Aids e a evolução humana
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O que teria acontecido se não existisse a ciência? A humanidade seria exterminada pelo HIV? Por
Fernando Reinach A ciência foi rápida na criação de medicamentos capazes de controlar a aids. A sociedade não acompanhou o desenvolvimento científico e um número enorme de pessoas infectadas pelo HIV não tem acesso aos anti-retrovirais.
Mas a evolução não depende da vontade humana. Enquanto a ciência desenvolve medicamentos, a evolução age na surdina selecionando os genes que conferem resistência à aids.
O irônico é que esses genes vão beneficiar exatamente as sociedades que não têm dinheiro para comprar os anti-retrovirais.
Desde que a doença apareceu nos EUA, o progresso científico foi enorme. Os cientistas descobriram que a doença é infecciosa, isolaram o vírus, seqüenciaram seu genoma e desenvolveram drogas capazes de bloquear seus efeitos. Os anti-retrovirais estão disponíveis para quem puder pagar.
Mas o que teria acontecido se não existisse a ciência? A humanidade seria exterminada pelo HIV?
É difícil prever, mas seguramente a mortalidade pela aids seria muito maior e, na pior das hipóteses, sobreviveriam somente as pessoas resistentes ao vírus.
O planeta seria recolonizado por seres humanos resistentes ao HIV. A espécie humana teria sobrevivido sem o auxilio da ciência, como sobreviveu por milhões de anos.
Nos últimos anos, foram identificadas pessoas que, apesar de infectadas pelo HIV, não desenvolvem a doença. Hoje sabemos que existem pelo menos 14 genes humanos ou mutações em genes humanos que conferem resistência ao HIV.
É a evolução agindo sob nossos olhos. Em todos os seres vivos, e o homem não é exceção, as mutações surgem ao acaso.
Entre os milhões de mutações que compõem a diversidade humana, existem algumas poucas, presentes em algumas poucas pessoas, que fazem com que essas pessoas sejam resistentes ao HIV.
Essas mutações provavelmente surgiram muito antes de o HIV aparecer entre os humanos e, até o aparecimento do vírus, eram inúteis. Quando o HIV apareceu, essas pessoas se tornaram especiais por não desenvolverem a doença.
Nos países em que a aids ainda não é tratada, as pessoas com essas mutações são "superiores". Têm uma chance maior de sobreviver e transmitir seus genes para os filhos.
As pessoas "normais" são infectadas pelo vírus e morrem. É fácil imaginar que, com o passar das gerações, o número de pessoas com essas mutações vai crescer gradativamente até que toda a população seja resistente ao HIV.
É claro que, durante esse processo, a mortalidade nessas populações será enorme. É o preço que a seleção natural cobra para espalhar um novo gene em uma população.
É caro, mas o resultado é uma população imune ao vírus e que independe da ciência e dos medicamentos para conviver com o HIV.
Os geneticistas estão monitorando a freqüência desses genes de resistência nos países africanos e (in)felizmente ela deve aumentar. Infelizmente porque isso significa que muitas pessoas morrerão de aids por não terem acesso a medicamentos.
E felizmente porque, na pior das hipóteses, os futuros habitantes desses países serão seres superiores, resistentes ao HIV. É a evolução agindo na surdina, como sempre agiu até que surgisse a ciência.
Mais informações em Human genes that limit aids, na Nature Genetics, volume 36, página 565, de 2004.
(O Estado de SP, 1/6)