Autor Tópico: Entre Bonobos e Chimpanzés  (Lida 1398 vezes)

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Offline Nightstalker

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Entre Bonobos e Chimpanzés
« Online: 03 de Abril de 2008, 22:35:49 »
Entre Bonobos e Chimpanzés


Rodrigo Constantino

"Eis a beleza da reciprocidade: a generosidade compensa." (Frans de Waal)


"Podemos tirar o primata da selva, mas não a selva do primata". Eis como Frans de Waal começa seu livro Eu, Primata, onde argumenta que costumamos culpar a natureza pelo que não gostamos em nós, mas esquecemos de dar-lhe crédito pelo que gostamos. O biólogo holandês foca bastante no comportamento do nosso outro parente primata, muitas vezes ignorado, que são os bonobos. Ao contrário dos chimpanzés, eles apresentam comportamento bem mais pacífico, resolvem disputas através do sexo e são comunidades matriarcais. Para ressaltar nossa natureza violenta, muitos citam os chimpanzés, e deixam de lado os bonobos, nosso outro parente próximo que desmente a idéia de que nossa linhagem é puramente sanguinária.

Para Waal, "o chimpanzé, brutal e sedento de poder, contrasta com o pacato e erótico bonobo; são como dr. Jeckyll e mr. Hyde". Para ele, "nossa natureza é um casamento incômodo dos dois". Isto estaria por trás dos sentimentos opostos onde ora nos vemos como a "jóia da criação" e ora como os grandes vilões do mundo. Não é possível negar inúmeras características humanas, especialmente no meio político*, que nos remetem ao comportamento dos chimpanzés. A busca desenfreada pelo poder desperta o que há de pior nos seres humanos. Mas, por outro lado, a sensibilidade e a empatia dos mais pacíficos bonobos são igualmente detectáveis em nossa espécie. Habitam em nossa natureza vestígios tanto de um quanto do outro. A diferença fundamental entre nossos dois parentes mais próximos, segundo Waal, é que "um resolve as questões de sexo com poder, e o outro, as questões de poder com sexo".

Frans de Waal não concorda com a visão pessimista de que os homens são os lobos dos homens, e que somos a única espécie na Terra que pode vencer os instintos básicos, como se estes fossem todos de natureza negativa. Para ele, assim como para Darwin, nossas características humanitárias baseiam-se em instintos sociais que temos em comum com outros animais. Existem diversos relatos de ações nobres praticadas por animais, como uma gorila que ajudou um menino que caiu no zoológico ou uma chimpanzé que tentou salvar um pássaro machucado. O que consideramos um código moral pode muito bem ter sua origem no próprio processo evolutivo. As pessoas confundem muitas vezes o processo com o resultado, achando que a seleção natural, por ser um processo cruel e impiedoso de eliminação, tem necessariamente que produzir criaturas cruéis e impiedosas. Waal chama essa confusão entre processo e produto de "erro de Beethoven", lembrando que o mestre criou suas sofisticadas sinfonias num verdadeiro chiqueiro. Coisas maravilhosas podem nascer em circunstâncias atrozes.

O animal homem, com características similares tanto aos chimpanzés como aos bonobos, supera seus parentes próximos tanto do lado positivo da escala como do negativo. Para ser cruel, o homem é capaz de atrocidades espantosas, como os regimes nazista e comunista demonstraram. Mas para fazer o bem, o homem também demonstra uma capacidade bastante superior, pelo grau de empatia que é capaz de sentir, pois pode se imaginar no lugar do sofredor como nenhum outro animal. Temos uma natureza tanto competitiva como solidária. "Para serem bem-sucedidos, os animais sociais têm de ser falcões e pombas", afirma Waal. Quanto maior a dependência mútua, maiores as chances de harmonia no convívio. Afinal, quando o seu sucesso depende do sucesso alheio, a hostilidade perde muito de seu sentido. Por isso a globalização e a divisão de trabalho acabam funcionando como entraves para guerras, enquanto o isolamento favorece a hostilidade entre grupos.

A reciprocidade é um conceito fundamental para o convívio social. Sua origem pode estar na assistência aos parentes, favorecendo as chances de sobrevivência dos genes. Uma vez surgida a sensibilidade, seu alcance pode ter se expandido. A bondade que as religiões e filosofias recomendam já fazia parte de nossa condição humana. Para Waal, "não estão invertendo o comportamento humano, apenas ressaltando capacidades preexistentes". A empatia e a simpatia são sentimentos naturais aos humanos, tanto que uma pessoa que não as demonstra é vista como mentalmente doente e perigosa, um psicopata. Empatia, definida como a capacidade de ser afetado pelo estado de outro indivíduo ou criatura, é algo que outros animais além do homem também são capazes de expressar. Macacos em experimentos deixaram de puxar uma maçaneta que lhes fornecia comida quando companheiros ao lado levavam choque como resultado dessa ação. Um deles ficou doze dias sem comer!

A explicação de Waal para este ato altruísta não está na preocupação com o bem-estar alheio, mas na aflição causada pela aflição dos outros. Essa reação teria enorme valor para a sobrevivência. "Se outros demonstram medo e aflição, pode haver boas razões para que você também se preocupe", ele explica. Quando um pássaro no chão subitamente sai voando, todos os outros copiam. O que ficar para trás pode ser a presa. O pânico se alastra depressa provavelmente por este motivo, inclusive entre humanos. O auto-reconhecimento, que somente os grandes primatas apresentam, permite uma forma superior de empatia. Bonobos são capazes de consolar, perdoar e ajudar outros bonobos. A regra de ouro diz que não devemos tratar os outros como não desejamos ser tratados. Os nossos parentes mais próximos podem não conhecer de forma consciente esta regra, mas a seguem mesmo assim.

Os seres humanos não são insetos gregários, e Waal entende isso quando diz: "Não é o grupo o primeiro interesse de todo indivíduo, e sim ele próprio e sua família imediata". Mas isso não nos impede de alimentar sentimentos solidários. Afinal, tal postura está no nosso próprio interesse, além de ser totalmente natural. "Dar-se bem com os outros é uma habilidade crucial, pois as chances de sobreviver fora do grupo, em meio a predadores e vizinhos hostis, são desalentadoras", diz Waal. Somos seres sociais, sentimos necessidade de pertencer a um grupo. Mas isso não significa coletivismo, a ponto de colocar o grupo acima dos indivíduos, tampouco considerar estes simples meios sacrificáveis para o bem maior. Waal reconhece que "ser egoísta é inevitável e necessário, mas até certo ponto".

Quem ignora isso desconhece a nossa natureza. "Apesar dos imensos esforços doutrinários dos regimes comunistas, as pessoas se recusam a submergir em nome do bem comum", lembra o autor. Ele conclui sobre isso: "Somos sensíveis a interesses coletivos, mas não a ponto de abrir mão dos nossos interesses individuais. O comunismo ruiu devido a uma estrutura de incentivos econômicos em dessintonia com a natureza humana. Infelizmente isso só ocorreu depois de ter causado mortes e sofrimentos imensos".

O homem não é um escravo de seus genes. Ele possui o livre-arbítrio, ainda que influenciado por inúmeros fatores fora de seu poder. Além disso, ele também não é um chimpanzé ou um bonobo, mesmo que tenha um ancestral comum e compartilhe de uma estrutura genética bem parecida. Possuímos o instrumento epistemológico mais potente de todos: a razão. Podemos questionar sobre isso tudo, diferente dos outros primatas. Não obstante, observar nossos parentes próximos pode elucidar diversas coisas sobre certas tendências comportamentais. São influências que chamamos de "instinto", ainda que o nome possa gerar confusão. No entanto, o foco tem sido todo voltado para o comportamento dos violentos chimpanzés. Frans de Waal presta um bom serviço ao mostrar melhor outro parente, muito mais empático e amigável que o chimpanzé. Nossos "instintos básicos" não devem ser comparados somente aos desse primata. Em termos de uma "moral natural", estamos entre os bonobos e os chimpanzés.

* Waal questiona: "Alguém já ouviu um candidato admitir que quer o poder? Obviamente o termo ‘servir’ tem duplo objeto: quem acredita que é apenas pensando no nosso benefício que eles mergulham no mar de ofensas pessoais da democracia moderna? Será que os próprios candidatos acreditam nisso? Que sacrifício absolutamente incomum seria! Trabalhar com chimpanzés é um alívio: eles são os políticos sinceros pelos quais todos ansiamos". O curioso é tanta gente entender isso e, ainda assim, encarar o governo, formado por esses políticos em busca de poder próprio, como uma espécie de deus. O governo, formado por "chimpanzés egoístas", será o ente altruísta e clarividente. Talvez seja a maior e mais comum contradição do mundo!
PS: Sugiro o seguinte vídeo no YouTube:
Fonte
Conselheiro do Fórum Realidade.

"Sunrise in Sodoma, people wake with the fear in their eyes.
There's no time to run because the Lord is casting fire in the sky.
When you make sin, hope you realize all the sinners gotta die.
Sunrise in Sodoma, all the people see the Truth and Final Light."

Atheist

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Re: Entre Bonobos e Chimpanzés
« Resposta #1 Online: 04 de Abril de 2008, 00:28:19 »
Texto muito bom!

Offline Adriano

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Re: Entre Bonobos e Chimpanzés
« Resposta #2 Online: 04 de Abril de 2008, 06:47:37 »
Texto muito bom!
2

Abordou a sociobiologia e com maestria  :)

Princípio da descrença.        Nem o idealismo de Goswami e nem o relativismo de Vieira. Realismo monista.

Offline fernaoorphao

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Re: Entre Bonobos e Chimpanzés
« Resposta #3 Online: 07 de Abril de 2008, 00:10:55 »
 Na verdade a abordagem da Sociobiologia não foi tão boa assim, como se pode ver pelo trecho:

A reciprocidade é um conceito fundamental para o convívio social. Sua origem pode estar na assistência aos parentes, favorecendo as chances de sobrevivência dos genes.

 Altruísmo recíproco e seleção inclusive por comportamento direcionado a parentes (kin selection) são mecanismos bem distintos. A origem do primeiro não está no segundo, mas segundo alguns (e.g., Robert Trivers) ambos os mecanismos co-existem em organismos vivendo em grupos grandes e complexos aonde devem co-operar com indivíduos não-aparentados.

 Mas vale lembrar que Sociobiologia Humana "crássica" à la Wilson já tá bem obsoleta.
"The first principle is that you must not fool yourself - and you are the easiest person to fool"
Richard Feynman

Offline Adriano

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Re: Entre Bonobos e Chimpanzés
« Resposta #4 Online: 07 de Abril de 2008, 01:29:56 »
Tem razão, mas considerando que o Constantino é da área de economia, e da filosofia do egoismo radical, até que ele fez uma grande aproximação. Me surpreendeu.
Princípio da descrença.        Nem o idealismo de Goswami e nem o relativismo de Vieira. Realismo monista.

Offline Buckaroo Banzai

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Re: Entre Bonobos e Chimpanzés
« Resposta #5 Online: 07 de Abril de 2008, 11:48:42 »
Na verdade a abordagem da Sociobiologia não foi tão boa assim, como se pode ver pelo trecho:

A reciprocidade é um conceito fundamental para o convívio social. Sua origem pode estar na assistência aos parentes, favorecendo as chances de sobrevivência dos genes.

 Altruísmo recíproco e seleção inclusive por comportamento direcionado a parentes (kin selection) são mecanismos bem distintos. A origem do primeiro não está no segundo, mas segundo alguns (e.g., Robert Trivers) ambos os mecanismos co-existem em organismos vivendo em grupos grandes e complexos aonde devem co-operar com indivíduos não-aparentados.

Como é que se pode saber que o altruísmo recíproco certamente não teve origem no comportamento dirigido à parentes?





Isso de bonobos e chimpanzés.... lembrei de algo que li há algum tempo... era mais ou menos um(ns) direitistas querendo refutar que os bonobos são meio hippies (com um ou outro caso de assassinato observado, se não me engano) porque acham que de alguma forma isso implicaria que nós também não somos, e logo, que deveríamos ser mais belicistas, num tipo de apelo à natureza misturado com deturpação científica.

Offline Rodion

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Re: Entre Bonobos e Chimpanzés
« Resposta #6 Online: 07 de Abril de 2008, 13:47:20 »
Citar
Quite a few discarded their weapons and gestured to us to throw the fish. The women came out of the shade to watch our antics...A few men came and picked up the fish. They appeared to be gratified, but there did not seem to be much softening to their hostile attitude...They all began shouting some incomprehensible words. We shouted back and gestured to indicate that we wanted to be friends. The tension did not ease. At this moment, a strange thing happened - a woman paired off with a warrior and sat on the sand in a passionate embrace. This act was being repeated by other women, each claiming a warrior for herself, a sort of community mating, as it were. Thus did the militant group diminish. This continued for quite some time and when the tempo of this frenzied dance of desire abated, the couples retired into the shade of the jungle. However, some warriors were still on guard. We got close to the shore and threw some more fish which were immediately retrieved by a few youngsters. It was well past noon and we headed back to the ship..

a ver pelo comportamento dos sentineleses, eu acho razoável supôr que estamos mais pra bonobos do que pra chimpanzés.
(reparem, no vídeo, há um momento em que um sentinelês segura o próprio órgão sexual para o documentarista, sabe-se lá com que intento)
"Notai, vós homens de ação orgulhosos, não sois senão os instrumentos inconscientes dos homens de pensamento, que na quietude humilde traçaram freqüentemente vossos planos de ação mais definidos." heinrich heine

Offline Pregador

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Re: Entre Bonobos e Chimpanzés
« Resposta #7 Online: 07 de Abril de 2008, 13:49:02 »
Nós não estamos a meio-termo de bonobos e chimpanzés, eles é que são os extremos de nosso justo meio.

Isso para que não se esqueçam quem é que manda...
"O crime é contagioso. Se o governo quebra a lei, o povo passa a menosprezar a lei". (Lois D. Brandeis).

Offline Nina

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Re: Entre Bonobos e Chimpanzés
« Resposta #8 Online: 07 de Abril de 2008, 13:55:25 »
::)
"A ciência é mais que um corpo de conhecimento, é uma forma de pensar, uma forma cética de interrogar o universo, com pleno conhecimento da falibilidade humana. Se não estamos aptos a fazer perguntas céticas para interrogar aqueles que nos afirmam que algo é verdade, e sermos céticos com aqueles que são autoridade, então estamos à mercê do próximo charlatão político ou religioso que aparecer." Carl Sagan.

 

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