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O ciberespaço, ambiente simbólico criado a partir da interconexão mundial de computadores, tem servido para diversos tipos de iniciativas, inclusive religiosas. Mas será possível viver experiências espirituais através da internet?Esta questão é importante porque os espaços religiosos na rede não se limitam a divulgar informações sobre as denominações a que pertencem. As características da linguagem cibernética - interativa, convergente, atual e não-linear, para citar as principais - juntamente com os recursos de realidade virtual, são usados para proporcionar relações inovadoras entre o humano e o divino.Um caso interessante são as velas virtuais do portal do Santuário de Nossa Senhora Aparecida. Uma breve olhada na história do Cristianismo no Ocidente mostra que a religião cristã só consegue prevalecer quando passa a tomar conta da paisagem sagrada deixada pelo paganismo. São as peregrinações, locais de romaria, relíquias e tumbas de santos que tornaram a fé cristã plausível para as populações camponesas, ligadas à dinâmica concreta da terra, do clima, das fontes de água e de uma série de entidades que auxiliavam estes grupos na vida cotidiana.Já o portal do santuário mariano promete “Nossa Senhora Aparecida pela internet e no celular”. Ou seja, é a santa que vai digitalmente até as pessoas, e não os fiéis que se dirigem fisicamente até a santa. E esta mesma santa atende às intenções dos devotos através de velas votivas virtuais, uma seção do portal que permite o usuário carregar a imagem de uma vela de sete dias como se ele estivesse na própria basílica acendendo. Depois de acesa, o internauta pode inclusive verificar a queima da vela, cuja imagem progressivamente muda de tamanho até se extinguir.As velas votivas comuns são objetos religiosos impregnados de valores e apelos sensoriais. A textura da cera, a cor, o volume e o tamanho da vela, o ato de ascender o pavio e fixá-la, a visão e a sensação da fumaça e da chama bruxuleante ao vento, o cheiro e o calor exalados com a combustão fazem parte do complexo sinestésico envolvido neste singelo gesto. E como a peregrinação, a vela está intimamente ligada aos espaços sagrados onde é acesa, que a fazem arder em nome da relação entre fiéis e a dimensão espiritual. Mas como ardem as velas virtuais? A compreensão de fenômenos como este é vital para se entender a experiência sagrada mediada por tecnologias de comunicação.Outro ponto importante é a oportunidade facilitada pelo ciberespaço para a expressão de religiosidades não-canônicas. Não se trata exclusivamente de páginas na Internet para crenças incomuns, iniciativas críticas ou denominações de pouca visibilidade social. Refiro-me principalmente ao fato de que as respostas da religião institucionalizada são muito lentas e por vezes vagas diante das indagações urgentes e muita específicas dos fiéis.A Internet fornece um espaço dinâmico, devido as características da comunicação em rede, para que os vazios da religião oficial sejam ocupados por grupos de pessoas interessadas em construir sentidos sobre o mundo a partir de referenciais sagrados. São grupos de discussão, comunidades virtuais e websites que divulgam conteúdos religiosos com marca própria, ainda que continuem a pertencer a conjuntos religiosos mais amplos.Assim, procurar Deus no ciberespaço pode ser inventivo e desafiador para quem se interessa pelas variedades da experiência religiosa.Evandro Bonfim é jornalista e antropólogo, pesquisa a relação entre experiência religiosa e meios de comunicação.http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/774768.html