Mulher dos pés à cabeça
Aos 77 anos, o zoólogo e escritor inglês Desmond Morris faz do corpo feminino o seu alvo em "A mulher nua". TATIANA BELTRÃO/ Agência RBS
Toda mulher tem um corpo lindo, costuma dizer o zoólogo e escritor inglês Desmond Morris. Em tempos de culto a padrões de beleza rígidos e de construção artificial dos atributos físicos, o bordão pode parecer pouco convincente. Mas Morris insiste: toda mulher tem um corpo lindo, porque ele é o brilhante coroamento de milhões de anos de evolução, ajustes e refinamentos que o tornam o mais extraordinário organismo do planeta.
É assim, do ponto de vista de um especialista em evolução de primatas, que Morris, 77 anos, apresenta o corpo feminino em A Mulher Nua (Ed. Globo, R$ 42). O livro explica como o corpo das fêmeas humanas evoluiu ao longo de milhares de anos na forma e também nos diferentes sentidos que se deram a ele em cada época ou cultura.
Para isto, Morris (autor também de O Macaco Nu, best-seller de 1967) faz uma viagem pelo corpo feminino, literalmente dos pés à cabeça. Em cada capítulo, disseca uma parte específica, explica sua evolução biológica, desde milhões de anos atrás, e mostra como padrões de beleza e tabus se alteraram.
As sociedades humanas sempre tentaram modificar o corpo feminino de muitas maneiras (inofensivas, como a maquiagem, bem dolorosas, como a atrofia dos pés das chinesas ou a mutilação genital de meninas, prática cruel que persiste em 20 países). Mas se as interven-
ções sempre existiram, A Mulher Nua indica que o corpo nunca foi tão alterado quanto agora, era das cirurgias estéticas. Uma mania que, como todas, deve acabar: talvez daqui a algumas décadas, os implantes de silicone pareçam costume tão esdrúxulo quanto as sobrancelhas artificiais de pelo de rato que foram febre na Inglaterra no século 18 ou as perucas feitas de cabelos de inimigos vencidos, usadas pelas egípcias há cinco mil anos.
O que Morris quer mostrar é que, apesar de tudo que fizemos com nossos corpos desde sempre - e (por mais que doa admitir) na maior parte das vezes para agradar aos machos, desde o tempo de nossas primas primatas até agora -, a mulher passou por mais mudanças que o homem em sua evolução até tornar-se um organismo fantástico, funcional, inteligente, altamente evoluído e maravilhosamente refinado, como garante o autor. Assim, até dá para sentir-se feliz com o próprio corpo, mesmo que ele não se pareça com o de beldades que ilustram estas páginas. Afinal, o que são rugas, estrias e celulites frente a milhões de anos de sábia evolução?
Pernas
A postura ereta, extremamente rara em mamíferos, foi o que nos deu as pernas que temos hoje, explica Desmond Morris. Parece estranho pensar que esta "obra-prima da engenharia" que nos permite equilibrar-se, caminhar, correr, saltar e dançar permaneceu oculta nas mulheres (na maioria das sociedades) até o século 20. Foi só depois da 1ª Guerra que as mulheres começaram a descobrir as pernas.
Em geral, o comprimento das pernas corresponde à metade da altura total do corpo. Em algumas privilegiadas, no entanto, a Natureza extrapolou estas medidas - como na modelo brasileira Ana Hickmann, conhecida pelas longas pernas. Se a regra valesse, ela precisaria ter 2m40cm de altura para merecer o 1m20cm de perna que Deus lhe deu.
Seios
Diferente das demais primatas, a mulher tem mamas hemisféricas, redondas, mais difíceis do filhote abocanhar do que os mamilos das macacas (que apenas incham na época da amamentação). Por que então desenvolvemos seios assim? Provavelmente, como forma de atrair os machos, diz Morris. Quando andávamos de quatro, eram as nádegas o sinal sexual aparente. Quando homens e mulheres passaram a andar eretos, passaram a se ver de frente, e elas desenvolveram outro atributo de atração sexual, mas frontal: os seios. Eles cresceram assim, redondos e firmes, para lembrar as nádegas, explica o zoólogo.
Muitas mulheres se empenham em acentuar esta semelhança: desde o primeiro implante de silicone, em 1963, no Texas, a prática virou "boom" mundial (com o Brasil entre os campeões, e a atriz Pamela Anderson entre as principais representantes da mania). Mas Morris anuncia uma tendência: a volta aos seios naturais (milhares de mulheres nos EUA já retiraram os implantes).
Cabelo
"Um dos maiores mistérios da anatomia humana: por que desenvolvemos essas madeixas ridiculamente longas? Qual foi sua vantagem evolutiva, se no mundo tribal uma cabeleira poderia ser um estorvo?", pergunta Morris. Uma das teorias diz que o atributo, em tempos remotos, seria uma forma de diferenciar nossa espécie dos demais primatas.
A cabeleira continuou sendo símbolo de diferenciação até hoje, marcando estilos, épocas (como os imensos coques que desafiavam a gravidade nos anos 60) e culturas.
Boca
O homem é o único animal com lábios voltados para fora. Talvez tenhamos evoluído assim, com "lábios virados do avesso", como diz Morris, para podermos sugar com mais facilidade o seio da mãe.
Essa exclusividade humana sempre foi muito explorada como atributo sexual. Papiros de 1.150 A.C. mostram imagens de mulheres pintando os lábios de vermelho. Nos anos 20, a estrela de cinema Clara Bow popularizou a pintura em forma de coração. Hoje, a boca é alterada com injeções de colágeno e outras cirurgias.
Braços
Por causa da divisão de funções durante a evolução, os homens precisaram ser mais fortes para a caça. O corpo masculino tem em média 28 quilos de músculos; o feminino tem 15. Pela importância para a reprodução, o corpo da fêmea tinha que ser mais protegido da fome; por isso, a forma arredondada da mulher, que tem em média 25% de gordura (o homem tem 12,5%).
O corpo do homem é 10% mais pesado e 30% mais forte que o da mulher. Mas nada que nossa estranha vaidade e treinamento pesado não possam alterar: prova disto é o resultado assustador obtido por fisiculturistas como a da foto.
Nádegas
As nádegas proeminentes são um atributo essencialmente humano, garante Morris. Elas teriam se desenvolvido assim a partir do momento em que nossos ancestrais se puseram de pé sobre as pernas. Os músculos glúteos se expandiram para sustentar o corpo ereto. Mas, nas mulheres, as nádegas são também um atributo de atração sexual - o principal deles enquanto os hominídeos andavam de quatro, as nádegas é que estavam à vista, e a mulher ficava de costas para o homem no ato sexual.
Apesar da mudança de postura, o bumbum continua sexualmente valorizado, principalmente em países latinos (no Brasil de popozudas como Juliana Paes, diz-se que é a "preferência nacional") e, ultimamente, também entre europeus e americanos (veja o sucesso de Jennifer Lopez e a corrida por implantes de silicone para modelar a região). Talvez as mulheres não estejam tão erradas quando acusam os homens de "primitivos": possivelmente, a atração masculina pelo bumbum seja mesmo um resquício daqueles tempos animalescos, teoriza Morris.
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