Para voces, uma parte de minha monografia. Um tema instigante.
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O Indivíduo está diante de escolhas e incertezas que o fazem angustiado e desesperado frente à sua existência. Necessita de verdades para poder caminhar e descobrir a sua própria existência, esta que lhe coloca diuturnamente de corpo e alma comprometendo a vida do Indivíduo e seu sentido. Essas verdades não irão dar um em si do sentido da vida, mas o para si que o Indivíduo necessita para poder viver o aqui e o agora.
Soren Aabye Kierkegaard acreditava piamente nessas verdades subjetivas que davam ao Indivíduo a força para poder viver e morrer por elas. A busca do conhecimento que satisfizesse seu intelecto e interioridade, era seu desafio frente ás incertezas da vida com suas múltiplas perguntas que, bem ou mal, davam ao Indivíduo a oportunidade de respondê-las.
Uma das perguntas que a vida fazia à Kierkegaard era se existia um sistema que desse todas as respostas sobre a existência, isto é, a situação real do Indivíduo que está aí, no mundo, e que se desespera, se angustia, sofre, se apaixona, ama, e que um dia irá desaparecer em conseqüência de sua finitude. Existe então tal sistema? Para Kierkegaard, além de não existir, sua luta contra sistemas filosóficos foi uma empresa que ele, por toda sua vida, empreendeu através de suas obras veronímicas e heteronímicas. Kierkegaard tinha convicção que qualquer sistema lógico não dava conta da existência de um Indivíduo e suas escolhas. Seu principal alvo de ataques foi o sistema hegeliano que colocava o Indivíduo em uma posição secundária e que esse Indivíduo se explicava pelo sistema, isto é, o particular era explicado pelo geral. Kierkegaard se opôs de forma contundente, explicando que a busca de um sentido do Indivíduo, em uma harmonia racional, anulava a individualidade. Essa individualidade que ele procurava dar uma afirmação radical. Martins afirma que:
“Enquanto Hegel aponta para a certeza racionalista,
Kierkegaard elege como seu o caminho da ambivalência
de um pensamento que seque as linhas tortuosas e
as riquezas do singular na subjetividade.”(MARTINS, 2000, p. 44)
Ora, para Kierkegaard, a individualidade é o que define a existência. Não podemos compreender individualidade necessariamente por conceitos lógicos e nem por sistemas lógicos, pois, a individualidade é o próprio homem que é finito, diante do infinito.
“Não depende, então, meramente do quê se vê,
mas o que se vê depende de quem vê.”
(KIERKEGAARD, 2007, p. 136)
O caráter filosófico de seu pensamento foi colocado em dúvida por algumas pessoas, devido aos temas em que Kierkegaard se debruçou e pensou de forma brilhante e inquietante. Temos visto na tradição filosófica tentativas na ordem de reforma do conhecimento, da política, da ética, etc. Em Kierkegaard, não vamos encontrar, de forma estrita, essas motivações da tradição filosófica. Sua crítica ao sistema de Hegel, não se limita a apontar suas falhas e inconsistências, mas ir de contra a qualquer idéia de sistema. O Indivíduo que se coloca frente a si e suas possibilidades, está desamparado de um aparato lógico; está diante de possibilidades de escolha pessoal e não de um sistema de idéias; ele está diante de fatos e, para Kierkegaard, diante de um fato que é fundamental e que a lógica não pode abarcar, a saber, a fé.
Kierkegaard não inventa modos de existir quando divide os estádios estético, ético e religioso. Ele está apenas, através de sua peculiar observação, definindo esses modos de existir e fazendo analogias com o “ser cristão”. Ter fé, para Kierkegaard, é um modo de existir que coloca o Indivíduo em relação com o absurdo; em relação com o paradoxo do homem-Deus; diante de uma Verdade que depende exclusivamente da crença no absurdo. Segundo Kierkegaard, o Indivíduo se realiza nesse modo de existir quando vive subjetivamente a religiosidade cristã.
Todos os estudiosos de Kierkegaard são unânimes em concordar que ele foi o precursor de uma filosofia que parte da analise do existir e suas conseqüências. As grandes questões do Indivíduo como a angústia, o desespero, a ironia, o humor, as escolhas, a fé, etc., devem ser analisadas existencialmente, pois pertencem à vida desse Indivíduo que está no mundo. Alguns manuais de filosofia definem Kierkegaard como o pai do existencialismo, porque os chamados filósofos existencialistas foram, de alguma forma, influenciados por ele. Para o professor Ricardo Gouvêa, essa alcunha não ajuda na compreensão desse grande filósofo:
“Uma vez que definimos Kierkegaard impropriamente
como pai do existencialismo, pode-se mais
facilmente louvá-lo ou rejeita-lo como
irracionalista, subjetivista, ou relativista.
É o modo mais fácil de livrar-se de um autor difícil.
(GOUVÊA, 2000, p. 70)
É fácil compreender que essa definição de Kierkegaard, como existencialista, não coaduna com o seu pensamento, pois ele sempre rechaçou sistemas filosóficos. O termo “existencial” tem um significado de particularidade sobre a universalidade:
“Ele queria dizer, com o termo “existencial”, viver
e pensar subjetivamente contra a mera observação
objetiva da realidade (que pode ser boa para as
ciências naturais, mas não para as humanidades,
a ética e a religião). Ele queria dizer introspecção
e seriedade, e existência coram Deo.”
(GOUVÊA, 2000, p. 35)
Embora o objeto da filosofia seja o universo, o todo, nesse “todo” o Indivíduo foi sempre escamoteado e esquecido, para dar lugar ao “todo” que não pode ser sem uma parte: o Indivíduo. Kierkegaard enlaçou o Indivíduo e trouxe-o para dentro do objeto da filosofia, que cada vez mais se identifica com o Indivíduo que filosofa. A verdade do homem que sofre, se angustia, se desespera, se silencia em temor e tremor, faz escolhas, que vive, difere da verdade da ciência ou de qualquer sistema. O que o Indivíduo possue são apenas: a sua vida e possibilidades. Para Le Blanc, a corrente filosófica dita como existencialismo procura mostrar o modo de ser do homem:
“Deve-se entender, consequentemente, pelo termo “filosofia existencial” toda
a forma de pensamento que se propõe e desenvolve como
pensamento e análise da existência. Mas há mais,
o existencialismo é uma filosofia que se opõe a qualquer
redução objetiva do homem ou a sua dissolução nos
conjuntos ou sistemas totalizantes. A herança de Kierkegaard
é aqui bem evidente. (LE BLANC, 2003, p. 126)
Neste sentido, Kierkegaard usa o método da comunicação indireta, com seus vários pseudônimos, para introduzir uma filosofia que pense a existência e suas conseqüências. Uma filosofia que ao invés de reduzir o ser humano como parte de um sistema, o evidencia e o coloca como fundamento da realidade e da vida.