O Pregador da Riqueza
Márcio Fernandes
No sul do Brasil, o padre católico Lauro Trevisan consolidou um império esotérico milionário baseado no suposto poder da mente
Um chrysler 300 preto corta silenciosamente as ruas de Santa Maria em uma manhã qualquer de janeiro, conduzindo um passageiro conhecidíssimo na cidade que boa parte do Brasil já ouviu falar devido à sua universidade federal, à sua base aérea e aos seus personagens fascinantes, o motorista do Chrysler dentre eles. São 11 horas e, ao som de uma voz grave que recita salmos no CD-player, Lauro Trevisan assim justifica seu patrimônio, não o espiritual, mas o material: “Faço a oração da riqueza. Sou um pregador da riqueza. Deus dá o que se pede e eu pedi isso”, sentencia, sem rodeios, quando o questiono sobre seu carrão, uma máquina empurrada por 340 cavalos de potência e quitada dias antes – R$ 170 mil, dos quais R$ 125 mil em cash (uma Mercedes conversível serviu para pagar o restante). Aos 73 anos, o padre Lauro, como é comumente chamado, é um peixe grande em uma cidade de cardume variado. Minutos antes de embarcar no Chrysler (painel em madeira nobre, teto solar, câmbio automático), ele estava despachando no Palácio da Mente, um colosso encravado no centro de Santa Maria (no interior do Rio Grande do Sul) que vale, por baixo, R$ 3 milhões. No cartório de registro de imóveis, o local está em nome dele, Lauro Trevisan, um padre que há 30 anos não pára de consolidar o império construído à base do poder da mente e da Era de Aquário, tendo o Evangelho como pano de fundo. “Ele parece o cara do Bee Gees”, avalia um pedestre que está cruzando pela rua do Palácio, no instante em que o fotógrafo Marcos Hermes faz uma sessão de fotos com o religioso. Tivesse visto um dos quadros que o retratam e ornamentam o Palácio, o comentarista o teria comparado a Jesus Cristo, e não a Barry Gibb.
Popstar que tem Orkut e garante responder a todas as mensagens postadas, e homem de negócios internacional, Lauro Trevisan é sacerdote desde os 25. Depois disso, nunca administrou uma paróquia, arrumou discussões intermináveis dentro da Igreja Católica por conta de seus livros sobre a mente humana e há anos doa sua aposentadoria de R$ 1,5 mil mensais para o Patronato Antônio Alves Ramos, onde mora desde 1960, um complexo multifuncional que abriga desde uma olaria até uma faculdade mantida pela Sociedade Vicente Pallotti, a mesma de Trevisan. Ali, celebra missas e tem à sua disposição uma quitinete bastante frugal, na qual se sobressai uma televisão 42 polegadas – quase nada quando posta diante do telão de 3 metros que decora uma das intermináveis salas da Casa da Península, misto de mansão, hotel e centro espiritual na serra de Santa Maria que o padre mantém e usufrui nos finais de semana, ao som de pássaros, cascata – dentro do imóvel – e Beethoven.
A casa é mítica para os moradores da região. Não é difícil encontrar um punhado de gente que sonha em conhecer o lugar, de 30 cômodos, dotado de sistema de som interno e externo, distante 20 quilômetros do centro da cidade, os quais regularmente Trevisan percorre em seu Chrysler, quase sempre com amigos a bordo, todos ouvindo os tais salmos, gravados, claro, com sua voz. “E que estão à venda em CD”, ressalta o religioso. Por essas e outras é que Trevisan se tornou o santa-mariense vivo mais conhecido do planeta. Seu competidor mais próximo era João Pozzobon, um agricultor com dois casamentos e sete filhos, já morto e em processo de canonização por seus 35 anos de peregrinação carregando a imagem de uma santa.
O padre Lauro atual é a cristalização de uma carreira construída por décadas, durante as quais tem relativizado vários postulados tidos como imutáveis pelos católicos, relativismo tirado de vertentes esotéricas do pensamento humano. No final dos anos 70, Lauro Trevisan era um conhecido editor de revistas católicas, membro de uma família rica da cidade e mestrando em Filosofia. Em duas décadas de sacerdócio, nunca havia sido pároco, mas seu nome estava na boca dos fiéis da fronteira gaúcha até o Mato Grosso do Sul, pelo menos, onde a revista Rainha circulava. A publicação era um estrondo e, no topo, vendia 130 mil exemplares por edição, um fenômeno até hoje. Por 15 anos, portanto, tinha sido o diretor-geral da Rainha, que, em vez dos apóstolos, estampava gente como Tarcísio Meira na capa a partir de certo período...
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