Por que deveria temer o que não pode ser enquanto sou?”.

Offline Nightstalker

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Re: O Vazio da Existência - por Arthur Schopenhauer
« Resposta #4 Online: 28 de Dezembro de 2007, 03:53:00 »
Um viva aos ópios da existência. Obrigado sexo, internet, video game, dinheiro (sou pobre, mas quando ganho uma graninha fico bem feliz :hihi:)!
Conselheiro do Fórum Realidade.

"Sunrise in Sodoma, people wake with the fear in their eyes.
There's no time to run because the Lord is casting fire in the sky.
When you make sin, hope you realize all the sinners gotta die.
Sunrise in Sodoma, all the people see the Truth and Final Light."

Offline Shinigami-Ateu

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Re: O Vazio da Existência - por Arthur Schopenhauer
« Resposta #5 Online: 02 de Janeiro de 2008, 11:30:30 »
Um viva aos ópios da existência. Obrigado sexo, internet, video game, dinheiro (sou pobre, mas quando ganho uma graninha fico bem feliz :hihi:)!

Esqueceu de colocar as drogas:
Álcool por exemplo, altera meu estado emocional, e na maioria das vezes, me traz felicidade o, problema é a dor de cabeça no dia seguinte. rs...rs...rs... Tudo tem seu preço!!!!!!!!!!!
"Por que temer a morte? Enquanto eu sou, a morte não é; e, quando ela for, eu já não serei. Por que deveria temer o que não pode ser enquanto sou?”.

Offline Twinning Hook

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Re: O Vazio da Existência - por Arthur Schopenhauer
« Resposta #6 Online: 04 de Janeiro de 2008, 18:42:01 »
Nunca o
Um viva aos ópios da existência. Obrigado sexo, internet, video game, dinheiro (sou pobre, mas quando ganho uma graninha fico bem feliz :hihi:)!

Esqueceu de colocar as drogas:
Álcool por exemplo, altera meu estado emocional, e na maioria das vezes, me traz felicidade o, problema é a dor de cabeça no dia seguinte. rs...rs...rs... Tudo tem seu preço!!!!!!!!!!!

Nunca ouviu falar em Engov e CafiAspirina??? :hihi:

 

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