As Upanishads são de todo interessantes, por isso estou postando uma delas para que quem desconhece, possa conhece-las.
A principal postura ao ler, como eu vejo ressaltando em varios posts meus, é não acreditar e não desacreditar, não julgar se eu acho aquilo certo ou errado, mas simplesmente ver que esse conhecimento existe, e que ele não pode ser alcançado somente afirmando ou negando a sua existência, abrindo assim a mente para novas possibilidades. Além disso, as palavras não devem ser levadas ao pé da letra, em primeiro lugar porque a tradução pode não representar com fidelidade as escrituras originais, e as palavras também estão limitadas ao conhecimento verbal, o que é muito diferente do conhecimento real.
Introdução de Shankaracharya
O presente tratado revela os meios de se atingir um o fim, ou seja, o Autoconhecimento.
Isto satisfaz, ainda que indiretamente, a característica de um tratado vedântico: indicar o assunto a ser discutido e o fim a ser alcançado.
Qual é, então, o fim maior a ser alcançado na vida? O Atman, quando se identificando à condição humana, percebe a multiplicidade do mundo em decorrência da dualidade sujeito-objeto. Quando a referida dualidade é destruída, o Atman percebe a si mesmo como independente da miserável condição humana. A realização da Não-Dualidade é o fim maior da vida humana. A multiplicidade, oriunda da dualidade, é produzida por avidya (ignorância); ela é destruída por Vidya (o Conhecimento de Brahman). Este tratado foi elaborado objetivando revelar o Conhecimento de Brahman.
O primeiro capítulo, com sua ênfase em textos védicos, é dedicado a determinar o significado da sílaba OM (AUM), através do que se pode conhecer a essência do Atman. O segundo capítulo procura estabelecer, através da razão, a irrealidade da dualidade. O objetivo do terceiro capítulo é demonstrar, através da razão, a verdade sobre a Não-Dualidade, ao ser destruída a visão dual da realidade. Por último, o quarto capítulo objetiva a refutação de outras escolas de pensamento, antagonistas dos Vedas e oposta ao Conhecimento da Realidade Não-Dual, ao apontar a insustentabilidade delas, quando considera as contradições mútuas presentes nesses sistemas.
INVOCAÇÃO
OM...
Com os nossos ouvidos, ouçamos o que é bom.
Com os nossos olhos, contemplemos vossa integridade.
Tranqüilos no corpo, possamos nós, que vos veneramos, encontrar descanso.
Om... Paz – Paz – Paz.
Primeiro capitulo
1 HARI OM! Om, esta palavra representa o todo universal visível. Sua explicação é a seguinte: tudo quanto ocorreu, está ocorrendo e ocorrerá, em verdade tudo isso é o som OM. E o que está além desses três estados do mundo temporal, isso também, em verdade, é o som OM.
2 Tudo isto (dito com um gesto do braço, indicando o universo que nos rodeia) é Brahman. Este Atman (colocando a mão sobre o coração) também é Brahman. Este Atman tem quatro partes (pada).
3 A primeira parte é Vaishvanara. Seu campo de definição é o estado ou consciência de vigília, a consciência dos objetos externos. Essa consciência está voltada para fora através das portas dos sentidos. Tem sete membros e dezenove bocas, que é o desfrutador (bhuj, come, se alimenta) da matéria grosseira (sthula).
4 A segunda parte do Atman é Taijasa (o Resplandescente). Seu campo ou estado de consciência é o estado de sonho. Essa consciência está voltada para dentro. Tem sete membros e dezenove bocas, que é o desfrutador de objetos sutis (pravivikta – o selecionador, o requintado, o que é incomum).
5 Quando aquele que dorme não deseja nada desejável nem percebe nenhum sonho, isso é o sono profundo (susupta). O Conhecedor, cujas experiências se tornaram unificadas nesse campo de sono sem sonho, é a terceira parte do Eu, é o terceiro estado de consciência. Esse estado de consciência é o Prajna. Ele é uma massa indiferente (ghana) de consciência que consiste em grande beatitude e se alimenta de bem-aventurança. (como os estados de consciência anteriores se alimentam do grosseiro e do sutil). Sua única boca é o espírito (cetomukha).
6 Este é o Senhor de Tudo (sarvesvara): o Onisciente (sarvajna); o Governante Interior (antaryami); a Fonte (yoni) de tudo. Este é o começo e o fim de todos os seres. Nele, os seres se originam, nele, os seres finalmente desaparecem.
7 O que é conhecido como quarta parte é Turya: Turya não é a consciência que está voltada para fora nem a consciência que está voltada para dentro, nem é as duas coisas reunidas; não é uma massa indiferenciada de consciência adormecida; não conhece nem desconhece porque é invisível, inefável, inatingível, indescritível, destituída de características, inconcebível, indefinível, tendo por essência única a segurança do seu próprio Eu (eka-atman-pratyayasara); a pacificação de toda existência diferenciada e relativa (prapanca-upasama); a completa quietude (santa), a cessação de todos os fenômenos; é todo paz e bem-aventurança, não dual, sem segundo (advaita). Este é o Ser (Atman) que deve ser realizado.
8 Este mesmo Ser (Atman), é agora descrito como a sílaba OM (AUM); as quatro partes acima descritas do Eu são idênticas aos componentes de sílaba, e os componentes da sílaba são idênticos às quatro partes do Eu. As letras da sílaba são A, U e M.
9 Vaishvanara, o estado de consciência comum a todos os homens – cujo campo de definição é o estado de vigília – é o som A, a primeira letra de AUM, porque tudo abarca e é o primeiro. Quem assim sabe (ya evam veda) abrange todos os objetos desejáveis e se torna o primeiro dentre os grandes.
10 Taijasa (o Resplandescente), cujo campo de definição é o estado de sonho, representa o som da letra U, porque é o estrato dos outros dois, contendo suas qualidades. Quem assim compreende, obtém Conhecimento Superior; em sua família, ninguém nasce ignorante de Brahman.
11 Prajna (o Conhecedor), cujo campo de definição é o sono profundo, é o som da letra M,porque é a medida na qual tudo entra, tornando-se uno. Quem assim sabe, é capaz de medir tudo e contém tudo dentro de si mesmo.
12 Turya é o quarto estado cujo campo de definição é destituído de som e sem partes, não está relacionado a nada; é a cessação dos fenômenos; é impronunciável; é o repouso último de todas as manifestações diferenciadas, é pacífico e bem-aventurado, não-dual. OM (AUM) é verdadeiramente o Atman. Quem sabe isto, une o seu Ser com o Atman –sim, quem sabe isto.