Apocalipse soon
Vazou na Internet, deu na CNN, na Al Jazeera, na Tribuna da Paraíba: o fim do mundo está próximo e com data prevista, agosto de 2009. Efeito estufa, pragas, vírus, superpopulação; tudo isso junto e o lançamento de um novo disco da Mariah Carey estão entre os suspeitos. E não adianta espernear, a ONU reconhece, a FIFA admite e até o Vaticano confessa: o planeta tem mais um ano de existência e babaus.
Com o conhecimento disso, mudanças de atitude já são percebidas. A mais curiosa é que caíram as vendas de remédios para depressão. Se o mundo vai acabar "para todos" ao mesmo tempo, de que serve a "minha" angústia? Por outro lado, como seria de se prever, Viagra, litros de catuaba (hay que endurecer) e lubrificantes (pero sin perder la ternura) não param nas prateleiras. E que não se pense que há romance no ar ou compromissos - quem é que quer perder horas preciosas esperando um telefonema no dia seguinte? Amor (ou ódio) consome muito tempo.
Diante do apocalipse, malucos, vagabundos, párias pragmáticos, epicuristas, dionísicos e pós-socráticos como Romário, assumem o poder e estabelecem o tom da dança. Por outro lado, videntes em geral, cartomantes, analistas da bolsa, assim como treinadores retranqueiros são chicoteados em praça pública - mais do que nunca previsões e empates valem tanto quanto tratamentos para calvície.
Crianças foram dispensadas da escola. Em casa, elas aproveitam a súbita liberalidade dos pais: "Posso comer cebolitos no lugar da cenoura?" "Pode." "Mãe, tirei tatu do nariz, onde eu coloco?" "Esfrega no sofá." "E esse cigarrinho aqui na tua gaveta o quê que é?" "Experimenta".
Motoristas de caminhão e usuários do Orkut dão aula de como evitar o sono: tempo, tempo, tempo, é só que se quer. Os museus funcionam sem guardas e nada é roubado - de que adianta ter um Monet sem compartilhar? Velhos ressentimentos foram esquecidos; novos, sequer iniciados. "Bateu no meu carro? Ora, ele ainda anda." "Deu em cima do meu marido? Me apresenta o teu". O fim anunciado regula a febre de muitos. O jogo está prestes a zerar. Teses e teorias a respeito são dispensáveis.
Nas ruas há lixo, um cheiro insuportável de fim de festa. Alguns dançam enlouquecidos, outros vagueiam consternados; as igrejas que se esperariam cheias com suas promessas sobre o fim dos tempos estão vazias: foda-se a eternidade! ("um cão apenas/caminhando sozinho numa calçada quente em pleno verão/ parece ter mais poder/do que dez mil deuses. por que isso?" - Assim falou o velho Buk, antes de pegar um trem particular para o inferno).
José Pedro Goulart
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