Autor Tópico: Herança epigenética (!?)  (Lida 1553 vezes)

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Offline HSette

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Herança epigenética (!?)
« Online: 12 de Maio de 2008, 18:19:20 »
Vi esse texto no UOL Mídia Global:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/prospect/2008/05/12/ult2678u166.jhtm

A fonte é o Prospect Magazine:
http://www.prospect-magazine.co.uk/landing_page.php

Isso aí tem acolhida científica???  :?

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12/05/2008
Do que os genes se lembram

*Philip Hunter

Muitos geneticistas acreditam agora que o comportamento dos nossos genes pode ser alterado pela experiência— e que até mesmo tais mudanças podem ser transmitidas às gerações futuras. Essa descoberta pode transformar nossa herança e evolução.

Sabe-se há bastante tempo que o futuro de um organismo não é determinado apenas pelos genes. Isso pode ser visto observando-se gêmeos idênticos, que com o passar do tempo tendem a se diferenciar tanto psicológica como fisiologicamente.

Embora a maioria dos gêmeos idênticos tenha dietas e estilos de vida semelhantes, as sutis diferenças de cultura e de ambiente parecem alterar seus fenótipos— a soma de sua natureza e de sua criação.

Em 1942, Conrad Waddington cunhou o termo "epigenética" para descrever a idéia de que a experiência de um organismo pode fazer com que seus genes se comportem (ou "se expressem") de forma diferente.

Cientistas descobriram exemplos surpreendentes de comportamento epigenético no reino animal— na forma, por exemplo, como as larvas de abelhas domésticas "determinam" se vão se tornar rainhas ou operárias, dependendo de sua interação com as outras larvas e o ambiente.

Até pouco tempo, presumia-se que o impacto da epigenética era limitado a organismos individuais, e que isso não se transmitia aos descendentes. A epigenética era encarada como uma interferência entre os genes e o ambiente, dando aos indivíduos algumas capacitações para adaptação durante suas vidas, mas nada além disso.

Recentemente, porém, os cientistas estão convencidos de que existe uma forma de herança, denominada herança epigenética, na qual o comportamento dos genes dos descendentes é afetado pela experiência de vida dos pais.

Além disso, tais mudanças epigenéticas podem, pelo menos para uma pequena maioria dos genes, estender-se além dos descendentes imediatos para as próximas gerações, embora os efeitos não pareçam durar indefinidamente.

Evidências de herança epigenética em mamíferos apareceram pela primeira vez em animais tais como o camundongo, cujo curto período de vida permite que as mudanças na expressão gênica que venham a ocorrer durante várias gerações sejam observadas em uma década.

Mais recentemente, o fenômeno foi detectado em galinhas, em resposta ao estresse causado por níveis anormais de luz em seu ambiente.

Os pesquisadores da Universidade Linkoping na Suécia criaram um grupo de galinhas sob condições normais de dia e noite, enquanto outro foi exposto à luz com variação aleatória. Os descendentes do segundo grupo descobriram os cientistas, tinham suas capacidades de aprendizado espacial bastante prejudicadas, mas também eram mais agressivos e cresciam mais rapidamente.

Tais características comportamentais nos descendentes estavam ligadas a alterações na atividade, ou níveis de expressão, de 31 genes nas áreas do hipotálamo e das glândulas pituitárias. No restante do animal, a atividade de tais genes era bastante normal, mas foi mudada nas áreas do cérebro conhecidas por serem responsáveis por atributos de comportamento tais como o aprendizado espacial.

Isso exemplifica uma característica fundamental de herança epigenética, a de que os próprios genes são transmitidos como normais, mas sua capacidade de se manifestar— e portanto afetar alguma característica comportamental ou função— é mudada.

Tais ligações claras entre a herança epigenética e a expressão do gene ainda não foram encontradas em pessoas; isso exigiria estudos de várias gerações, levando pelo menos meio século.

Nós simplesmente vivemos demais. Por sorte, porém, existem registros históricos que fornecem surpreendentes evidências indiretas de herança epigenética que sobrevive a pelo menos duas gerações.

Uma delas, na Grã-Bretanha, foi o Estudo Longitudinal Avon, uma pesquisa sobre as crianças nascidas de 14.000 mães que se realizou no início da década de 1990. A pesquisa descobriu que dos 5.000 pais que tomaram parte, 166 começaram a fumar bem cedo, no chamado período de "crescimento lento", antes da puberdade, que para os meninos costuma ser entre as idade de 9 e 12.

Os filhos desses pais tenderam a ter um significativo excesso de peso aos nove anos, mas não houve uma diferença observável para as filhas. Isso estabeleceu uma ligação estatisticamente significativa entre pais que fumaram durante o período de crescimento lento e o peso acima da média de seus filhos.

A descoberta de uma herança epigenética também levou alguns a reviver a anteriormente desacreditada teoria do lamarquismo, segundo a qual os animais podem influenciar seus genes pela forma como vivem.

Segundo a teoria arquitetada por Jean-Baptiste Lamarck, acreditava-se que as girafas, por exemplo, haviam desenvolvido longos pescoços pelo simples ato de esticar-se para alcançar os ramos mãos altos, em vez conseguir essa vantagem de alcance apenas pela seleção naturas dos genes.

Da mesma forma, acreditava-se que filhos de ferreiros herdassem os genes para os fortes músculos braçais desenvolvidos por seus pais durante suas vidas, em vez de apenas desenvolver tais músculos ao adotar a mesma profissão.

Mas isso é uma pista falsa, porque a herança epigenética claramente não envolve a alteração dos genes. O lamarquismo subtendia que as ações ou experiências de um organismo pudessem fazer com que os genes subjacentes fossem modificados por meio da alteração do código do DNA.

A herança epigenética simplesmente altera a capacidade de um gene ser manifestado em um descendente, mas deixa o DNA e os genes, intactos. A herança epigenética pode ser revertida prontamente, e ainda existem poucas ou nenhuma evidência de que isso persista por mais de umas poucas gerações.

E no entanto é exatamente essa faixa de curto prazo, associada à sua capacidade de responder imediatamente às sugestões do ambiente que torna a epigenética uma inestimável ferramenta de adaptação.

Pode vir a ocorrer que a descoberta de uma herança epigenética ajude a preencher algumas das lacunas na teoria da evolução que os criacionistas exploraram para atacar o darwinismo, acrescentando um terceiro mecanismo da evolução aos dois que já conhecemos: mutação e seleção natural de genes.

(...)

Tradução: Cláudia Bozzo
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Offline Buckaroo Banzai

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Re: Herança epigenética (!?)
« Resposta #1 Online: 12 de Maio de 2008, 19:46:13 »
Li o texto em outro fórum, e que me lembre agora não tem nada de não-científico aí. A minha crítica foi:

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Pode vir a ocorrer que a descoberta de uma herança epigenética ajude a preencher algumas das lacunas na teoria da evolução que os criacionistas exploraram para atacar o darwinismo, acrescentando um terceiro mecanismo da evolução aos dois que já conhecemos: mutação e seleção natural de genes.

Odeio trechos desse tipo. O único tipo de "lacuna na teoria da evolução" que é preenchida pelo conhecimento de herança epigenética é meio como um tipo de "enchimento de lingüiça", e não algo que faltasse (ou que contribua fundamentalmente) para se poder ter a evolução como fato científico.

É menos importante do que um eventual "elo perdido" (cuja importância fundamental também não existe), é quase como a própria aclimatação individual. Fora isso, esse tipo de herança nem sempre é "lamarckista", o que a prole herda de não-genético dos pais não é necessariamente uma característica que foi adquirida pelos pais, e igualmente nem é sempre algo adaptativo.

Nessa situação toda de fundamentalistas apedrejando os vitrais do conhecimento científico, é melhor ficar com o básico, e não trazer coisas mais complexas que não são fundamentais. Isso é o que eles comumente fazem, a seu favor. O mais provável nesse contexto é que criacionistas enquadrassem a epigenética como um obstáculo para a seleção natural (de fato é em algum grau) e tentassem dar como conclusão lógica que não há uma genealogia de todos os seres (falácia non sequitur), que são na verdade criações separadas que coincidentemente parecem exatamente com o que se esperaria parentes biológicos.

Offline HSette

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Re: Herança epigenética (!?)
« Resposta #2 Online: 12 de Maio de 2008, 20:09:59 »
Como sou leigo na área, vou expor o que entendi. Corrijam-me se estiver fazendo uma interpretação errada.

A herança epigenética seria o fato de uma determinada característica estivesse latente nos genes e fosse "despertada" pelas circunstâncias em que o indivíduo se encontra, fazendo com que esse "despertar" se manifestasse de pronto em uma geração subsequente.
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Offline Buckaroo Banzai

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Re: Herança epigenética (!?)
« Resposta #3 Online: 12 de Maio de 2008, 21:36:01 »
Mais ou menos isso, mas não necessariamente.

Talvez seja mais fácil de entender através do que "realmente" é epigenética de modo geral em vez de apenas nesse contexto entre gerações de macro-organismos.

As células tem um monte de outras coisas no seu interior além dos genes, e essas coisas, ainda que em parte sejam produtos dos genes, também afetam/regulam a sua expressão, e isso pode estar também sendo desengatado ou influenciado por interações com o ambiente. Isso vale para qualquer célula individual e para organismos unicelulares.

Através disso é possível que os organismos multicelulares tenham a diferenciação de células, tecidos e órgãos. Toda célula de um indivíduo, seja da pele ou do cérebro, tem exatamente o mesmo genótipo, mas são bem diferentes, essas diferenças são epigenéticas. Isso se dá mais ou menos porque uma célula que "adquiriu", digamos, a característica de ser célula muscular, só consiga "transmitir essa característica adquirida", se dividir dando origem a células musculares também.

Nos organismos mais complexos, por outro lado, a reprodução não se dá por uma simples divisão celular ou por se arrancar uma parte do corpo qualquer (situações mais onde a herança epigenética é mais importante), mas a partir de células especializadas que reduzem a herança epigenética/especialização das células, de forma viabilizar o desenvolvimento.

Apesar dessa especialização, nem sempre a prole pode se livrar totalmente dessa influência. Tanto por uma incapacidade de "filtrar" totalmente essa influência nos gametas, quanto, no caso dos mamíferos principalmente, porque o embrião em gestação não está completamente isolado do que se passa no corpo da mãe.

Em todos os casos, seja de geração para geração ou no decorrer da divisão celular, o que ocorre não é sempre uma ativação de uma característica fenotípica igual à da célula progenitora, até porque assim não haveria diferenciação celular, toda célula seria sempre igual à que a originou. A diferenciação complexa existe por causa de uma "não-linearidade" nesse proceso de herança; as células transmitem às suas filhas/vizinhas diferentes graus de herança epigenética e essas por sua vez também transmitem  em um outro grau. Junto com as interações "programadas" pelos genes isso pode ter um efeito mais drástico ainda, em vez de simplesmente uma questão de diluição ao longo da distância.

Esse mecanismo todo pode impedir em diversas situações uma "herança de caracteres adquiridos", porque as mesmas influências epigenéticas em um estado de desenvolvimento podem ter diferentes efeitos em outros estágios.

Offline HSette

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Re: Herança epigenética (!?)
« Resposta #4 Online: 12 de Maio de 2008, 21:41:32 »
Ok. Essa visão geral ajudou a aclarar.

Valeu!
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Chaves

 

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