Por Trás do Véu de ÍsisRodrigo Constantino
"O fato de um crente ser mais feliz que um cético não é mais pertinente que o fato de um homem bêbado ser mais feliz que um sóbrio." (George Bernard Shaw)A dor da perda de um filho é algo simplesmente impossível de ser mensurado por quem não passou por tal desgraça. Deve ser realmente insuportável conviver com uma perda deste tipo, inversa a todo o curso natural da vida. A perda dos pais representa a perda de uma parte do passado, mas a perda de um filho significa a perda do futuro. Muitos pais que passam por este sofrimento absurdo encontram algum consolo no espiritismo. A idéia de que o filho continua vivo, apenas em outra dimensão, pode confortar um pouco os pais desesperados. Alguns médiuns oferecem inclusive contato com o suposto além, através da psicografia. Os filhos mortos enviariam mensagens de consolo para os pais vivos, através de figuras como Chico Xavier.
O jornalista Marcel Souto Maior fez uma investigação sobre a suposta comunicação entre vivos e mortos, e o resultado aparece no livro Por Trás do Véu de Ísis. Conforme ele mesmo explica, “na mitologia egípcia, o véu da deusa Ísis é a teia que separa morte e vida, o conhecido e o desconhecido, o eterno e o efêmero”. Ísis é também o símbolo do desespero de quem perde um ente querido – no caso dela, o marido Osíris. O jornalista tenta fazer uma busca por respostas de forma imparcial, mas fica claro no livro que ele mesmo deseja encontrar uma afirmação em relação à crença nos espíritos. No livro, vemos justamente esta característica comum: todos que partem em busca de mensagens psicografadas do além estão desesperados por um sinal qualquer. Eles, acima de tudo, querem muito acreditar que estão entrando em contato com seus parentes falecidos. Tanta emoção é o inimigo número um da busca pela verdade.
Marcel visitou vários centros espíritas e entrevistou alguns médiuns. Ele foi autor também do livro As Vidas de Chico Xavier, uma biografia do mais famoso médium que o país já teve. Para quem não compartilha da fé na vida após a morte, nenhum relato do livro chega a impressionar realmente. Na grande maioria dos casos, o médium se limita a repetir nomes e sobrenomes, às vezes endereços ou telefones. Nada que não pudesse ser rapidamente pesquisado antes. Fora isso, os parentes em busca de consolo participam de uma entrevista com o médium antes, e quase sempre as informações relatadas na psicografia foram fornecidas por eles mesmos. Para alguém “de fora”, tudo parece uma grande encenação, ainda que com a boa intenção de auxiliar na dor dessas pessoas.
O próprio autor pergunta e responde: “É possível forjar mensagens psicografadas? É. É possível reunir o máximo de informações possível sobre determinadas famílias e construir mensagens dos espíritos a partir desses dados e das lições básicas do espiritismo? É”. Todos ali presentes estão em busca da mesma coisa: um desesperado consolo. Querem crer que a morte não existe de fato, que o filho morto continua vivo de alguma forma diferente apenas. Muitos estão em busca de conforto para o sentimento de culpa também. Desejam uma mensagem do filho garantindo que estão bem e que se “libertaram”, afirmando que os pais não devem se culpar por nada do que aconteceu. Uma dessas mães chegou a afirmar que precisava da mensagem muito mais do que poderia admitir, e que “em hipótese alguma” iria duvidar do teor delas. Posso imaginar, por ser pai, que uma das primeiras coisas que deve passar na cabeça de quem perde um filho é o que poderia ter sido feito para evitar tal desgraça. Deve ser terrível conviver com este sentimento, e muitas mensagens psicografadas têm justamente este teor, aliviando os pais. O jornalista concorda com esta análise:
“São pais que precisam acreditar, desesperadamente, que as ‘crianças’ – independente da idade que tenham – estão vivas e amparadas na outra dimensão. Famílias que precisam se livrar da culpa por não terem conseguido evitar a tragédia ou se livrar de dúvidas insuportáveis sobre as circunstâncias da morte. Suicídio? Assassinato? Tiro acidental? Muita dor? Gente que precisa, enfim, ouvir dos próprios filhos a frase definitiva: ‘Vocês não têm culpa, eu não tenho culpa. O que aconteceu estava escrito, era um compromisso assumido em outras vidas, um resgate inevitável’.”
A crença de que esta vida é apenas uma passagem, que o corpo é somente uma carcaça que carrega nosso espírito, e que tudo está escrito e determinado conforta quando acidentes banais tiram a vida de alguém muito querido. Mas o conforto oferecido não é garantia, de forma alguma, da veracidade da crença. Os adeptos do espiritismo, no desejo de defender sua fé, costumam oferecer respostas para justificar certas constatações incômodas. Se o estilo das mensagens é tão parecido e, muitas vezes, não reflete o estilo e o vocabulário dos remetentes quando vivos, a explicação estaria no fato de o médium ser um intermediário e, ao captar e transmitir as comunicações do além, estar sujeito a interferir no estilo e no conteúdo da mensagem. A necessidade de fornecer vários dados sobre os mortos é explicada da seguinte forma: “O melhor é fornecer aos médiuns o maior número de dados possível para facilitar a comunicação com o espírito”.
O que estaria por trás deste espetáculo mediúnico? Seria um simples embuste? Seria algum distúrbio psicológico do médium, que realmente acredita em seu poder? Seria um desejo de consolar os outros acima do compromisso com a verdade? Não é fácil responder isso. Em muitos casos, o médium abre mão de conforto material e nunca cobra pelas mensagens psicografadas. Alguns espíritas costumam usar isso para se defender da acusação de charlatanismo. Mas, como Waldo Vieira admite, depois de psicografar 26 livros – 17 deles com Chico Xavier, e romper com o espiritismo, são três os riscos enfrentados por qualquer médium quando se dedica a atender famílias enlutadas: poder, posição e prestígio, a “síndrome dos três pés”. Existe mais que dinheiro no mundo. Como álibis que aliviam a culpa desses “psicógrafos”, o próprio Waldo cita: o sentimento de que está difundindo a verdade maior que é Kardec, a idéia de que não pode desencorajar ninguém e a noção de que está fortalecendo as instituições. Enfim, a utilidade do ato o justifica, independente de ser ou não verdadeiro.
No entanto, creio ser importante citar o filósofo John Stuart Mill sobre isso:
“A utilidade de uma opinião é, por si mesma, uma questão de opinião: é tão discutível, tão exposta à discussão e exige tanta discussão como a própria opinião. Permanece a mesma necessidade de um juiz infalível das opiniões para decidir tanto que uma opinião é nociva, como que é falsa, a menos que a opinião condenada tenha plena oportunidade de se defender. E não bastará afirmar que ao herético se permite sustentar a utilidade ou a inocência de sua opinião, embora lhe seja proibido defender a verdade. A verdade de uma opinião faz parte de sua utilidade. Se quiséssemos saber se é ou não desejável crer numa proposição, seria possível excluir a consideração sobre ser ou não verdadeira? Na opinião, não dos maus, mas dos melhores, nenhuma crença contrária à verdade pode ser realmente útil.”Pode um falso consolo ser um bom consolo? As drogas que vendem fuga temporária da realidade são amigas verdadeiras? Não é fácil julgar os pais que, em situação de total desespero, encontram algum refúgio no espiritismo. Talvez seja preciso uma força muito rara para aceitar que o acaso existe, que acidentes ocorrem, que a vida é finita e que nem todas as desgraças devem ter algum sentido. A morte de uma criança inocente suscita inúmeras dúvidas metafísicas. Qual pode ser o sentido dessa vida? Por que ela, e não um adulto? Por que alguém bom, e não um assassino perverso? O caminho mais fácil – e confortante – é crer que tudo é parte dos planos divinos, que tinha que ser assim, que foi para libertar essa alma para sempre.
Não é fácil julgar aqueles que tomam este caminho. Mas podemos julgar, de fora, o caminho em si. E o caminho simplesmente não parece ser real, não apresenta evidências de que existe. Parece apenas uma fantasia fruto de uma extrema necessidade de acreditar. Mas a necessidade não torna a crença verdadeira, como todas as crianças que acreditaram em Papai Noel aprendem. Por trás do véu de Ísis, não há mais nada. E isso não torna a vida mais vazia ou pior. Ao contrário: justamente por isso devemos valorizar muito esta vida que temos. Ela é a única. E registro aqui meus pêsames para todos aqueles que tiveram a vida de um ente querido interrompida, dor esta que nem gosto de imaginar. Mas gostaria de lembrar também que você ainda continua vivo!
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