OUTRA COISA É OUTRA COISA
Correio do Povo, 09/06/2005
Percival Puggina
A corrupção neste país sempre foi uma coisa. Mas agora é outra coisa. Pelo menos isso o PT conseguiu: a corrupção mudou. Antes ela era um problema gravíssimo. Junto com o neoliberalismo e a globalização, dava causa aos grandes males nacionais. Pediam-se CPIs contra a corrupção com a mesma autoridade moral com que o Senhor virá um dia, no seu trono de nuvens, julgar os bons e os maus: "Apartai-vos de mim, malditos de meu Pai...", e lá iriam, neoliberais e conservadores da República, máximas expressões da falta de caráter, arder no fogo de suas culpas.
Se eram tempos de lama e podridão, de uma elite que vivia à tripa-forra, ao menos tínhamos a certeza de saber onde estava internada a pureza das intenções, a honradez sem mácula, a nobreza dos motivos e a franciscana austeridade no viver. Saltava aos olhos de qualquer pessoa com mínimo bom senso que o Brasil somente tomaria jeito no dia em que seu destino fosse confiado às mãos calejadas de um operário saído desse claustro, com o caráter moldado no torno das carências materiais que afetam o cotidiano do brasileiro comum.
Por acreditar nisso, o povo o elegeu. E em vez de água de torneira e avião de carreira, a coisa tomou o jeito que se vê. Com a diferença de que, agora, é outra coisa, como é outra coisa o fato de terem triplicado os gastos com pessoal, cartões de crédito, viagens e diárias. Por mais que tudo lhe pareça borrado, leitor, passa-se o país a limpo. Só que passar a limpo, agora, mudou. "Mas e o que dizem os jornais?" indagará você, espantado com a aparente incongruência entre o que estou afirmando e a pauta da mídia ao longo destes últimos meses. Ora, meu caro, uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. E corrupção, agora, assim como CPI, é outra coisa. Roberto Jefferson é outra pessoa. Sarney é gente fina. ACM é do bem. Roseana é companheira. E até nepotismo virou outra coisa porque a esquerda, como se sabe, só tem parente competente.
Não tenha dúvida, leitor. Também isso que está aí, ocupando o noticiário, e fazendo você pensar que é tudo a mesma coisa, na verdade, é outra coisa. Se é que me entende. Resumindo: morro de dó.