Entregue pela ponta dos dedosAgência FAPESP – Uma nova técnica desenvolvida nos Estados Unidos, com participação brasileira, permite identificar com facilidade os componentes químicos que formam as impressões digitais.
Com o procedimento, as marcas dos dedos poderão servir não só para identificar o indivíduo que as deixou, mas também para revelar o contato com substâncias como cocaína, explosivos ou veneno, por exemplo. A técnica também permite distinguir com precisão digitais sobrepostas deixadas por diferentes indivíduos – uma dificuldade freqüente para a ciência forense.
A pesquisa, realizada por um grupo de pesquisadores da Universidade de Purdue, em Indiana, nos Estados Unidos, teve seus resultados publicados na edição de sexta-feira (8/8) da revista
Science.
De acordo com o autor principal do artigo, o paulista Demian Ifa, o grupo testou a técnica por meio da análise de impressões digitais deixadas em pedaços de vidro, metal e plástico.
"A técnica consiste em borrifar água ou soluções alcoólicas eletricamente carregadas sobre a superfície onde está a impressão digital. As gotículas refletidas são então direcionadas a um equipamento de espectrometria de massa e formam um mapa dos componentes químicos que compõem a digital", disse Ifa à Agência FAPESP.
Segundo o pesquisador do Departamento de Química e do Centro para Desenvolvimento de Instrumentação Analítica de Purdue, onde faz pós-doutorado, uma carga elétrica de 5 mil volts é aplicada à água, gerando carga positiva nas gotículas que caem sobre a superfície.
"Uma vez refletidas, as gotículas evaporam e a densidade de carga aumenta ainda mais. Cada uma delas explode, gerando gotículas ainda menores, que também evaporam e explodem. Todo esse processo ajuda a liberar a molécula da substância monitorada para a fase gasosa", explicou o pesquisador. Ifa fez doutorado no Instituto de Biocências da Universidade de São Paulo (USP) e está há três anos em Purdue, mas pretende retornar para o Brasil na continuação de sua carreira acadêmica.
Na fase gasosa, as moléculas podem ser detectadas pelo espectrômetro de massa. "O material da superfície, previamente dissolvido nas gotículas e, agora na fase gasosa, é sugado para dentro do espectrômetro. Depois, os dados são enviados para um computador equipado com um software gráfico apropriado para a análise de impressões digitais", disse.
Com a nova técnica e o espectrômetro, é gerada uma imagem A, formada pela marca química das digitais. A partir dessa figura, por meio de ferramentas computacionais, é produzida uma imagem B, que traça os pontos de interesse da impressão digital.
"Essa imagem B é utilizada pelo computador para fazer a pesquisa em um banco de dados. As impressões digitais feitas originalmente com tinta compõem uma imagem C, que será extraída pelo computador para gerar, por fim, uma imagem D que é armazenada no banco. Ao comparar as imagens B e D, podemos identificar quem deixou a impressão digital", explicou Ifa.
Ainda que a impressão digital não apresente traços das substâncias procuradas, a técnica permite a formação da imagem química a partir de compostos naturalmente presentes na pele.
"Cada substância apresenta uma relação massa-carga específica que possibilita identificação precisa. Se a substância de interesse não estiver presente, a técnica mapeia os ácidos graxos da pele que formam a impressão digital, permitindo a formação da imagem", disse.
Análise no localOs pesquisadores fizeram testes com cocaína, explosivos e venenos, mas, a princípio, a técnica permite detectar outras substâncias também. "Se o objetivo é monitorar a presença de cocaína, por exemplo, programamos a seleção de íons com relação massa-carga 304. Se a impressão digital tiver vestígios da droga, o desenho vai mostrar", afirmou o pesquisador.
Para os testes, os cientistas utilizaram um espectrômetro de mesa, com dimensões de 1 metro por 1,5 metro. Mas, segundo Ifa, o laboratório tem grande tradição na miniaturização desse tipo de equipamentos e pretende que a técnica seja associada a espectrômetros portáteis.
"A versão mais nova de espectrômetros de massa na qual trabalhamos tem as dimensões de uma caixa de sapato, mas o acoplamento desse equipamento com a técnica ainda não foi feito", indicou.
Os cientistas também testaram alternativas para utilizar a técnica em uma investigação, mesmo que o espectrômetro de massa não possa ser transportado ao local em que se encontram as digitais. "O procedimento é simples: usamos uma fita adesiva que é colada sobre o local onde está a digital e depois é levantada. A impressão transferida para essa fita então é levada para o espectrômetro", disse.
A técnica não deverá se limitar à análise de impressões digitais. Em outro estudo, os cientistas mostraram que é possível, por exemplo, aplicar o spray diretamente nos dedos de uma pessoa, permitindo a análise das substâncias encontradas na pele. "Esse procedimento poderia ser utilizado para monitorar o uso de drogas, por exemplo", disse Ifa.
Segundo ele, a técnica está despertando o interesse de especialistas em ciência forense, mas há uma ampla gama de aplicações possíveis. "Estamos também desenvolvendo aplicações para diagnósticos médicos. Em laboratório, já conseguimos utilizar essa mesma técnica em tecidos orgânicos, para distinguir que parte é normal e que parte é tumoral", destacou.
O próximo passo, segundo o pesquisador, é aumentar a resolução da técnica. "A resolução atualmente é de 150 micrômetros. Estamos estudando como fazer a imagem ficar ainda mais nítida", disse.
O artigo
Latent fingerprint chemical imaging by mass spectrometry, de Demian Ifa e outros, pode ser lido por assinantes da
Science em
www.sciencemag.org.
http://www.agencia.fapesp.br/materia/9255/especiais/entregue-pela-ponta-dos-dedos.htm