Mas o propósito da existência carnal ser um teste da índole da alma também não faz sentido.
Antes de tudo porque um Deus onisciente não deveria fazer testes mas também porque isto nos leva a interessantes contradições acerca do livre arbítrio.
Terão as almas livre arbítrio no Paraíso? Supõe-se que sim, do contrário não teria sentido dotar o homem de vontade própria nesta vida. Mas se teremos livre arbítrio o que impediria que alguém que viveu durante um limitado e curtíssimo período de tempo como um santo, não pudesse mudar
de comportamento em algum momento da longa eternidade?
Não foi justamente isto que aconteceu a Satanás e suas hostes? Também Adão viveu sem pecado até provar do fruto proibido. As pessoas mudam, se quem é pecador pode se arrepender quem não é também pode vir a se tornar, ainda mais tendo toda a eternidade pela frente para cair em tentação.
Porém nem é verdade que o Paraíso será habitado por santos. Os salvos serão pecadores, pessoas com todas as falhas humanas possíveis, mas que apenas aceitaram por fé o sacrifício de Nosso Senhor Jesus. Quer dizer, tudo indica que moralmente o Paraíso não vai ser muito melhor do que nós temos por aqui hoje, mas com um agravante muito sério: quem chegar lá estará a salvo de qualquer punição, eternamente, não importa o que faça, porque esta é uma promessa de Deus.
Que poderoso estímulo para a degenerescência daquelas almas imperfeitas, porém sortudas!
Por conseguinte se chega a conclusão que providências deverão ser tomadas com respeito ao livre arbítrio de cada espírito que ingressar no Paraíso. Estes passarão a ter uma existência “robótica” ou Deus com seu infinito poder, por meios inimagináveis pela razão humana, tem uma carta na manga capaz de conciliar perfeição moral e livre arbítrio?
Qualquer que seja a alternativa ela nos remete ao mesmo problema: porque Deus não optou por esta solução logo de início?
Com efeito, se vamos ser robóticos eternamente então pra quê testar o livre arbítrio? E se é possível conciliar perfeição moral e livre vontade porque Adão e Eva já não vieram com este opcional de fábrica?
As implicações teológicas destas considerações são gravíssimas porque se Deus tem uma solução para manter a santidade dos salvos por toda a eternidade, e não usou deste recurso com Adão, então cai por terra o argumento de que o homem, por sua livre escolha, foi o responsável por sua Queda. Deus passa a ter a responsabilidade absoluta.
E estas elocubrações nos remetem a outras: por quê o pecado singular de Adão foi responsável pela degeneração de todo o mundo físico e todas as almas e formas de vida, mesmo as que ainda nem existiam, tiveram que ser punidas, porém o mesmo não se deu com o mundo espiritual quando da rebelião de Satã?
Ao contrário do que ocorreu no Jardim do Éden lá não houve punição coletiva, apenas o diabo e os que quiseram segui-lo foram mandados ao inferno, os demais anjos inocentes não foram afetados pela desobediência deste anjo mau e ninguém precisou ser sacrificado em uma cruz para salva-los. Mas depois deste evento único e extraordinário todos os anjos remanescentes permanecem nos céus em santidade eterna. Como é possível?
De alguma forma é possível porque Deus tem sim a chave para criar um ser com vontade própria e mesmo assiim incapaz de pecar. Pois Ele não criou um assim para ser a mãe de Jesus?
Maria jamais pecou. Ela tinha livre arbítrio, poderia ter sido uma mulher horrível, que punha chifres no José e arrumava encrenca com os vizinhos, mas isso não ficaria bem para a biografia de Jesus. Então Deus mexeu os pauzinhos e providenciou um ser humano incapaz de pecar para ser a mãe do seu Filho.
Caracoles! Adão e Eva podiam ter sido feitos deste mesmo jeito e olha quanto problema se evitava.