Homossexuais tornam-se bodes expiatórios para países islâmicos falidos
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Editorial do Le Monde
A notícia foi divulgada numa nota com poucas palavras pela Agência France-Presse, seca como uma sentença odiosa. Três sauditas considerados culpados de homossexualismo – "sodomia, casamento entre eles e incitação à pedofilia" – foram decapitados com sabre nesta terça-feira (1º), na região sul do reino. Enquanto os Estados Unidos perseguem os últimos talebans no Afeganistão, a notícia serve para nos lembrar de que o regime saudita, um dos principais aliados da América na região, é tão fanático quanto era aquele do mulá Omar em Cabul.
Não é por acaso que a Arábia Saudita foi um dos três únicos países a reconhecer a legitimidade do governo do Taleban, o qual ela apoiou ativamente até os atentados de 11 de setembro. Assim fazendo, o governo de Riad defendia a sua versão do Islã, a qual consiste, por trás do brilho da modernidade proporcionado pelo lucro com petróleo, num fundamentalismo obscurantista. Este é quase tão retrógrado quanto o seu complemento Taleban, e muito mais intolerante que aquele praticado no Irã dos aiatolás.
Sob pretexto de que a Casa dos Saud é a guardiã dos lugares santos do islã (Meca e Medina), o reino não tolera qualquer espécie de liberdade religiosa. Ele alega estar aplicando estritamente a lei islâmica (a charia, que certamente não foi feita para ser seguida com tanto zelo). Ele pratica a tortura, as amputações e a pena de morte (80 decapitações no ano passado).
A dinastia dos Saud, que nem sempre teve a sua legitimidade garantida, compra a sua tranqüilidade fazendo concessões a uma hierarquia religiosa wahhabita seguidora de uma das versões mais fundamentalistas do islã. Com isso, a sociedade saudita é vítima de uma espécie de esquizofrenia coletiva: tudo o que permanece escondido é permitido mas toda liberdade exercida de forma escancarada é condenável. Isso também leva o nome de hipocrisia.
O islã condena a homossexualidade. Mas, em inúmeros países árabes, como acontecia no passado na Europa, o homossexual não passa de um formidável bode expiatório. Em meados de novembro passado, no Cairo – uma cidade que fora por muito tempo um oásis de tolerância –, 23 egípcios acusados de homossexualismo foram condenados a penas que chegaram a até cinco anos de prisão firme. Todos disseram ter sido "maltratados" durante a instrução. Após terem sido condenados pela Alta Corte de Segurança do Estado, todos eles foram oferecidos à voracidade dos fotógrafos da imprensa local.
A organização Anistia Internacional os adotou na qualidade de prisioneiros de consciência, uma vez que todos foram presos por razões políticas, tornando-se vítimas do jogo de equilíbrio ao qual se dedica o presidente Hosni Moubarak: reprimir duramente os islâmicos, sim, mas, de vez em quando, fazer-lhes também algumas concessões – organizando com estardalhaço um processo público da homossexualidade...
Não existe nesse caso nenhum relativismo religioso ou cultural que valha. As condenações da homossexualidade são políticas, e nada mais. Elas são amplamente condenadas por populações que, tradicionalmente, praticam uma tolerância serena. Elas dizem muito mais sobre o estado real da maioria dos regimes árabes: pouco democráticos, de legitimidade incerta, acumulando fracassos econômicos, e, portanto, em busca de bodes expiatórios.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
http://www.consciencia.net/opiniao/arquivo/lemonde.html