Novas estratégias contra a tuberculose
Agência FAPESP – Duas novidades foram anunciadas pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, nesta segunda-feira (23/3), durante o 3º Fórum Mundial de Parceiros Stop TB, evento organizado pela Stop TB Partnership, iniciativa formada em 1998 que reúne integrantes da Organização Mundial de Saúde, Banco Mundial e de instituições de dezenas de países, e que está sendo realizado no Rio de Janeiro até a próxima quarta-feira (25/3).
A partir do segundo semestre deste ano, o Brasil adotará um novo esquema terapêutico para o tratamento da tuberculose, com a introdução da chamada DFC (dose fixa combinada) ou “quatro em um” – quatro drogas em um único comprimido. A medida poderá aumentar a adesão de pacientes ao tratamento da doença – hoje, 8% deles o abandonam antes da cura – e a diminuir a resistência do bacilo de Koch, que atualmente ocorre em 1,4% dos casos.
A segunda novidade é que, por meio de um acordo de transferência de tecnologia entre o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) da Fundação Oswaldo Cruz e o laboratório indiano que produz o comprimido “quatro em um”, o medicamento poderá ser produzido em breve no Brasil.
Doença que voltou com força no mundo inteiro, principalmente a partir do surgimento da epidemia da Aids, a tuberculose sempre figurou no rol das chamadas doenças negligenciadas. “Há pouco investimento em pesquisa e no desenvolvimento de novas tecnologias de tratamento e diagnóstico. Hoje, ainda usamos medicamentos e estratégias de combate à doença de cem anos atrás. É necessário que a estratégia de combate a esse mal esteja inserida dentro da política de atenção primária de qualidade”, disse o ministro.
Temporão salientou que o aumento significativo de recursos financeiros – em 2008, o Brasil gastou cerca de US$ 70 milhões para o combate à doença, contra apenas US$ 9 milhões em 2000 – já começa a se expressar em resultados objetivos.
“Tivemos de 2003 para cá uma redução de 10% no número de novos casos; nos últimos sete anos observamos uma redução aproximada de 25% na incidência da doença e uma queda de 30% na taxa de mortalidade. Além disso, há um grande esforço no sentido de ampliar a capacidade brasileira de desenvolver tecnologia e produzir internamente medicamentos para os programas de saúde pública”, disse.
O novo esquema terapêutico também poderá baratear o custo para a saúde pública. Hoje, o tratamento de cada paciente custa US$ 40 em seis meses. O “quatro em um” sairá por menos de US$ 30.
No Brasil, foram registrados 72 mil casos de tuberculose em 2007, quando 4,5 mil pessoas morreram em decorrência da doença. O Rio de Janeiro é o estado de maior incidência, com 73,27 casos por 100 mil habitantes. Na favela da Rocinha a taxa de infestação chegou a 600 casos por 100 mil, até cair para 100 casos por 100 mil entre 2005 e 2007 – ainda assim muito acima da média nacional, de 40 casos para cada 100 mil pessoas.
“No Rio de Janeiro ainda há uma estratégia de combate tradicional, ou seja, o centro de saúde aguarda que o paciente vá até ele. Em outros lugares do país, a estratégia é o contrário: o programa de saúde da família vai até as pessoas. Nossa meta é aumentar essa cobertura no Rio de Janeiro. Toda estratégia de facilitação do tratamento é fundamental”, afirmou o ministro.
Segundo Temporão, intervenções urbanísticas que garantam uma qualidade de vida melhor são necessárias.
Mais vulneráveisA incidência da tuberculose entre os homens (cerca de 50 por 100 mil) é o dobro do que entre as mulheres. O maior número de casos se concentra na faixa etária entre os 20 e 30 anos. Como cerca de um terço da população mundial é portadora do bacilo de Koch, há imunidade desenvolvida nas pessoas de maior idade.
As crianças, ao receber a vacina pela primeira vez e entrar em contato com o bacilo, tornam-se a população de maior risco, ao lado dos portadores de HIV. Por isso, a atenção maior é sobre a faixa etária que vai até os 15 anos, para que, se aquela infecção se transformar em doença, seja rapidamente diagnosticada e tratada. A doença acaba ocorrendo em adultos que, quando crianças, foram expostos ao bacilo e em alguma queda da imunidade – como no caso da Aids – a doença se expressa.
As populações mais vulneráveis são as indígenas (incidência quatro vezes maior do que a média nacional), portadores de HIV (30 vezes maior), presidiários (40 vezes maior) e moradores de rua (60 vezes maior).
Segundo Temporão, a desigualdade social ainda é a grande causa da incidência da doença no país. “Ela atinge principalmente a parcela de nossa população que vive à margem do desenvolvimento social”, disse o ministro da Saúde.
Segundo a OMS, 22 países concentram 80% dos casos de tuberculose no mundo. Nos últimos três anos, o Brasil passou da 14ª posição para a 16ª no ranking mundial. A próxima edição do Relatório Mundial da Tuberculose, da OMS, será divulgada nesta terça-feira (24/3) no 3º Fórum Mundial de Parceiros Stop TB.
http://www.agencia.fapesp.br/materia/10263/especiais/novas-estrategias-contra-a-tuberculose.htm
Efeito da coinfecção
Agência FAPESP – A 13ª edição do relatório global do controle de tuberculose, feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS), traz uma boa e quatro más notícias, segundo Mario Raviglione, diretor da Stop TB Partnership, iniciativa conduzida pela OMS e por instituições de dezenas de países responsável por colocar a doença na agenda política mundial.
A boa notícia, disse Raviglione nesta terça-feira (24/3), no 3º Fórum Mundial de Parceiros Stop TB, realizado no Rio de Janeiro, é que o número de casos de tuberculose tem declinado desde 2004.
A primeira má notícia é que a queda na taxa de incidência é lenta – menos de 1% ao ano. As outras três são: a proporção de novos casos detectados tem se mantido no patamar de 63%; 10% dos infectados são resistentes a quase todos os remédios existentes; e o número de pessoas que morrem de tuberculose, mesmo infectadas pelo vírus HIV, é maior do que se estimava.
O relatório revela que uma em cada quatro mortes por tuberculose está relacionada com o vírus da Aids, o dobro do que se pensava. “Usando dados da África, percebemos que 1,4 milhão de casos são decorrentes do HIV. Até um ano atrás, estimávamos que havia 700 mil”, contou Raviglione.
“Nossas ações a partir de agora têm que estar vinculadas a esta abordagem. Deve haver uma integração no tratamento do HIV e da tuberculose”, disse o pesquisador italiano.
O novo relatório também revela que 9,3 milhões de pessoas estariam infectadas hoje em dia no mundo, mas apenas 5,4 milhões desses casos estão registrados oficialmente.
“Na África, como essas pessoas são detectadas como HIV positivos, a Aids aparece como a causa da morte, mas, na realidade, elas morrem por conta da tuberculose. Descobrimos que um terço dos casos estimados no mundo nunca foi detectado”, salientou.
A multirresistência às drogas é outra questão apontada pelo relatório. Houve um aumento de 500 mil casos de resistência aos medicamentos hoje existentes em relação ao registrado no último informe da OMS. “Como são os mais difíceis de serem tratados, esses são os casos mais fatais. O problema é que 10% dos novos casos detectados são resistentes a quase todos os remédios”, disse.
Foram registrados casos de multirresistência às terapias em 55 países. No Brasil, a taxa é de 1,4%, baixa em relação aos demais. Entretanto, o país continua na lista dos 22 países com o maior número de casos, ao lado da Índia, China, Afeganistão, Quênia, Nigéria, Zimbábue, África do Sul e Paquistão, entre outros. Outros países sul-americanos também figuram nessa relação: Argentina, Colômbia, Peru, Equador e Chile.
Mesmo assim, segundo Raviglione, a situação do Brasil melhorou muito em relação aos anos anteriores. “As notificações estão caindo e o país está seguindo os parâmetros recomendados pela OMS, enquanto outros países não estão realizando tais estratégias”, afirmou.
Na opinião de Raviglione, embora o declínio observado no número de novos casos da doença seja lento – menos de 1% ao ano – também não deixa de ser importante. “É um efeito dos esforços que têm sido feitos e das políticas públicas que os governos têm adotado em função das recomendações da OMS”, disse o diretor da Stop TB Partnership.
Para ele, no entanto, é como se o mundo estivesse em uma nova guerra, lutando com armas do século passado. “Precisamos de novas drogas. A vacina BCG, direcionada somente para crianças, foi lançada em 1922, e não é eficaz em adultos. A pesquisa para a tuberculose também não tem sido priorizada, foi abandonada há 30 anos. Ainda estamos usando medicamentos da década de 1950”, destacou.
Cenário brasileiroO Brasil vem caindo no ranking dos países de maior incidência da doença – da 14ª posição passou para a 16ª em 2007 e, agora, segundo o novo relatório da OMS, ocupa a 18ª.
Para Dráurio Pereira, do Programa Nacional de Controle da Tuberculose, a avaliação é positiva, embora discorde dos valores apresentados pelo relatório, segundo o qual o Brasil teria 92 mil casos da doença, quando,de acordo com o Ministério da Saúde, o total seria 72 mil. “Mas eles trabalham com estimativas para todos os países”, disse à Agência FAPESP.
Sobre a nova posição do país no ranking da incidência da doença, Pereira afirma que era esperado. “Já estávamos diminuindo de posição. Talvez em cinco anos, sairemos da lista dos 22. Mas se eles levassem em conta o indicador de numero de casos dividido pela população, cairíamos para a 108ª. Como eles são guiados pelo numero de casos, países superpopulosos como China e Índia sempre ocupam as primeiras posições”, questionou.
Sobre os efeitos da coinfecção TB/HIV, Dráurio também afirmou não ser novidade para o Brasil. “Não fomos surpreendidos, uma vez que já estamos atentos a isso há algum tempo: 70% dos pacientes com tuberculose em nosso país fazem teste de HIV”, afirmou.
http://www.agencia.fapesp.br/materia/10270/especiais/efeito-da-coinfeccao.htm
Vacina contra tuberculose
Agência FAPESP – Elaborada a partir de uma bactéria atenuada de origem bovina (
Mycobacterium bovis) semelhante ao microrganismo causador da tuberculose (
Mycobacterium tuberculosi), a vacina BCG foi lançada em 1922 e não impede a infecção nem o desenvolvimento da tuberculose pulmonar. Até hoje não se desenvolveu qualquer imunizante contra a doença, embora cerca de um terço da população mundial seja portador do bacilo de Koch.
No entanto, como a doença tem se tornado uma das prioridades da Organização Mundial de Saúde (OMS), nos últimos anos pelo menos nove vacinas se encontram em fase de ensaios clínicos. Cinco delas estão sendo desenvolvidas pela Fundação Aeras, nos Estados Unidos, uma para ser dada ao nascer – assim como a BCG (Bacilo de Calmette-Guérin) – e as demais como imunizantes na fase adulta.
Quatro vacinas estão sendo testadas e deverão passar este ano por testes de eficácia em humanos. “Não sabemos se as respostas que obtivemos nos testes com animais vão prever o que irá ocorrer nas pessoas”, disse Jerald Sadoff, chefe executivo do projeto da Aeras, à Agência FAPESP.
Devido a essa dificuldade, a primeira das candidatas – a Aeras 427, chamada por Sadoff de “nova BCG” – ainda nem entrou em testes clínicos. A estratégia de outra candidata, a Aeras 402, é induzir a produção das células T – linfócitos T-4, também chamados CD4 (células de defesa, que lideram o ataque contra as infecções), e as células T-8 (ou CD8+), supressoras que terminam a resposta imune.
“Não sabemos qual delas irá proteger melhor. Os organismos da tuberculose vivem conosco há 500 mil anos”, disse o cientista que esteve no Rio de Janeiro para participar do 3º Fórum Mundial de Parceiros Stop TB.
Segundo ele, além da falta de investimento no estudo da doença, é difícil desenvolver vacinas contra a tuberculose devido aos estratagemas próprios da doença: seus organismos se escondem dentro das células humanas e podem fazer com que uma vacina direcione uma resposta imune na direção errada.
“Para fazer uma vacina eficaz, precisamos induzir uma resposta celular. O problema é que o bacilo da tuberculose se esconde na célula humana. É difícil fazer vacinas contra a tuberculose exatamente porque não sabemos que tipo de resposta podemos provocar e que tipos de células precisamos”, explicou.
Em uma visão otimista, de acordo com Sadoff, a primeira das cinco candidatas deve estar pronta em 2013 e as outras em 2016. Cerca de US$ 200 milhões serão gastos com os experimentos.
“Mas, daqui a dois anos, precisaremos de mais dinheiro para prosseguir com os testes”, afirmou o também presidente da Fundação Aeras, que tem entre seus financiadores a Fundação Bill e Melinda Gates.
“Para vermos se estas vacinas vão funcionar em humanos, temos que testar em cerca de 2 mil pessoas. Apesar das dificuldades, aprendemos muito sobre imunologia, então o momento é agora”, ressaltou.
http://www.agencia.fapesp.br/materia/10276/especiais/vacina-contra-tuberculose.htm