Autor Tópico: A fé na era digital  (Lida 618 vezes)

0 Membros e 1 Visitante estão vendo este tópico.

Offline Adriano

  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 8.672
  • Sexo: Masculino
  • Ativismo quântico
    • Filosofia ateísta
A fé na era digital
« Online: 22 de Março de 2008, 20:07:33 »
Citar
O ciberespaço, ambiente simbólico criado a partir da interconexão mundial de computadores, tem servido para diversos tipos de iniciativas, inclusive religiosas. Mas será possível viver experiências espirituais através da internet?

Esta questão é importante porque os espaços religiosos na rede não se limitam a divulgar informações sobre as denominações a que pertencem. As características da linguagem cibernética - interativa, convergente, atual e não-linear, para citar as principais - juntamente com os recursos de realidade virtual, são usados para proporcionar relações inovadoras entre o humano e o divino.

Um caso interessante são as velas virtuais do portal do Santuário de Nossa Senhora Aparecida. Uma breve olhada na história do Cristianismo no Ocidente mostra que a religião cristã só consegue prevalecer quando passa a tomar conta da paisagem sagrada deixada pelo paganismo. São as peregrinações, locais de romaria, relíquias e tumbas de santos que tornaram a fé cristã plausível para as populações camponesas, ligadas à dinâmica concreta da terra, do clima, das fontes de água e de uma série de entidades que auxiliavam estes grupos na vida cotidiana.

Já o portal do santuário mariano promete “Nossa Senhora Aparecida pela internet e no celular”. Ou seja, é a santa que vai digitalmente até as pessoas, e não os fiéis que se dirigem fisicamente até a santa. E esta mesma santa atende às intenções dos devotos através de velas votivas virtuais, uma seção do portal que permite o usuário carregar a imagem de uma vela de sete dias como se ele estivesse na própria basílica acendendo. Depois de acesa, o internauta pode inclusive verificar a queima da vela, cuja imagem progressivamente muda de tamanho até se extinguir.

As velas votivas comuns são objetos religiosos impregnados de valores e apelos sensoriais. A textura da cera, a cor, o volume e o tamanho da vela, o ato de ascender o pavio e fixá-la, a visão e a sensação da fumaça e da chama bruxuleante ao vento, o cheiro e o calor exalados com a combustão fazem parte do complexo sinestésico envolvido neste singelo gesto. E como a peregrinação, a vela está intimamente ligada aos espaços sagrados onde é acesa, que a fazem arder em nome da relação entre fiéis e a dimensão espiritual. Mas como ardem as velas virtuais? A compreensão de fenômenos como este é vital para se entender a experiência sagrada mediada por tecnologias de comunicação.

Outro ponto importante é a oportunidade facilitada pelo ciberespaço para a expressão de religiosidades não-canônicas. Não se trata exclusivamente de páginas na Internet para crenças incomuns, iniciativas críticas ou denominações de pouca visibilidade social. Refiro-me principalmente ao fato de que as respostas da religião institucionalizada são muito lentas e por vezes vagas diante das indagações urgentes e muita específicas dos fiéis.

A Internet fornece um espaço dinâmico, devido as características da comunicação em rede, para que os vazios da religião oficial sejam ocupados por grupos de pessoas interessadas em construir sentidos sobre o mundo a partir de referenciais sagrados. São grupos de discussão, comunidades virtuais e websites que divulgam conteúdos religiosos com marca própria, ainda que continuem a pertencer a conjuntos religiosos mais amplos.

Assim, procurar Deus no ciberespaço pode ser inventivo e desafiador para quem se interessa pelas variedades da experiência religiosa.


Evandro Bonfim é jornalista e antropólogo, pesquisa a relação entre experiência religiosa e meios de comunicação.

http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/774768.html
Princípio da descrença.        Nem o idealismo de Goswami e nem o relativismo de Vieira. Realismo monista.

 

Do NOT follow this link or you will be banned from the site!