Só para ajudar na discussão....
DIFICULDADES CONCEITUAIS DO CRIACIONISMODavid G. Borges
biólogo, graduando em filosofia
Com relação à “complexidade irredutível” em si, algumas considerações devem ser feitas. O próprio conceito parte de uma má-compreensão da teoria da evolução, uma vez que estruturas e sistemas não surgem “por acaso”. Ao contrário da idéia difundida popularmente, a evolução não ocorre por acaso. As mutações surgem aleatoriamente; sim, isto é correto. No entanto, dizer que a evolução se processa de forma completamente aleatória é ignorar o papel do ambiente e da seleção natural na “filtragem” das características que surgem por meio das mutações. Não interessa quantas vezes uma característica surja, ela só se manterá na população se for vantajosa para o indivíduo que a possui, ou neutra. Características deletérias são eliminadas. Não há nada de aleatório nisso. O “acaso” só entra na seleção natural quando tratamos de deriva genética – ainda assim seus efeitos são muito limitados. Temos que tomar cuidado adicional com a idéia que permeia o inconsciente popular de que genes determinam a posição de cada minúsculo componente na estrutura de um ser vivo. Genes afetam a bioquímica do ser, todas as demais alterações são consequência indireta. Parafraseando o matemático Richard Harter: “genes não são esquemas, ‘plantas’* para a célula e os processos da vida; eles são esquemas para as ‘ferramentas’ que os processos vitais utilizam. Não existe um esquema primordial para a célula no sentido em que pensamos em ‘esquemas’. A célula é um esquema de si própria, um caso em que o ‘território’ é o próprio ‘mapa’, por assim dizer”.
Outra consideração a respeito da “complexidade irredutível” de Behe é que esta hipótese ignora por completo os efeitos de mecanismos de retroalimentação, ou feedback. Utilizando um exemplo absurdamente simplificado, uma substância de estrutura simples “A” dá origem à formação de uma substância mais complexa “B”, sendo que esta substância “B” é responsável pela formação de outra substância complexa “C”, que também catalisa a formação de “B”. Se por algum motivo qualquer a substância “A” desaparecer no meio do processo, o sistema resultante não será afetado. “B” catalisa “C” e vice-versa em um sistema de retroalimentação, dando a impressão de um sistema “irredutivelmente complexo” porque tanto “B” quanto “C” são “complexas demais” e “não têm origem aparente”.
Por último, a própria idéia de um “sistema” “irredutivelmente complexo” é tautológica e sofismática. Qualquer sistema é irredutível quando você analisa um grau de “organização” maior do que o menor componente do conjunto. Nossos corpos são formados por substâncias diversas, que formam células, que formam tecidos, que formam órgãos, que formam sistemas. Qualquer órgão, tecido ou sistema (biológico ou não) quando analisado será “irredutivelmente complexo” pois estes termos são definições. Para a própria existência de um “sistema”, mais de um componente é necessário e os componentes devem estar conectados. Essa é exatamente a mesma definição de “complexidade irredutível”, mas em nada implica um “planejador” – a única coisa em que implica é que algum observador externo “agrupou” diversos elementos em uma única definição. Ou seja, “sistemas” nada mais são do que construções mentais. Eles não existem a priori na natureza.
Íntegra do ensaio:
http://linhaevo.blogspot.com/2007/01/palavra-de-especialista.html