EUA estão mal, mas Wall Street é que rachou, não a indústria e o agronegócio, líderes mundiaisQueda do dólar revigora exportações dos EUA e ajuda a limpar as mazelas da banca toleradas pelo FedCom a crise bancária completando oito meses de sangria desatada, o dólar quebrando sem cerimônia todos os recordes de baixa contra o que se poderia chamar de “moedas amigas”, como o euro, a libra e o iene, e testando a resistência das rivais, o yuan, sobretudo, e as dos países petroleiros do Golfo Árabe, a recessão cantada como a pior desde a II Guerra, os EUA, segundo a imprensa e as aziagas análises dos economistas, já estão com a missa encomendada.
O que mais se lê, no entanto, é o que dizem os economistas sobre o apuro dos bancos de Wall Street, a capital financeira dos EUA e do mundo, que é só um pouco mais grave que a da Citi londrina, com a qual disputa a liderança dos negócios globais com ações e renda fixa. No mundo das finanças, hoje, notícia boa é só quando passa o dia e ninguém falou de baixas contábeis e de outro fundo quebrado.
Como frango de granja à espera do milho, Wall Street se alimenta não mais dos meganegócios, que faziam de seus artífices heróis da economia global, mas da ração servida pelo Federal Reserve e até pelos bancos centrais dos países algemados à ciranda do subprime.
As pessoas falam de recessão, como escreveu no Washington Post o economista Robert Samuelson, um dos poucos a manter a serenidade, como se fosse a segunda onda de Genghis Khan - o bárbaro que por onde passava não nascia nem capim, segundo reza a lenda.
O fato é que a economia real - da produção, comércio, serviços -, embora enfraquecendo, não entrou em colapso. A previsão é que os americanos comprem 15 milhões de carros este ano. É menos que os 16,5 milhões comprados em 2007, diz Samuelson, mas ainda é muito.
Aliás, nem os EUA parecem caminhar para o buraco. Transformações da economia estão em curso à sombra da crise financeira, e sobre elas nem o governo fala já que feitas à custa do derretimento do dólar, e há um movimento febril entre os legítimos empreendedores americanos para encontrar tecnologias de ruptura que devolvam ao país outra vez o comando das iniciativas.
Foi assim com a internet e as tecnologias da informação, que mudaram tudo, da economia à cultura, e provocaram a bolha de especulação que antecedeu a dos imóveis: a das empresas ponto.com da bolsa eletrônica Nasdaq.
Celebração do caosAfaste-se do que Samuelson chama de “celebração da histeria” e se achará uma máquina de US$ 14 trilhões envolvida num duro ajuste de suas duas maiores distorções: os déficits comercial e fiscal. Este em parte explica o outro. O governo Bush o agravou ao reduzir os impostos e levar os EUA à guerra no Iraque. O superávit legado por Bill Clinton foi torrado em menos de dois anos. Ajuste fiscal para valer é esperado para 2009, com o novo governo eleito em outubro.
Ainda assim, o déficit fiscal parou de crescer. Notável, porém, é a recuperação da mãe de todas as crises financeiras dos EUA e da derrocada do dólar, que por tal aspecto não seria bem uma ruína: a redução paulatina dos megadéficits comerciais. E não só pela queda das importações devido à fraqueza do consumo doméstico, mas graças à expansão das exportações pela maior competitividade do dólar.
Regalia exorbitanteOs EUA vêm desde 2001 - e de modo acentuado depois da crise do crédito – com o dólar em contínua desvalorização, medida extrema para uma moeda convencionada pelos acordos internacionais como o meio de pagamento global, e por isso reserva de valor.
Mas o que o ex-presidente da França Charles de Gaulle chamou na crise de 1971 de “privilégio exorbitante da América”, a sua capacidade de gastar à custa da inflação exportada sob a forma de dólares ociosos que só ela pode emitir, passou a exorbitar não a favor, e sim contra o país.
A depreciação do dólar é o antídoto contra esse mal.
Por que o dólar caiPara restaurar os meios de o país bancar com produção exportada o que precisa importar é que o dólar cai, e já há resultados. No ano passado, o déficit comercial recuou 9% e a necessidade de recursos externos caiu de 6,2% do PIB para 5,3%.
É também a forma de limpar as mazelas de Wall Street, consentidas pelo Fed para que o derrame de dólares ociosos tivesse a lógica de ativos financeiros que dão aos bancos centrais e investidores de fora os meios para financiar os monumentais déficits em contas correntes dos EUA.
A crise atual é sintoma desse mal, e mais virão se não for extirpado, ou venha o pior: os EUA negociarem uma saída empunhando seu escudo militar.
Crises econômicas envolvem também exercícios de geopolítica, se o organismo debilitado tiver alguma proeminência estratégica. Deu-se assim com a quebra da Rússia, quando o PIB caiu quase 30%. Não se jogam potências nucleares às feras do FMI, que nunca arreganhou os dentes para a Índia, mas foi atrevido com Brasil, México etc.
Não é esse o caso dos EUA, que têm reserva de fôlego para grandes saltos, um invejável aparato de desenvolvimento de tecnologias que podem mudar paradigmas e talento empreendedor inigualável. A crise de Wall Street, por exemplo, não retrata o esforço privado tratado como missão para a descoberta de combustíveis alternativos.
Na prática, há dois países: o da crise e o da veia empreendedora, que se sustenta no maior ativo industrial e agrícola do mundo. Os EUA têm 5% da população mundial e um quarto da produção industrial global, que se mantém há décadas. A temida China tem apenas 10%.
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