Uma das grandes unanimidades nacionais é a Rede Globo que tem dezenove programas dos vinte mais assistidos. Essa audiência toda não é o reflexo do seu poder de manipulação, embora manipule, mas da sua capacidade de entender o que o público quer e gosta criando programações finamente sintonizadas com o desejo dos espectadores. O tão decantado poder da Globo é conquistado diariamente e se ela seduz o público é porque este está enamorado. Essa é a questão. Tal poder sustenta-se em areia movediça e é tão instável quanto as preferências do povo sendo uma via de mão dupla: ao mesmo tempo que impõe uma estética, se é que podemos chamar assim, o alcance dessa mesma estética só vai aonde o público aprova e como o público médio tem limitações culturais a repetição dos mesmos temas e formatos é a regra geral.
A programação se baseia em novelas, futebol e noticiário. O resto é secundário. Permeando toda a grade encontramos uma técnica, para os padrões nacionais, que poderíamos chamar de primorosa. A técnica é a arte por excelência dos programas populares. Antes de provocar a reflexão ou a pura contemplação estética a arte popular deve encantar os sentidos, principalmente os olhos. Por isso os filmes gastam milhões em efeitos especiais. A indústria há muito percebeu que a técnica suplante o enredo e muitos filmes se definem como uma sucessão de cenas extasiantes, quase completas em si mesmas, montadas como se fossem recortes ou fragmentos enxertados. Percebida a importância da técnica basta aplicá-la.
No caso da Globo o forte são as novelas, gênero que caiu nas graças do povo. Há uma trama principal; um mocinho e uma mocinha que vão se apaixonar travando uma batalha tortuosa para ficarem juntos, na qual enfrentam diversas adversidades; e há as tramas secundárias muitas do mesmo tipo da principal ou a exploração de um outro tema popular: o desamor de uma filha pela mãe, uma doença grave na família, a solidão de um velho, por aí vai. Há também os vilões que serão os mais celerados possíveis.
Qualquer tentativa de mudar o tópico ou o formato redunda em fracasso comercial obrigando a emissora a terminar a novela como pode-se observar algumas vezes. Com efeito, o público empurra à emissora um modo de ver e compreender a realidade tanto quanto a emissora o faz. Artisticamente, a Globo, como qualquer emissora televisiva, torna-se nulidade, pois, os objetivos perseguidos são díspares. É engraçado ver atores, diretores e autores comportando-se como artistas quando são apenas operários de uma indústria de serviços. Escravos do público, tornam-se meros produtos da preferência de ocasião.
Esse giro sem fim da relação público/emissora não tem data para acabar - é característica da indústria de entretenimento a da cultura das massas. Talvez, modernizando-se, o país rompa com a unanimidade, porque nunca foram tão verdadeiras as palavras de Nelson rodrigues: toda unanimidade é burra.