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Offline Luiz Souto

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Ecosocialismo
« Online: 30 de Agosto de 2008, 11:40:38 »
Ecosocialismo e planeamento democrático    

Michael Löwy   
Dom, 23 de março de 2008 12:52

“Se o capitalismo não pode ser reformado para subordinar o lucro à sobrevivência humana, que alternativa existe senão caminhar para um tipo de economia nacional ou globalmente planificada? Problemas como as alterações climáticas requerem a 'mão visível' do planeamento directo. (…) Os nossos empresários capitalistas não se podem ajudar a si próprios. Sobre economia e ambiente, não têm escolha senão tomar sistematicamente decisões erradas, irracionais e, em última análise – dada a tecnologia que comandam –, suicidas. Então, que outra escolha temos além de considerar uma verdadeira alternativa ecosocialista?”

Robert Smith (1)



“Ecosocialismo” é a tentativa de fornecer uma alternativa civilizacional radical ao que Marx chamou o "processo destrutivo" do capitalismo.(2) Ela avança com uma política económica fundada nos critérios não-monetários e extra-económicos das necessidades sociais e do equilíbrio ecológico. Fundado nos argumentos básicos do movimento ecologista e da crítica marxista da economia política, esta síntese dialéctica - tentada por um vasto espectro de autores, de André Gorz (nos seus primeiros escritos) a Elmar Altvater, James O'Connor, Joel Kovel e John Bellamy Foster – é ao mesmo tempo uma crítica da "ecologia de mercado", que não desafia o sistema capitalista, e do "socialismo produtivista", que ignora a questão dos limites naturais.

Segundo O'Connor, o objectivo do socialismo ecológico é uma nova sociedade baseada na racionalidade ecológica, no controlo democrático, na igualdade social e no predomínio do valor de uso sobre o valor de troca.(3) Eu acrescentaria que estes valores requerem: (a) propriedade colectiva dos meios de produção ('colectiva' significa aqui propriedade pública, cooperativa ou comunitária); (b) planeamento democrático, que torna possível a sociedade definir os seus objectivos de investimento e produção; e (c) uma nova estrutura tecnológica das forças produtivas. Por outras palavras, uma transformação revolucionária, económica e social.(4)

Para os ecosocialistas, o problema das principais correntes da ecologia política, representadas pela maioria dos partidos Verdes, é que eles não parecem tomar em conta a contradição intrínseca entre as dinâmicas de expansão ilimitada do capital e de acumulação de lucros, e a preservação do ambiente. Isto conduz a uma crítica do produtivismo, muitas vezes relevante, mas não vai além de uma economia de mercado ecologicamente reformada. O resultado é que muitos partidos Verdes se tornaram no álibi ecológico de
governos social-liberais de centro-esquerda.(5)

Por outro lado, o problema das correntes dominantes na esquerda ao longo do século XX – a social-democracia e o movimento comunista de inspiração soviética – é a sua aceitação do padrão de forças produtivas realmente existente. Enquanto a primeira se limitava a uma versão reformada do sistema capitalista, keyenesiana na melhor das hipóteses, a segunda desenvolveu uma forma autoritária de produtivismo colectivista – ou capitalista de Estado.

Os próprios Marx e Engels não ignoravam as consequências de devastação ambiental do modo de produção capitalista; há várias passagens do *Capital* e de outros textos que indicam esta compreensão.(6) Além disso, eles acreditavam que o objectivo do socialismo não é produzir mais e mais bens, mas proporcionar aos seres humanos tempo livre para desenvolverem plenamente as suas potencialidades. Nesta medida, têm pouco em comum com o 'produtivismo', i.e., com a ideia de que a expansão ilimitada da produção é
um objectivo em si.

Porém, as passagens dos seus escritos sobre o efeito do socialismo no desenvolvimento das forças produtivas para além dos limites impostos pelo sistema capitalista, circunscrevem a transformação socialista às relações de produção capitalistas, que se tornaram um obstáculo ('amarras' é o termo frequente) ao livre desenvolvimento das forças produtivas existentes.  Socialismo significaria, acima de tudo, *apropriação social* da capacidade produtiva, colocando-a ao serviço dos trabalhadores. Citando uma passagem do *Anti-Dühring*, uma obra canónica para muitas gerações de marxistas, sob o socialismo "a sociedade toma posse, abertamente e sem rodeios, das forças produtivas, que se tornaram demasiado grandes" para o presente sistema.(7)

A experiência da União Soviética ilustra os problemas que resultam da apropriação colectivista dos aparelhos de produção capitalistas. Desde o início, predominou a tese da socialização das forças produtivas existentes. É verdade que, nos primeiros anos após a Revolução de Outubro, desenvolveu-se uma corrente ecologista e foram tomadas pelas autoridades soviéticas algumas medidas limitadas de protecção ambiental. Mas com o processo estalinista de burocratização, os métodos produtivistas na indústria e na agricultura impuseram-se por meios totalitários, enquanto os ecologistas foram marginalizados ou eliminados. A catástrofe de Chernobyl foi o exemplo acabado das consequências desastrosas desta imitação das tecnologias produtivas ocidentais. Uma mudança nas formas de propriedade a que não suceda uma gestão democrática e a reorganização do sistema produtivo só pode levar a um beco sem saída.

Uma crítica da ideologia produtivista do "progresso" e da ideia de uma exploração "socialista" da natureza, aparecia já nos escritos de alguns dissidentes marxistas dos anos 30, tais como Walter Benjamin. Mas é sobretudo ao longo das últimas décadas que o *ecosocialismo* se desenvolve como um desafio à tese da neutralidade das forças produtivas, que continuam a predominar nas principais correntes da esquerda do século XX.

Os ecosocialistas deveriam inspirar-se nas observações de Marx sobre a Comuna de Paris: os trabalhadores não podem tomar posse do aparelho de Estado capitalista e colocá-lo ao seu serviço. Eles têm de "quebrá-lo" e substitui-lo por um poder político radicalmente diferente, democrático e não-estatista. O mesmo se aplica, *mutatis mutandis*, ao aparelho produtivo, que não é "neutro", antes transporta na sua estrutura a marca do seu desenvolvimento ao serviço da acumulação de capital e da expansão ilimitada do mercado. Isto coloca-o em contradição com as necessidades de protecção ambiental e com a saúde da população. Ele deve portanto ser "revolucionarizado", num processo de transformação radical.

É claro que muitas conquistas científicas e tecnológicas da modernidade são preciosas, mas o conjunto do sistema produtivo deve ser mudado, e isto só pode ser feito por métodos ecosocialistas, i.e, através de um planeamento democrático da economia que tenha em conta a preservação do equilíbrio ecológico. Para alguns sectores da produção, isto pode significar uma descontinuidade. Por exemplo: instalações nucleares, certos métodos de pesca industrial em massa (responsáveis pelo quase-extermínio de numerosas
espécies marinhas), o abate destrutivo de florestas tropicais, etc. – a lista é muito longa. No entanto, começa por exigir uma revolução no sistema energético, com a substituição das actuais fontes (sobretudo fósseis), responsáveis pelo envenenamento do ambiente, por fontes renováveis de energia: água, vento, sol. Este tema é decisivo porque as energias fósseis (petróleo, carvão) são responsáveis por muita da poluição no planeta, tal como pelas mudanças no clima. A energia nuclear é uma falsa alternativa, não só pelo perigo de novos Chernobyl, mas também porque ninguém sabe o que fazer com milhares de toneladas de resíduos nucleares – tóxicos durante centenas, milhares e por vezes milhões de anos – e com gigantescas instalações obsoletas e contaminadas. A energia solar, que nunca levantou
grande interesse nas sociedades capitalistas (não sendo "rentável" ou "competitiva"), deve tornar-se objecto de investigação e desenvolvimento intensivos e ter um papel-chave no desenvolvimento de um sistema energético alternativo.

Tudo isto deve ser realizado sob as condições necessárias do pleno emprego e do emprego justo. Estas condições são essenciais, não só para cumprir um desígnio de justiça social, mas também para assegurar o apoio da classe trabalhadora ao processo de transformação estrutural das forças produtivas. Este processo é impossível sem o controlo público dos meios de produção e sem planeamento, i.e. decisões públicas sobre investimento e mudança tecnológica que devem ser tomadas longe dos bancos e das empresas capitalistas, de modo a servirem o bem-comum da sociedade.

Mas não basta colocar estas decisões nas mãos dos trabalhadores. No terceiro volume do *Capital*, Marx definiu o socialismo como a sociedade onde os produtores associados organizam racionalmente as suas trocas (*Stoffwechsel*) com a natureza". Mas no primeiro volume do *Capital* é feita uma abordagem mais ampla: o socialismo é concebido como "uma associação de seres humanos livres (*Menshen*) que trabalha com meios de produção comuns (*Gemeinschaftlichen*)"(8). Esta concepção é muito mais apropriada: a organização racional da produção e do consumo tem que ser obra não são só dos "produtores", mas também dos consumidores; com efeito, de toda a sociedade, com a população produtiva e também "não-produtiva", a qual inclui estudantes, jovens, domésticas (e domésticos), pensionistas, etc.

Neste sentido, toda a sociedade poderá escolher, democraticamente, que linhas produtivas devem ser privilegiadas, e que recursos deverão ser investidos em educação, saúde ou cultura.(9) Os próprios preços dos bens não serão deixados à leis da oferta e da procura, mas determinados, até onde for possível, por critérios sociais, políticos e ambientais. Inicialmente, isto envolveria apenas taxas sobre alguns produtos e preços subsidiados para outros. Mas, idealmente, com o avanço da transição para o socialismo, mais e mais produtos poderiam ser distribuídos sem custos e de acordo com a vontade dos cidadãos.

Longe de ser "despótico" em si, o planeamento democrático é o exercício, pelo conjunto da sociedade, da sua liberdade de decisão. É isto que é necessário para a libertação das "leis da economia", reificadas e alienantes, caixa forte das estruturas capitalistas e burocráticas. O planeamento democrático, combinado com a redução do tempo de trabalho, seria um passo decisivo da humanidade para o que Marx chamou "o reino da liberdade". Isto porque um aumento significativo do tempo livre é de facto uma condição para a participação da população trabalhadora na discussão democrática e na gestão da economia e da sociedade.

Os partidários do mercado livre apontam o falhanço do planeamento soviético como uma razão para rejeitar qualquer ideia de economia organizada. Sem entrar no debate sobre os feitos e misérias da experiência soviética, era obviamente uma forma de *ditadura sobre as necessidades* – para usar a expressão de György Markus e dos seus amigos da Escola de Budapeste: um sistema não-democrático e autoritário que deu o monopólio de todas as decisões a um punhado de tecno-burocratas. Não foi o planeamento que levou à ditadura, mas sim as crescentes limitações à democracia no Estado soviético e, após a morte de Lenine, o estabelecimento de um poder *burocrático*totalitário, que conduziu a um sistema de planeamento cada vez mais autoritário. Se o socialismo significa o controlo pelos trabalhadores e pela população em geral do processo produtivo, a URSS sob Estaline e seus sucessores era um longínquo eco disso.

O fracasso da URSS ilustra os limites e contradições do planeamento burocrático, que é inevitavelmente ineficiente e arbitrário, e não pode ser usado como argumento contra o planeamento *democrático* (10). A concepção socialista de planeamento não é senão a democratização radical da economia: se as decisões políticas não devem ser deixadas a uma elite de governantes, porque não deveria tal princípio aplicar-se às da economia? O equilíbrio a atingir entre planeamento e mecanismos de mercado é uma questão
assumidamente difícil: durante os primeiros estágios de uma nova sociedade, os mercados manterão certamente um lugar importante, mas à medida que avançar a transição para o socialismo, o planeamento será cada vez mais predominante, contra as leis do valor de troca.(11)

Engels insistiu que uma sociedade socialista "terá que estabelecer um plano de produção levando em conta os meios de produção, especialmente incluindo a força de trabalho. Serão, em última instância, os efeitos úteis de vários objectos de uso, comparados entre si e em relação à quantidade de trabalho necessária à sua produção, que determinarão o plano" (12). No capitalismo, o valor de uso é apenas um meio – frequentemente, um truque – ao serviço do valor de troca e do lucro (que explica, aliás, porque tantos produtos na actual sociedade são essencialmente inúteis). Numa economia socialista planeada, o valor de uso é o único critério para a produção de bens e serviços, com consequências económicas, sociais e ambientais de longo alcance. Como Joel Kovel observou: "a alta do valor de uso e a correspondente reestruturação das necessidades tornam-se o regulador social da tecnologia, em lugar da conversão do tempo em mais-valia e dinheiro, como sucede sob o capital".(13)

No tipo de sistema de planeamento democrático aqui enunciado, o plano abrange as principais opções económicas, não a administração de restaurantes, mercearias e padarias, pequenas lojas, empresas artesãs e serviços. É importante enfatizar também que o plano não entra em contradição com a autogestão das unidades produtivas pelos seus trabalhadores. Enquanto a decisão, tomada através do sistema de planeamento, de converter, por exemplo, uma fábrica de automóveis ao fabrico de autocarros e eléctricos seria tomada pela sociedade como um todo, a organização interna e o funcionamento da fábrica deveriam ser democraticamente geridos pelos seus trabalhadores. Houve muita discussão sobre a natureza "centralizada" ou "descentralizada" do planejamento, mas pode argumentar-se que o pomo da questão é o controlo do plano a todos os níveis – local, regional, nacional, continental e, desejavelmente, internacional, uma vez que as questões ecológicas tais como o aquecimento global são planetárias e devem ser abordadas à escala global. Deveríamos chamar-lhe *planeamento democrático global*. Mesmo a este nível, seria bastante oposto ao que usualmente se chama "planeamento central", uma vez que as decisões económicas e sociais não são tomadas por qualquer "centro", mas sim democraticamente decididas pelas populações envolvidas.

Claro que haverá inevitáveis tensões e contradições entre estabelecimentos auto-geridos, administrações locais democráticas, grupos sociais alargados. Mecanismos de negociação podem ajudar a resolver alguns desses conflitos. Mas, em última análise, os maiores grupos envolvidos, se forem maioritários, devem poder impor a sua visão. Para dar um exemplo: uma fábrica autogerida decide evacuar no rio os seus resíduos tóxicos. A população de toda a região está em risco de contaminação: pode, portanto, decidir que a produção nesta unidade deve ser interrompida até ser encontrada uma solução satisfatória para o controlo dos resíduos. Desejavelmente, numa sociedade ecosocialista, os trabalhadores fabris teriam a consciência ecologista necessária para evitar decisões como aquela. Mas instituir meios para assegurar que os interesses sociais mais amplos têm a palavra final, como no exemplo anterior, não significa que assuntos relativos à gestão interna deixem de ser encaminhados ao nível da fábrica, escola, bairro, hospital ou cidade.

O planeamento socialista deve assentar no debate democrático e pluralista, a todos os níveis em que as decisões são tomadas. Organizadas sob a forma de partidos, plataformas, ou quaisquer outros movimentos políticos, os delegados para o organismo de planeamento são eleitos, e as diferentes propostas são apresentadas às populações abrangidas por elas. A democracia representativa deve ser completada – e corrigida – pela democracia directa, em que as pessoas escolhem directamente sobre as grandes opções. Deve o transporte público ser gratuito? Devem os possuidores de viatura privada pagar impostos especiais para subsidiar os transportes públicos? Deve a energia solar ser subsidiada para competir com as energias fósseis? Deve a semana de trabalho ser reduzida a 30 ou 25 horas, ou menos, mesmo que isso signifique uma redução na produção? A natureza democrática do planejamento não é incompatível com a existência de especialistas: o seu papel não é decidir, mas sim apresentar no processo democrático as suas perspectivas (muitas vezes diferentes, senão opostas). Como Ernest Mandel afirma, "governos, partidos, conselhos de planeamento, cientistas, tecnocratas, ou seja quem for, podem fazer sugestões, avançar propostas, tentar influenciar as pessoas. Mas sob um sistema multi-partidário, tais propostas nunca serão unânimes: as pessoas terão a escolha entre alternativas coerentes. E o direito e o poder para *decidir* deve estar nas mãos da maioria dos produtores/consumidores/cidadãos e nas de mais ninguém. Que há nisto de despótico ou paternalista?".(14)

Há garantia de que as pessoas tomarão as decisões ambientais correctas, mesmo à custa dos seus hábitos de consumo? Não existe tal "garantia", além da razoável expectativa que a racionalidade prevaleça nas decisões democráticas quando o poder do fetichismo da mercadoria estiver quebrado. Claro que serão cometidos erros por vontade popular, mas quem acredita que os especialistas não erram? De resto, ninguém pode imaginar o advento de uma nova sociedade sem que a maioria da população tenha atingido pela sua luta, pela auto-formação e experiência social, um alto nível de consciência ecológica e socialista. (15) Seja como for, não são as alternativas muito mais perigosas – o mercado cego, uma ditadura ecológica de "especialistas" – do que o processo democrático, com todas as suas limitações?

É verdade que o planeamento requer a existência de organismos executivos/técnicos, encarregados de pôr em prática o decidido, mas estes não serão necessariamente autoritários desde que colocados sob controlo permanente a partir de baixo e se incluírem autogestão dos trabalhadores num processo de administração democrática. É evidente que ninguém quer imaginar a maioria do povo a gastar todo o seu tempo livre em autogestão ou reuniões de participação. Como assinalou Mandel, "a auto-administração não implica o desaparecimento da delegação, combina a tomada de decisões pelos cidadãos com um controlo mais estrito dos delegados pelo seu respectivo eleitorado".(16)

A "economia participativa" *(parecon)* de Michael Albert foi objecto de algum debate no movimento da alterglobalização. Apesar de alguns atalhos na sua abordagem de conjunto, que parece ignorar a ecologia, e contrapõe a *parecon* ao socialismo de modelo soviético, o *parecon* tem elementos comuns com o tipo de planeamento ecosocialista aqui proposto: oposição ao mercado socialista e ao planeamento burocrático, compromisso com a auto-organização dos trabalhadores, anti-autoritarismo. O modelo de planeamento participativo de Albert baseia-se numa complexa construção institucional:

*Os participantes no planeamento participativo são os conselhos e federações de trabalhadores, os conselhos e federações de consumidores e vários Conselhos de Facilitação (CFI). Conceptualmente, o planeamento é bastante simples. Um CFI anuncia o que chamaremos "preços indicativos" para todos os bens, recursos, categorias de trabalho, e capital. Os conselhos e federações de consumidores respondem com propostas de consumo, tomando os preços indicativos dos bens e serviços como estimativas do custo social do seu fornecimento. Os conselhos e federações de trabalhadores respondem com propostas de produção, listando os outputs que poderão disponibilizar e os inputs de que precisarão para isso; tomando os preços indicativos como estimativas dos benefícios sociais trazidos pelos outputs e dos verdadeiros custos de oportunidade dos inputs. Um CFI calcula então o excesso de procura ou oferta para cada bem e ajusta o respectivo preço, de acordo com algoritmos socialmente aceites. Usando os novos preços indicativos, os conselhos e federações de consumidores e trabalhadores revêem e reformulam as suas propostas (…) Em vez do domínio dos capitalistas ou dos coordenadores sobre os trabalhadores, a parecon é uma economia na qual trabalhadores e consumidores, juntos, determinam cooperativamente as suas opções económicas e beneficiam delas de forma a promover a igualdade, a solidariedade, a diversidade e a autogestão.*(17)

O principal problema desta concepção – a qual não é simples mas extremamente elaborada e por vezes mesmo obscura – é que parece reduzir o ´planeamento´ a uma espécie de negociação entre produtores e consumidores em relação aos preços, *inputs* e *outputs*, oferta e procura. Por exemplo, o conselho dos trabalhadores da indústria automóvel poderia reunir-se com o conselho de consumidores para discutir os preços e adaptar a oferta à procura. O que isto deixa de fora é precisamente o que constitui a questão principal no planeamento ecossocialista: a reorganização do sistema de transportes, reduzindo radicalmente o lugar para o automóvel privado. Uma vez que o ecossocialismo requer que sectores inteiros da indústria desapareçam – centrais nucleares, por exemplo – e investimentos massivos em sectores pequenos e praticamente inexistentes (e.g. energia solar), como pode isto ser resolvido por "negociações cooperativas" entre as unidades de produção existentes e os conselhos de consumidores em relação a *"inputs"* e "preços indicativos"?

O modelo de Albert olha para a estrutura produtiva e tecnológica existente e é demasiado "economicista" para tomar em conta os interesses gerais, socio-políticos e socio-ecológicos da população – os interesses dos indivíduos, como cidadã/os e seres humanos, os quais não podem ser reduzidos aos seus interesses económicos como produtores e consumidores. Ele deixa de fora não apenas o Estado como instituição – uma opinião respeitável – mas também a *política* como o confronto entre as diferentes opções económicas, sociais, políticas, ecológicas, culturais e civilizacionais, a nível local, nacional e global.

Isto é muito importante porque a transição do "progresso destrutivo" capitalista para o socialismo é um processo histórico, uma transformação revolucionária permanente da sociedade, cultura e mentalidades – e a *política* no sentido atrás definido não pode deixar de ser central. É importante enfatizar que tal processo não pode começar sem a transformação revolucionária das estruturas sociais e políticas, e o apoio activo, pela grande maioria da população, de um programa ecossocialista. O desenvolvimento de consciência socialista e percepção ecológica é um processo, no qual o factor decisivo é a própria experiência colectiva das pessoas em luta, partindo dos confrontos locais e parciais para a transformação radical da sociedade.

Esta transição pode levar não apenas a um novo modo de produção e a uma sociedade igualitária e democrática, mas também a um *modo de vida *alternativo, a uma nova *civilização* ecossocialista, para além do reino do dinheiro, dos hábitos artificiais de consumo produzidos pela publicidade e da produção ilimitada de bens que são inúteis e/ou danosos para o ambiente. Alguns ecologistas acreditam que a única alternativa ao produtivismo é *travar o crescimento*, ou substitui-lo por crescimento negativo – o que os franceses chamam de *décroissance* – e reduzir drasticamente o nível excessivamente elevado de consumo da população cortando pela metade a utilização de energia, através da renúncia às habitações individuais, aquecimento central, máquinas de lavar, etc. Uma vez que estas e outras medidas similares de autoridade draconiana se arriscam a ser bastante impopulares, alguns dos defensores do *décroissance* jogam com a ideia de uma espécie de "ditadura ecológica".(18) Contra estas perspectivas pessimistas, os socialistas optimistas acreditam que o progresso técnico e o uso de fontes de energia renovável vão permitir um crescimento ilimitado e abundância e que cada um/a receba "de acordo com as suas necessidades".

Se não queres que riam de teus argumentos , porque usas argumentos risíveis ?

A liberdade só para os que apóiam o governo,só para os membros de um partido (por mais numeroso que este seja) não é liberdade em absoluto.A liberdade é sempre e exclusivamente liberdade para quem pensa de maneira diferente. - Rosa Luxemburgo

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Offline Luiz Souto

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #1 Online: 30 de Agosto de 2008, 11:41:35 »
Julgo que ambas as escolas partilham uma concepção meramente *quantitativa* de "crescimento" - positivo ou negativo – e do desenvolvimento das forças produtivas. Há, no entanto, uma terceira posição, a qual me parece mais apropriada: a *transformação qualitativa* do desenvolvimento. Isto significa colocar um fim ao monstruoso desperdício de recursos pelo capitalismo, baseado na produção, em larga escala, de produtos inúteis ou danosos: a indústria de armamento é um bom exemplo, mas uma boa parte dos "bens
produzidos no capitalismo – com a sua obsolescência própria – não têm outra utilidade que a de gerar lucro para as grandes empresas. A questão não é o "consumo excessivo" em abstracto, mas o *tipo* de consumo prevalecente, baseado na apropriação conspícua, desperdício massivo, alienação mercantil, acumulação obsessiva de bens e a aquisição compulsiva de pseudo-novidades impostas pela ´moda´. Uma nova sociedade iria orientar a produção para a satisfação das necessidades autênticas, começando por aquelas que podem ser descritas como ´bíblicas´- água, alimentos, vestuário, habitação – mas incluindo também os serviços básicos: saúde, educação, transporte, cultura.

Obviamente, os países do Sul, onde estas necessidade estão muito longe de estarem satisfeitas, vão precisar de um nível muito mais elevado de "desenvolvimento" - construindo estradas, hospitais, sistemas de saneamento e outras infra-estruturas – do que os industrialmente avançados. Mas não há razão para isto não ser atingido com um sistema produtivo amigo do ambiente e baseado em energias renováveis. Estes países vão precisar de produzir grandes quantidades de alimentos para alimentar as suas populações esfomeadas, mas isto pode ser muito melhor conseguido – como os movimentos camponeses da *Via Campesina* têm vindo a argumentar – através da agricultura biológica baseada em unidades familiares, cooperativas ou explorações colectivizadas, do que pelos métodos destrutivos e anti-sociais do agro-negócio industrializado, assente no uso de pesticidas, químicos e transgénicos. Em vez do presente sistema monstruoso de dívida, e da exploração imperialista dos recursos do Sul pelos países capitalistas industrializados, haveria uma corrente de apoio técnico e económico do Norte para o Sul, sem a necessidade – como alguns puritanos e ascéticos ecologistas parecem acreditar – da população da Europa ou América do Norte reduzir os seus padrões de vida em termos absolutos. Em vez disso, eles apenas se livrariam do consumo obsessivo e de mercadorias inúteis que não correspondem a nenhuma necessidade real, enquanto se redefiniria o significado de padrão de vida no sentido de modo de vida.

Como distinguir as necessidades autênticas das artificiais, falsas e criadas? A indústria da publicidade – induzindo necessidades através da manipulação mental – invadiu todas as esferas da vida humana nas sociedades modernas capitalistas: não apenas alimentação e vestuário, mas também desporto, cultura, religião e política são moldadas de acordo com as suas regras. Invadiu as ruas, caixas de correio, ecrãs de televisão, jornais, paisagens, numa forma permanente, agressiva e insidiosa, e contribui decisivamente para os hábitos de consumo compulsivo e conspícuo. Além disso, gasta uma quantidade astronómica de petróleo, electricidade, tempo de trabalho, papel, químicos e outras matérias-primas – todas pagas pelos consumidores – para um tipo de "produção" que não só é inútil, de um ponto de vista humano, mas directamente em contradição com as reais necessidades sociais. Enquanto a publicidade é uma dimensão indispensável no mercado da economia capitalista, não teria lugar numa sociedade em transição para o socialismo, onde seria substituída por informação sobre bens e serviços providenciados pelas associações de consumidores. O critério para distinguir uma necessidade autêntica de uma artificial, seria pela sua persistência após a supressão da publicidade. Claro que durante algum tempo os velhos hábitos de consumo iriam persistir e ninguém tem o direito de dizer às pessoas o que são as suas necessidades. Alterar os padrões de consumo é um processo histórico, bem como um desafio educacional.

Algumas mercadorias, como o carro individual, levantam problemas mais complexos. Os carros privados são uma agressão pública, matando e mutilando centenas de milhares de pessoas todos os anos à escala mundial, poluindo o ar das cidades grandes – com consequências nefastas para a saúde de crianças e idosos – e contribuindo significativamente para as alterações do clima. No entanto, eles correspondem a necessidades reais nas presentes condições diárias do capitalismo. Experiências locais em cidades europeias com administrações com preocupações ambientais mostram que é possível – e aceites pela maioria da população – limitar progressivamente o papel do automóvel individual a favor de autocarros e eléctricos. Num processo de transição para o ecossocialismo, onde o transporte público seria amplamente expandido e libertado de tarifas, e onde os peões e ciclistas teriam faixas de protecção, o carro privado irá ter um papel muito menor que na sociedade burguesa, onde se tornou um fetiche promovido pela publicidade insistente e agressiva, um símbolo de prestígio, um sinal de identidade (nos EUA a carta de condução é o cartão de identificação reconhecido) e um foco da vida pessoal, social e erótica.(19) Na transição para uma nova sociedade, será muito mais fácil reduzir drasticamente o transporte de mercadorias por camiões – responsáveis por terríveis acidentes e elevados níveis de poluição –, substituindo-o pelo transporte ferroviário ou pelo que os franceses chamam de *ferroutage* (camiões transportados nos comboios de uma cidade para outra). Só a lógica absurda da "competitividade" capitalista explica o perigoso crescimento do sistema de transporte rodoviário pesado.

Sim, responderão os pessimistas, mas os indivíduos são movidos por aspirações e desejos infinitos que têm de ser controlados, vigiados, contidos e se necessário reprimidos, e isto pode apelar a algumas limitações na democracia. Mas o ecossocialismo é baseado na expectativa razoável, já tratada por Marx: a predominância, numa sociedade sem classes e liberta da alienação capitalista, do "ser" sobre o "ter", i.e. do tempo livre para a realização pessoal através de actividades culturais, desportivas, científicas, eróticas, artísticas e políticas, em vez do desejo infinito de posse de produtos. A aquisição compulsiva é induzida pelo fetichismo das mercadorias inerente ao sistema capitalista, pela ideologia dominante e a publicidade: nada prova que é parte da "eterna natureza humana". Como Ernest Mandel enfatizou, "a acumulação contínua de mais e mais bens (com uma "utilidade marginal" em declínio) não significa de forma alguma uma condição universal ou sequer predominante do comportamento humano. O desenvolvimento de talentos e inclinações para benefício próprio; a protecção da vida e saúde; o cuidado pelas crianças; o desenvolvimento de relações sociais ricas (…) tudo isto se torna motivação maior assim que as necessidades materiais tenham sido satisfeitas".(20)

Como temos insistido, isto não significa que não vão surgir conflitos, particularmente durante o processo de transição, entre os requisitos de protecção do ambiente e as necessidades sociais, entre os imperativos ecológicos e a necessidade de desenvolver infra-estruturas básicas, particularmente nos países pobres, entre os hábitos populares de consumo e a escassez de recursos. Uma sociedade sem classes não é uma sociedade sem contradições e conflitos. Estes são inevitáveis: resolvê-los será uma tarefa do planeamento democrático, numa perspectiva ecossocialista, liberto dos imperativos do capital e do lucro, através de discussões plurais e abertas, com decisões tomadas pela própria sociedade. Tal democracia de base e participativa é a única forma, não de evitar erros, mas de permitir a correcção, pelo colectivo social, dos seus próprios erros.

É isto Utopia? No seu sentido etimológico – "algo que não existe em lado nenhum" – certamente. Mas não serão as utopias, i.e. visões de um futuro alternativo, de imagens desejosas de uma sociedade diferente, condição necessária de qualquer movimento que queira desafiar a ordem estabelecida? Como explicou Daniel Singer no seu testamento literário e político, *Whose Millenium?*, num poderoso capítulo intitulado "Utopia Realista":

*…Se a ordem estabelecida agora parece tão sólida, apesar das circunstâncias, e se o movimento dos trabalhadores ou a maioria da esquerda está tão deficiente, tão paralizada, é por causa da falha em oferecer alternativas radicais (…) O princípio básico do jogo é que tu não questionas nem os fundamentos dos argumentos nem as fundações da sociedade. Apenas uma alternativa global, rompendo com essas regras de resignação e desistência, podem dar ao movimento de emancipação uma perspectiva genuína. *(21)

A utopia socialista e ecológica é apenas uma possibilidade objectiva, não o resultado inevitável das contradições do capitalismo, ou das "leis de ferro da história". Não é possível predizer o futuro, excepto nos termos tradicionais: o que é predizível é que na ausência de uma transformação ecossocialista, de uma alteração radical do paradigma civilizacional, a lógica do capitalismo vai levar a desastres ecológicos dramáticos, ameaçando a saúde e a vida de milhões de seres humanos, e talvez até a sobrevivência da espécie.

Sonhar e lutar por um socialismo verde, ou, como alguns dizem, um *comunismo solar*, não significa que não se lute por reformas concretas e urgentes. Sem ilusões sobre um "capitalismo limpo", deve tentar-se ganhar tempo e impor aos poderes algumas alterações elementares: banir os CFCs que estão a destruir a camada de ozono, moratória geral aos organismos geneticamente modificados, redução drástica das emissões de gases de efeito de estufa, regulações estritas na indústria pesqueira, taxação dos carros poluentes, maior desenvolvimento dos transportes públicos, progressiva substituição de camiões por comboios. Estas, e outras similares, estão no coração da agenda do movimento de Justiça Global e dos Fóruns Sociais Mundiais. Este é um novo desenvolvimento político que permitiu, desde Seattle em 1999, a convergência de movimentos sociais e ambientais na luta comum contra o sistema.

Estas exigências urgentes ecossociais podem levar a um processo de radicalização, se essas exigências não forem adaptadas para encaixar nos requerimentos da "competitividade". De acordo com a lógica do que os marxistas chamam "um programa de transição", cada pequena vitória, cada avanço parcial, conduz imediatamente a uma exigência maior, para uma vontade de maior radicalidade. Tais lutas em torno de questões concretas são importantes, não apenas porque as vitórias parciais são elas próprias bem-vindas, mas também porque elas contribuem para aumentar a consciência ecologista e socialista, e porque promovem o activismo e auto-organização a partir da base: ambos serão pré-condições necessárias e mesmo decisivas para uma transformação radical, i.e. revolucionária, do mundo.

Experiências locais como as áreas livre de carros em várias cidades europeias, cooperativas de agricultura orgânica, cooperativas agrícolas lançadas pelo movimento camponês brasileiro do (MST), ou o orçamento participativo em Porto Alegre e, há poucos anos, no estado de Rio Grande do Sul (sob o Governador do PT Olívio Dutra), são exemplos limitados mas interessantes de alteração social/ecológica. Ao permitir que assembleias locais decidam as prioridades do orçamento, Porto Alegre foi – até à esquerda perder as eleições municipais em 2002 – talvez o exemplo mais atraente de "planeamento a partir de baixo", apesar das suas limitações.(22) Deve ser admitido, no entanto, que mesmo existindo algumas medidas progressivas tomadas por alguns governos nacionais, no todo a experiência do Centro-Esquerda ou coligações "Esquerda/Verdes" na Europa ou América Latina foi uma desilusão, ficando firmemente dentro dos limites da política social-liberal de adaptação à globalização capitalista.

Não haverá transformação radical sem que as forças comprometidas com um programa socialista e ecológico radical se tornem hegemónicas, no sentido de Gramsci. Neste sentido, o tempo está do nosso lado, à medida que trabalhamos para a mudança, porque a situação global do ambiente está progressivamente a ficar pior, e as ameaças estão a aproximar-se cada vez mais. Por outro lado, o tempo está a esgotar-se, porque dentro de alguns anos – ninguém pode dizer quantos – o estrago pode ser irreversível. Não há qualquer razão para optimismo: as elites dominantes entrincheiradas no sistema são incrivelmente poderosas, e a força da oposição radical é ainda pequena. Mas ela é a única esperança de travar o "progresso destrutivo" do capitalismo. Walter Benjamin definiu revolução como sendo não a locomotiva da história, mas a capacidade humana de travar o comboio, antes que caia no abismo…(23)

Notas:

(1) Richard Smith, 'The Engine of Eco Collapse', Capitalism, Nature and Socialism, 16(4), 2005, p. 35.

(2) K. Marx, Das Kapital, Volume 1, Berlin: Dietz Verlag, 1960, pp. 529-30. For a remarkable analysis of the destructive logic of capital, see Joel Kovel, The Enemy of Nature. The End of Capitalism or the End of the World?, New York: Zed Books, 2002.

(3) James O'Connor, Natural Causes. Essays in Ecological Marxism, New York: The Guilford Press, 1998, pp. 278, 331.

(4) John Bellamy Foster usa o conceito de "revolução ecológica", mas argumenta que a "revolução ecológica global merecedora do nome apenas pode ocorrer como parte de uma revolução – e insisto, socialista – de maioria social. Tal revolução (…) teria de exigir, como Marx insistiu, que as associações de produtores racionalmente regulassem a relação metabólica humana com a natureza (…) Deve tomar a sua inspiração em William Morris, um dos seguidores mais originais e ecologistas de Karl Marx, em Gandhi, e noutras figuras radicais, revolucionárias e materialistas, incluindo o próprio Marx, indo tão atrás como Epicuro". Foster, 'Organizing Ecological Revolution', Monthly Review, 57(5), 2005, pp. 9-10.

(5) Para uma crítica ecossocialista da "ecopolítica actualmente existente" – economia verde, ecologia profunda, bioregionalismo, etc – ver Kovel, Enemy of Nature, capítulo 7.

(6) Ver John Bellamy Foster, Marx's Ecology. Materialism and Nature, New
York: Monthly Review Press, 2000.

(7) F. Engels, Anti-Dühring, Paris: Ed. Sociales, 1950, p. 318.

(8) K. Marx, Das Kapital, Volume 3, Berlin: Dietz Verlag, 1968, p. 828 and Volume 1, p. 92. Pode-se encotrar problemas similares no marxismo contemporâneo; por exemplo, Ernest Mandel argumentou por um "planeamento democraticamente centralista sob um congresso nacional de conselhos de trabalhadores desde que a sua larga maioria seja de trabalhadores reais" (Mandel, 'Economics of Transition Period', in E. Mandel, ed., 50 Years of World Revolution, New York: Pathfinder Press, 1971, p. 286). Nos seus últimos escritos, ele referiu-se antes a "produtores/consumidores". Vamos frequentemente citar os escritos de Ernest Mandel, porque ele é o teórico socialista mais articulado sobre o planeamento democrático. Mas deve ser dito que até ao final dos anos de 1980, ele não incluiu a questão ecológica como um aspecto central dos seus argumentos económicos.

(9) Ernest Mandel definiu planeamento nos seguintes termos: "Uma economia governada por um plano implica (…) que os recursos relativamente raros da sociedade não são apropriados cegamente ("nas costas do produtor-consumidor") pelo jogo da lei do valor mas que eles são conscientemente alocados de acordo com prioridades previamente estabelecidas. Numa economia de transição onde a economia socialista prevalece, a massa dos trabalhadores determina democraticamente esta escolha de prioridades". Mandel, 'Economics of Transition Period', p. 282.

(10) "Do ponto de vista da massa dos trabalhadores, os sacrifícios impostos pelas arbitrariedades burocráticas não são mais nem menos "aceitáveis" que os sacrifícios impostos pelos mecanismos cegos do mercado. Representam apenas duas formas diferentes da mesma alienação". Ibid., p. 285.

(11) No seu impressionante recente livro sobre socialismo, o economista marxista Argentino Claudio Katz enfatizou que o planeamento democrático, supervisionado de baixo pela maioria da população, "não equivale à centralização absoluta, estatização total, comunismo de guerra ou economia de comando. A transição requer a primado do planeamento sobre o mercado, mas não a supressão das variáveis do mercado. A combinação entre ambas as instâncias deve ser adaptada a cada situação em cada país". No entanto, "a vontade do processo socialista não é manter um equilíbrio inalterável entre o plano e o mercado, mas promover uma perda progressiva das posições de mercado". C. Katz, El porvenir del Socialismo, Buenos Aires: Herramienta/Imago Mundi, 2004, pp. 47-8.

(12) Anti-Dühring, p. 349.

(13) Kovel, Enemy of Nature, p. 215.

(14) Mandel, Power and Money, London: Verso, 1991, p. 209.

(15) Mandel observou: "Nós não acreditamos que a ‘maioria tem sempre razão’ (…) Todos cometem erros. Isto será certamente verdade para a maioria dos cidadãos, a maioria dos produtores e também a maioria dos consumidores. Mas haverá uma diferença básica entre eles e os seus predecessores. Em qualquer sistema de poder desigual (…) os que fazem as más decisões sobre alocação de recursos raramente são os que sofrem as consequências desses erros (…) Desde que exista uma democracia política real, escolha cultural real e informação, é difícil de acreditar que a maioria prefere ver os seus bosques morrer (…)
ou os seus hospitais com falta de pessoal, do que corrigir rapidamente os seus erros de alocação". Mandel, 'In Defense of Socialist Planning', New Left Review, 1/159, 1986, p. 31.

(16) Mandel, Power and Money, p. 204.

(17) Michael Albert, Participatory Economics. Life After Capitalism, London, Verso, 2003, p. 154.

(18) Para uma selecção do "crescimento negativo" ver Majid Rahnema (com Victoria Bawtree), eds., The Post-Development Reader, Atlantic Highlands, N.J.: Zed Books, 1997, e Michel Bernard et al., eds., Objectif Décroissance: vers une société harmonieuse, Lyon: Éditions Parangon, 2004. O principal teórico francês do 'décroissance' é Serge Latour, autor de La planète dês naufragés, essai sur l'après-dévéloppement, Paris: La Decouverte, 1991.

(19) Ernest Mandel era céptico em relação às rápidas alterações dos hábitos de consumo, como o carro privado: "Se, em vez de todos os argumentos ambientais e outros, os produtores e consumidores quiserem manter o domínio do automóvel privado e continuar a poluir as suas cidades, eles estariam no seu direito. Alterações nas orientações de longo prazo dos consumidores são geralmente lentas – poucos acreditam que os trabalhadores nos EUA abandonariam a sua ligação ao automóvel no dia seguinte à revolução". Mandel, 'In Defense of Socialist Planning', p. 30. Mandel está certo em insistir que as alterações nos padrões de consumo não podem ser impostas, mas subestima seriamente o impacto que teria um sistema extensivo e livre de encargos de transportes públicos, bem como a aceitação da maioria dos cidadãos – já hoje, em várias grandes cidades europeias – de medidas restritivas à circulação automóvel.

(20) Mandel, Power and Money, London: Verso, 1991, p. 206.

(21) D. Singer, Whose Millenium? Theirs or Ours? New York: Monthly Review Press, 1999, pp. 259-60.

(22) See S. Baierle, 'The Porto Alegre Thermidor', in Socialist Register 2003.

(23) Walter Benjamin, Gesammelte Schriften, Volume I/3, Frankfurt: Suhrkamp, 1980, p. 1232.

Michael Löwy, sociólogo marxista, é diretor de pesquisa do Centre National de laRecherche Scientifique (CNRS) em Paris.

[tradução do francês por Rita Calvário e Jorge Costa para o português de Portugal.]

Fonte: Vírus [http://esquerda.net/virus/]
Se não queres que riam de teus argumentos , porque usas argumentos risíveis ?

A liberdade só para os que apóiam o governo,só para os membros de um partido (por mais numeroso que este seja) não é liberdade em absoluto.A liberdade é sempre e exclusivamente liberdade para quem pensa de maneira diferente. - Rosa Luxemburgo

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Offline Herf

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #2 Online: 30 de Agosto de 2008, 15:31:30 »
Dia desses vi pichado em um muro: "Ecologia sim, capitalismo não".

Por que as pessoas pensam que há uma oposição entre um sistema baseado na propriedade privada e na liberdade econômica e a não destruição dos recursos naturais e meio ambiente? Quero dizer, se devemos preservar o meio ambiente, então devemos necessariamente colocar todas as áreas do empreendimento e da vida humana sob o jugo regulador do estado?

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Segundo O'Connor, o objectivo do socialismo ecológico é uma nova sociedade baseada [...] no predomínio do valor de uso sobre o valor de troca.
Estou tentando entender como algo pode ter valor de troca sem ter utilidade.

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Socialismo significaria, acima de tudo, *apropriação social* da capacidade produtiva, colocando-a ao serviço dos trabalhadores. Citando uma passagem do *Anti-Dühring*, uma obra canónica para muitas gerações de marxistas, sob o socialismo "a sociedade toma posse, abertamente e sem rodeios, das forças produtivas, que se tornaram demasiado grandes" para o presente sistema.
"Apropriação social da capacidade produtiva, colocando-a a serviço dos trabalhadores". Mas os próprios trabalhadores são a capacidade produtiva. A capacidade produtiva das pessoas não pode ser dissociada das pessoas. Por mais mecanizado que seja um processo de produção, no final dele está o motor da mão humana. Ao tentar se apropriar "socialmente" da capacidade produtiva, o socialismo inevitavelmente acaba por se apropriar das próprias pessoas (não é uma questão de boa vontade ou competência por parte dos "revolucionários").

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Mas, idealmente, com o avanço da transição para o socialismo, mais e mais produtos poderiam ser distribuídos sem custos e de acordo com a vontade dos cidadãos.
[...]
Num processo de transição para o ecossocialismo, onde o transporte público seria amplamente expandido e libertado de tarifas
Essas frase, bem como freqüentes alegações de que "em Cuba é tudo de gratuito", fazem parecer que socialistas têm varinhas mágicas capazes de criar riqueza a partir do nada. Esse é um dos pontos mais fortes (convincentes) do discurso socialista, pois explora a dificuldade natural que as pessoas têm em perceber que não há almoço grátis.

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No capitalismo, o valor de uso é apenas um meio – frequentemente, um truque – ao serviço do valor de troca e do lucro (que explica, aliás, porque tantos produtos na actual sociedade são essencialmente inúteis)
???

Diz-se que um produto é útil quando ele satisfaz a necessdade para a qual ele foi adquirido. Eu observo a sociedade atual e tento encontrar alguém que se esforce e gaste recursos em produzir algo que as pessoas não querem adquirir (ou então algo de que a própria pessoa usufrua), em outras palavras, alguém que produza coisas inúteis. Mas não encontro. Acho que o próprio autor não conseguiria apontar uma empresa especializada em produzir coisas que não satisfaçam alguma necessidade de algum público.

Se diante deste cenário o autor afirma que existam tantos produtos inúteis e a utilidade de um produto é ligada à capacidade que este tem de satisfazer uma necessidade, só posso concluir que ele tem um entendimento muito particular de "necessidade". Em outras palavras, a necessidade de uma pessoa não é o que ela própria deseja satisfazer, mas sim o que o sábio burocrata decidiu que ela deve querer. A crença de que o indivíduo não é capaz de decidir por si próprio (exceto, é claro, na hora de votar, seja nas "assembléias populares" ou no "paizão do povo") é o mal comum a todos com tendências socialistas.

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Como distinguir as necessidades autênticas das artificiais, falsas e criadas? A indústria da publicidade – induzindo necessidades através da manipulação mental – invadiu todas as esferas da vida humana nas sociedades modernas capitalistas: não apenas alimentação e vestuário, mas também desporto, cultura, religião e política são moldadas de acordo com as suas regras. Invadiu as ruas, caixas de correio, ecrãs de televisão, jornais, paisagens, numa forma permanente, agressiva e insidiosa, e contribui decisivamente para os hábitos de consumo compulsivo e conspícuo.
O autor trata as pessoas como autômatos, desprovidas de qualquer capacidade de avaliação racional de custo/benefício. Exagera dramaticamente o poder da publicidade em influenciar as decisões das pessoas. A publicidade tem o seu peso, obviamente, mas nenhum produto ruim com uma boa campanha publicitária mantém-se no mercado enganando o público por muito tempo.

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O critério para distinguir uma necessidade autêntica de uma artificial, seria pela sua persistência após a supressão da publicidade.
Não respondeu a pergunta que ele próprio formulou. Como se distingue uma necessidade "autêntica" de uma "criada" após a supressão da publicidade?

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Claro que durante algum tempo os velhos hábitos de consumo iriam persistir e ninguém tem o direito de dizer às pessoas o que são as suas necessidades.
Depois de tudo aquilo, ler isso é dose.

Offline Luiz Souto

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #3 Online: 30 de Agosto de 2008, 21:07:37 »
Dia desses vi pichado em um muro: "Ecologia sim, capitalismo não".

Por que as pessoas pensam que há uma oposição entre um sistema baseado na propriedade privada e na liberdade econômica e a não destruição dos recursos naturais e meio ambiente? Quero dizer, se devemos preservar o meio ambiente, então devemos necessariamente colocar todas as áreas do empreendimento e da vida humana sob o jugo regulador do estado?

Porque o sistema capitalista se baseia na produção continuada e progressiva de mercadorias , isto faz parte de uma característica essencial do sistema que só pode se manter pela competição entre os produtores. Deixado sem regulação o sistema avança sobre os recursos naturais , degrada o meio ambiente ; onde houve redução dos danos ambientais este se deu não pelos "mecanismos de mercado" mas pela intervenção extra econômica ( legislações anti poluição , sanções aos ramos poluidores) porém mesmo esta regulação ,dentro dos marcos da lógica do capitalismo, é parcial e paliativa já que a característica fundamental do sistema persiste.

Quanto ao "jugo regulador do estado" ,só você leu isso , o texto propõe um sistema de regulação política que significa a abolição do Estado como o conhecemos atualmente.

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O planeamento socialista deve assentar no debate democrático e pluralista, a todos os níveis em que as decisões são tomadas. Organizadas sob a forma de partidos, plataformas, ou quaisquer outros movimentos políticos, os delegados para o organismo de planeamento são eleitos, e as diferentes propostas são apresentadas às populações abrangidas por elas. A democracia representativa deve ser completada – e corrigida – pela democracia directa, em que as pessoas escolhem directamente sobre as grandes opções. Deve o transporte público ser gratuito? Devem os possuidores de viatura privada pagar impostos especiais para subsidiar os transportes públicos? Deve a energia solar ser subsidiada para competir com as energias fósseis? Deve a semana de trabalho ser reduzida a 30 ou 25 horas, ou menos, mesmo que isso signifique uma redução na produção? A natureza democrática do planejamento não é incompatível com a existência de especialistas: o seu papel não é decidir, mas sim apresentar no processo democrático as suas perspectivas (muitas vezes diferentes, senão opostas). Como Ernest Mandel afirma, "governos, partidos, conselhos de planeamento, cientistas, tecnocratas, ou seja quem for, podem fazer sugestões, avançar propostas, tentar influenciar as pessoas. Mas sob um sistema multi-partidário, tais propostas nunca serão unânimes: as pessoas terão a escolha entre alternativas coerentes. E o direito e o poder para *decidir* deve estar nas mãos da maioria dos produtores/consumidores/cidadãos e nas de mais ninguém. Que há nisto de despótico ou paternalista?".(14)


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Segundo O'Connor, o objectivo do socialismo ecológico é uma nova sociedade baseada [...] no predomínio do valor de uso sobre o valor de troca.
Estou tentando entender como algo pode ter valor de troca sem ter utilidade.

Simples , basta por exemplo que sua utilidade seja artificial , ou seja criada apenas pelo fato de ser colocado à venda como "melhor" , "mais moderno"  , "avançado" que a versão anterior ou concorrente , junto é claro com propaganda para divulgar estas características. A sensação de utilidade pode ser criada pela propaganda e não pelas características do produto em si , somado à política da empresa de eliminar o produto mais antigo independente de sua utilidade não ser inferior ao novo produto.
Achar que o fato das pessoas poderem ser influenciadas pela propaganda as torna autômatos é uma falsa dicotomia ; o objetivo da propaganda e do marketing é criar desejos e necessidades para vender o produto ( propaganda não tem por objetivo informar mas formar). Obviamente nenhum Nizan Guanaes conseguirá vender porcaria enquanto ela parecer porcaria , mas tornará sandálias Havaianas em objeto de consumo fashion mudando sua apresentação e colocando no pé da Giselle Bündchen em uma campanha promocional pela mídia. O marketing é hoje uma técnica altamente sofisticada , baseada em estudos de psicologia e sociologia . e diversos produtos tem sua "utilidade" devido á ela.

Dando dois exemplos pessoais de produtos que tem valor de troca dissociado de seu valor de uso:

- meu celular anterior foi furtado. Era um Samsung simples que eu usava para fazer apenas o que eu quero de um telefone: telefonar (ter agenda de telefones para mim já era um luxo adicional , mas não essencial). Quando fui pegar outro descobri que não podia comprar um similar pela simples razão que modelos tão simples são descontinuados , celulares são para ter câmera , mandar torpedos , toques polifônicos... Resultado: possuo agora um Sony Ericsson com vários recursos que me são indiferentes e não vou usar , só quero telefonar e usar a agenda , ponto final. Por acaso conversando com colegas descobri que , para a maioria , grande parte dos recursos de seus telefones também são "inúteis" ; porém para as mulheres coisas como design , câmeras , torpedos têm um valor maior , para elas neste caso o valor de uso é maior que para os homens de minha "enquete".

- quando quero prescrever para um paciente hipertenso um inibidor do sistema renina-angiotensina ( uma classe de anti-hipertensivos) o mercado me oferece diversas opções: captopril , enalapril , ramipril , lisinopril , perindopril ,trandolapril. Só opto por dois: enalapril se o paciente tiver menor poder aquisitivo (existe em postos de saúde e em programas de farmácia popular) porque tem que ser tomado duas vezes ao dia ou lisinopril que é um pouco mais caro mas pode ser tomado em dose unica. Por que isso? Porque estes medicamentos , assim como os homens na opinião das mulheres , são todos iguais ; em doses equivqalentes seus efeitos cardiovasculares são similares , a diferença é quantos por dia se toma. Então como medicações caras como o perindopril sobrevive no mercado se há outros similares de preço bem menor? Os medicamentos mais caros são os que têm o maior esforço de propaganda da indústria farmacêutica , com financiamento de pesquisas para apontar diferenças que são , no máximo estatística e não clínicas , se mantém pela propaganda intensiva e distribuição de amostras grátis aos clínicos ( além de muitos "eventos científicos" patrocinados).

Não se iluda Herf , a propaganda no capitalismo se não é a alma do negócio ( esta é o lucro) é a alma da venda.


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Socialismo significaria, acima de tudo, *apropriação social* da capacidade produtiva, colocando-a ao serviço dos trabalhadores. Citando uma passagem do *Anti-Dühring*, uma obra canónica para muitas gerações de marxistas, sob o socialismo "a sociedade toma posse, abertamente e sem rodeios, das forças produtivas, que se tornaram demasiado grandes" para o presente sistema.

"Apropriação social da capacidade produtiva, colocando-a a serviço dos trabalhadores". Mas os próprios trabalhadores são a capacidade produtiva. A capacidade produtiva das pessoas não pode ser dissociada das pessoas. Por mais mecanizado que seja um processo de produção, no final dele está o motor da mão humana. Ao tentar se apropriar "socialmente" da capacidade produtiva, o socialismo inevitavelmente acaba por se apropriar das próprias pessoas (não é uma questão de boa vontade ou competência por parte dos "revolucionários").

A capacidade produtiva  se baseia na força de trabalho ( as máquinas e insumos também são fruto do tranbalho) mas não é apropiada por estes como produtores já que as decisões sobre o que , quanto e como produzir não são tomadas pelos produtores , mas pelos propietários das empresas. A proposta é clara : o propietário da capacidade produtiva da sociedade é a própia sociedade , constituída  por produtores associados , não havendo propietários privados dos meios de produção.


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Mas, idealmente, com o avanço da transição para o socialismo, mais e mais produtos poderiam ser distribuídos sem custos e de acordo com a vontade dos cidadãos.
[...]
Num processo de transição para o ecossocialismo, onde o transporte público seria amplamente expandido e libertado de tarifas
Essas frase, bem como freqüentes alegações de que "em Cuba é tudo de gratuito", fazem parecer que socialistas têm varinhas mágicas capazes de criar riqueza a partir do nada. Esse é um dos pontos mais fortes (convincentes) do discurso socialista, pois explora a dificuldade natural que as pessoas têm em perceber que não há almoço grátis.

Ninguém está propondo almoço grátis.
Qualquer produto tem um custo de produção mesmo que não tenha um preço. Quando uma pessoa recebe um medicamento no posto de saúde ou tem um filho em uma escola pública recebendo o material escolar estes são grátis porque os custos são pagos pela sociedade como um todo através dos impostos que agem como redistribuidores da renda criada pelo trabalho da sociedade cdomo um todo. O que se pode redistribuir depende da capacidade produtiva da sociedade , não se redistribui o que não se têm. Aumentando a capacidade produtiva global pela racionalização da produção e redução do desperdício permitiria expandir os bens e serviços que seriam isentos de pagamento ( o que não quer dizer que tudo será "grátis" ou que a moeda se tornará desnecessária).
Se não queres que riam de teus argumentos , porque usas argumentos risíveis ?

A liberdade só para os que apóiam o governo,só para os membros de um partido (por mais numeroso que este seja) não é liberdade em absoluto.A liberdade é sempre e exclusivamente liberdade para quem pensa de maneira diferente. - Rosa Luxemburgo

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Offline Herf

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #4 Online: 30 de Agosto de 2008, 23:01:19 »
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Porque o sistema capitalista se baseia na produção continuada e progressiva de mercadorias , isto faz parte de uma característica essencial do sistema que só pode se manter pela competição entre os produtores. Deixado sem regulação o sistema avança sobre os recursos naturais , degrada o meio ambiente ; onde houve redução dos danos ambientais este se deu não pelos "mecanismos de mercado" mas pela intervenção extra econômica ( legislações anti poluição , sanções aos ramos poluidores) porém mesmo esta regulação ,dentro dos marcos da lógica do capitalismo, é parcial e paliativa já que a característica fundamental do sistema persiste.
Não é porque não se pode transformar em mercadoria tudo aquilo que pode ser mercadoria que estará justificado um regime socialista. Proibições quanto a coisas que não podem ser exploradas comercialmente existem até nos países mais liberais, e não é por isso que eles são socialistas. Órgãos humanos não podem ser comercializados em açogues de países capitalistas, e não é por isso que está justificada algum incompatibilidade entre proteger a vida humana e o sistema capitalista.

Enfim, o que quero dizer é: se após um debate racional chegar-se à conclusão de que se deve baixar os níveis de carbono no ar pois do contrário todos morreremos em dez anos, então tratemos apenas de proibir que cada um emita mais carbono do que uma certa quantidade, e não de socializar todos os meios de produção.

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[publicidade]

Eu concordo que a função da propaganda seja criar uma imagem mais atraente do produto. De certa forma, é a arte de ludibriar as pessoas neste aspecto. O que quero dizer é que esta atividade não cria necessidades, mas apenas as satisfaz, como qualquer outra. Se as mulheres preferem Havaianas à marca concorrente porque viram o comercial das Havaianas com a Gisele, é porque elas têm a necessidade de se parecer com a Gisele, de copiá-la em todos os sentidos, de ser tão fashion, famosa e bonita quanto ela. O produto bem promovido supre essa necessidade, mas não a cria. O desejo de se parecer com pessoas mais poderosas, bonitas e de classes mais altas e satisfazê-lo por meio da cópia de suas vestes e modos existe desde muito antes do primeiro publicitário. Quero dizer, a necessidade de copiar a Gisele já existia nas mulheres que compram Havaianas com essa finalidade. Os promotores apenas tratam de explorá-la associando a modelo a seu produto. Estão satisfazendo uma necessidade que sempre existiu (e que seria satisfeita de formas diferentes caso não existisse o produto).


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A capacidade produtiva  se baseia na força de trabalho ( as máquinas e insumos também são fruto do tranbalho) mas não é apropiada por estes como produtores já que as decisões sobre o que , quanto e como produzir não são tomadas pelos produtores , mas pelos propietários das empresas. A proposta é clara : o propietário da capacidade produtiva da sociedade é a própia sociedade , constituída  por produtores associados , não havendo propietários privados dos meios de produção.
Mas se os fins aos quais se prestará a força de trabalho do indivíduo forem decididos por qualquer outra "entidade" que não o próprio, então há opressão. Tanto em um socialismo estatista quanto na mais perfeita democracia socialista a força de trabalho do indivíduo está submetida não ao julgamento do próprio, mas sim a algo externo. No primeiro caso há a ditadura do estado. No segundo, a ditadura da maioria.

E afirmar que no capitalismo o trabalhador não é dono de sua força de trabalho apenas porque não é dono da mercadoria que produz não é válido. Aqui, a força de trabalho está "materializada" no salário que recebe, e a este ele pode dar o fim que bem entender.

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Ninguém está propondo almoço grátis.
Qualquer produto tem um custo de produção mesmo que não tenha um preço. Quando uma pessoa recebe um medicamento no posto de saúde ou tem um filho em uma escola pública recebendo o material escolar estes são grátis porque os custos são pagos pela sociedade como um todo através dos impostos que agem como redistribuidores da renda criada pelo trabalho da sociedade cdomo um todo. O que se pode redistribuir depende da capacidade produtiva da sociedade , não se redistribui o que não se têm. Aumentando a capacidade produtiva global pela racionalização da produção e redução do desperdício permitiria expandir os bens e serviços que seriam isentos de pagamento ( o que não quer dizer que tudo será "grátis" ou que a moeda se tornará desnecessária).
Mas o próprio também trabalha para arcar com sua parcela dos custos do medicamento e escola dos outros.

Admita, falar em produtos "sem custos" e transporte "sem tarifa" foi um deslize por parte do autor.

Offline Buckaroo Banzai

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #5 Online: 31 de Agosto de 2008, 22:14:27 »
Antes de mais nada, acho que a "ecologia", natureza, ainda que tem um valor em si mesmo, serve principalmente para as pessoas. É sim um ponto antropocentrista, mas não me importo com isso. Ressalto isso porque ainda assim, sou meio "ambientalista", o que é muitas vezes alvo de críticas por ter uma imagem de "temos que salvar a arara azul turquesa", "temos que salvar o besouro canhoto norte-amazonense de élitros verde e azuis", coisas cuja importância para a vida humana são bem questionáveis mesmo levando em consideração que o homem é uma espécie animal, que vive em um "meio ambiente" e não apostando numa cornucópia para nos salvar.

O pessoal capitalista mais engajado diz que é simplesmente mentira isso do socialismo ser mais ecologicamente sustentavel; apontam que os maiores poluidores dentro de uma análise de eficiência em vez de poluição pura são socialistas ou ex-socialistas e não capitalistas. Isso é, a China e os EUA podem estar quase empatados em poluição emitida, com os EUA liderando timidamente a dianteira, mas a China polui muito mais para produzir muito menos, e com uma qualidade de vida muito menor.

Walter Block, que acho meio maluco, também apontou algo que no entanto achei meio interessante, uma lógica do porque a preservação ambiental funcionaria melhor se fosse tudo privatizado em vez de protegido pelo estado. Não lembro exatamente da explicação toda, mas numa hora ele comparou com dar refrigerante à crianças onde todos tem que beber de um só grande copo com canudinhos, onde todo o refrigerante é um bem comum. Todas tenderiam a querer beber sempre mais e beberiam mais se mais rápido, mal sentindo o gosto, só para não ficar com menos. Já se o refrigerante é separado em latinhas separadas, eles ficam tranqüilos porque cada um tem o seu e não bebem desesperadamente para não ficar sem; tem o direito à propriedade assegurado.

Essa analogia de certa forma pode atirar pela culatra uma vez que ainda assim para garantir uma ordem um pouco melhor geralmente há os pais dando uma latinha de refrigerante para cada filho ou criança numa festinha, algo ironicamente bem análogo a um estado paternalista, em vez da festinha infantil surgir espontâneamente a partir das crianças sem controle. Ainda que talvez fosse questionável a comparação das pessoas adultas com crianças, a analogia começou justamente com essa proposta.

Ele complementa de qualquer forma com ao menos um exemplo concreto, de que o bisão americano praticamente foi levado à extinção ao não ser de ninguém, as pessoas matavam por diversão. E o reestabelecimento das populações não se deu por política estatal, mas através da iniciativa privada. De forma similar, ele defende que os animais em risco de extinção são aqueles que não são de ninguém. O gado, apesar de ser composto de animais que uns cientistas julgam que já deveriam estar extintos, não estão, justamente por serem propriedade particular. Elefantes e outros animais em estado selvagem, por outro lado, não desfrutam da mesma segurança em serem propriedade particular.

Como cheguei a deixar implícito, ainda que tenha certa lógica, não concordo totalmente com isso, acho que algo mais "meio termo" seria mais o caso. Mesmo se hipoteticamente todos os recursos naturais de alguma forma fossem propriedade privada, isso só não asseguraria a segurança ecológica. Acho que há sempre o risco de ser feito um uso insustentável dos recursos. Por outro lado, isso não é inevitavelmente remediado com o estado, como implícito no ponto anterior dos países anteriormente socialistas serem mais poluentes e em coisas como essa nova ramificação do Rio São Francisco ser algo estatal.

Offline Herf

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #6 Online: 31 de Agosto de 2008, 22:43:26 »
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Mesmo se hipoteticamente todos os recursos naturais de alguma forma fossem propriedade privada, isso só não asseguraria a segurança ecológica. Acho que há sempre o risco de ser feito um uso insustentável dos recursos.
Também acho que a privatização de áreas importantes é o melhor modo de preservá-las. Mas também acho que os proprietarios destas áreas deveriam ter limites quanto ao que fazem com elas, justamente pelo fato de que a concessão dessa propriedade não seria um fim em si mesma (como é a propriedade de uma casa, etc), mas apenas um meio para atingir o fim da preservação. Ao ter direito a um lote, o proprietário poderia fazer com ele o que quisesse desde que prometesse coisas como não desmatar (ou, em caso de desmatamento, plantar uma quantidade determinada de árvores por árvore cortada), não inserir espécies alienígenas, manter as espécies animais fora de risco de extinção (para quem resolvesse criar animais para caça ou extração de pele), etc.

Offline Buckaroo Banzai

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #7 Online: 31 de Agosto de 2008, 23:09:11 »
O que acho que já é mais ou menos a prática do governo; o problema é que tende a ser vantajoso em curto prazo para o dono burlar tanto quanto for possível, supondo que se saia impune.

Offline Luiz Souto

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #8 Online: 03 de Setembro de 2008, 23:11:43 »
Mas se os fins aos quais se prestará a força de trabalho do indivíduo forem decididos por qualquer outra "entidade" que não o próprio, então há opressão. Tanto em um socialismo estatista quanto na mais perfeita democracia socialista a força de trabalho do indivíduo está submetida não ao julgamento do próprio, mas sim a algo externo. No primeiro caso há a ditadura do estado. No segundo, a ditadura da maioria.

E afirmar que no capitalismo o trabalhador não é dono de sua força de trabalho apenas porque não é dono da mercadoria que produz não é válido. Aqui, a força de trabalho está "materializada" no salário que recebe, e a este ele pode dar o fim que bem entender.

Pelo seu raciocínio  qualquer decisão sobre aos fins a que se presta a força de trabalho de um indivíduo será opressão se não for decidida pelo própio. O que nos levaria à conclusão que a opressão é inevitável e indissociável de qualquer sociedade mais complexa que uma sociedade tribal vivendo no nível de subsistência , já que um nível maior de complexidade exige uma diversidade de funções e a alocação dos indivíduos nesta não é fruto apenas de seu desejo mas das condições sob as quais vive. Nesta opressão se inclui obviamente a sociedade capitalista atual , onde o trabalhador não decide o fim que terá a utilização de sua força de trabalho , mas está é decidida pelo empresário que o emprega e decidiu de antemão o que produzir e quais trabalhadores e com quais capacidades necessita.
Nenhuma sociedade complexa existe sem que decisões estruturais tenham que ser tomadas , a questão é quem decide ; uma minoria ou uma maioria. No primeiro caso temos o autoritarismo em suas diversas formas , no segundo a democracia. Chamar uma decisão democrática  de ditadura da maioria é uma deturpação e uma contradição em termos.
A forma alternativa ao que você denomina opressão seria uma sociedade em que a decisão individual fosse soberana e a interação entre os componentes da sociedade fosse feita entre indivíduoa autônomos , que não teriam a subordinação à decisão da maioria mas atuariam por consenso e manteriam sua liberade absoluta. Esta forma já foi teorizada ,é o Anarquismo. Coerentemente os anarquistas  a propõem considerando que a sociedade se organizará em comunas autogeridas , incompatíveis com o nível de organização e integração nacional e internacional das economias atuais.

E quanto à propiedade da força de trabalho , ela só é propiedade do trabalhador antes de vendê-la , após isso ela pertence ao seu empregador que a usa ( dentro dos limites legais) como desejar , sem que tenha que dar satisfação ao trabalhador dos fins deste uso. O fato de receber um salário não muda isto.
Se não queres que riam de teus argumentos , porque usas argumentos risíveis ?

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Offline Herf

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #9 Online: 04 de Setembro de 2008, 14:02:39 »
No capitalismo você é sim proprietário de sua força de trabalho. Ocorre que ela não passa de mais uma mercadoria, que pode ou não ser alugada. Se o sujeito acha que pode fazer melhor uso de sua própria capacidade produtiva não a alugando mas sim empregando-a em um negócio próprio, arcando com os riscos, ele pode. Há quem ache que terá mais a ganhar simplesmente a alugando para outros, e não há qualquer problema nisso: perceba que do ponto de vista do operário o fruto de seu trabalho não é o objeto que montou ou o muro que ergueu, mas sim o pagamento que recebeu. Afinal, foi para isso que ele trabalhou, e não para ficar com uma parcela daquilo que produziu (o que seria uma grande desvantagem para ele, convenhamos). E lhe é concedida liberdade para usar seus ganhos da maneira que quiser. Tendo isto em vista, qual o problema em afirmar que neste sistema cada um é dono de sua própria força de trabalho?

Não entendo como pode haver mais liberdade (e eficiência na alocação de recursos de acordo com os desejos do público) em um sistema onde qualquer atividade produtiva de uma pessoa esteja subordinada a decisões da coletividade.

Offline Luiz Souto

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #10 Online: 04 de Setembro de 2008, 19:09:01 »
No capitalismo você é sim proprietário de sua força de trabalho. Ocorre que ela não passa de mais uma mercadoria, que pode ou não ser alugada. Se o sujeito acha que pode fazer melhor uso de sua própria capacidade produtiva não a alugando mas sim empregando-a em um negócio próprio, arcando com os riscos, ele pode. Há quem ache que terá mais a ganhar simplesmente a alugando para outros, e não há qualquer problema nisso: perceba que do ponto de vista do operário o fruto de seu trabalho não é o objeto que montou ou o muro que ergueu, mas sim o pagamento que recebeu. Afinal, foi para isso que ele trabalhou, e não para ficar com uma parcela daquilo que produziu (o que seria uma grande desvantagem para ele, convenhamos). E lhe é concedida liberdade para usar seus ganhos da maneira que quiser. Tendo isto em vista, qual o problema em afirmar que neste sistema cada um é dono de sua própria força de trabalho?

Sim , o trabalhador é dono da sua força de trabalho  e esta , sendo uma mercadoria, passa a pertencer ao empresário que a compra dentro dos limites legais que regulam esta transação.Não estamos discordando nisso.
A discordância se dá em relação ao produto do trabalho : quem decide o que produzir? Na perspectiva ecossocialista o bem estar coletivo e a preservação do meio ambiente são os parâmetros a guiar esta decisão e não a vontade individual do produtor ou os mecanismos de mercado ; o exemplo do texto sobre a opção carro individual x transporte coletivo mostra isso.

Em relação ao que você afirma , que a pessoa tem a opção de não vender sua força de trabalho mas iniciar um negócio própio ,isto é verdade apenas para os que tem esta opção. Aqueles que não têm meios para iniciar este negócio estão obrigados a vender sua força de trabalho , gostassem ou não de ser donos de um negócio própio.

Não entendo como pode haver mais liberdade (e eficiência na alocação de recursos de acordo com os desejos do público) em um sistema onde qualquer atividade produtiva de uma pessoa esteja subordinada a decisões da coletividade.

Não está dito que qualquer atividade produtiva está subordinada às decisões da coletividade. As decisões coletivas se referem aos grandes temas , aos temas macro ( investir em energia nuclear ou hidrelétricas? investir em transporte de cargas ferroviário ou por caminhões?). Estas decisões delimitam o horizonte dentro das quais as opções dos empresários ocorrerão , mas não retiram a autonomia destes de decidirem em que investir no âmbito deste horizonte. As decisões a nível de empresas individuais não são reguladas em detalhe mas deixadas ao escrutínio dos produtores.
Note ainda que este sistema , embora privilegie a produção por empresas sob o controle dos trabalhadores não é incompatível com a existência de empresas sob posse individual como no capitalismo  , ambas as formas de propiedade podem coexistir desde que mantenham-se dentro do planejamento econômico global.Assim , p.ex., empresas de grande porte seriam propiedade de cooperativas de trabalhadores coexistindo com micro e médias empresas de empresários individuais.
Se não queres que riam de teus argumentos , porque usas argumentos risíveis ?

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Offline Herf

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #11 Online: 05 de Setembro de 2008, 22:41:19 »
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Em relação ao que você afirma , que a pessoa tem a opção de não vender sua força de trabalho mas iniciar um negócio própio ,isto é verdade apenas para os que tem esta opção. Aqueles que não têm meios para iniciar este negócio estão obrigados a vender sua força de trabalho , gostassem ou não de ser donos de um negócio própio.
Naturalmente isso só pode ser feito por quem dispõe dos meios, mas uma vez os tendo, o sistema permite, e é isso o que importa aqui.

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Não está dito que qualquer atividade produtiva está subordinada às decisões da coletividade. As decisões coletivas se referem aos grandes temas , aos temas macro ( investir em energia nuclear ou hidrelétricas? investir em transporte de cargas ferroviário ou por caminhões?). Estas decisões delimitam o horizonte dentro das quais as opções dos empresários ocorrerão , mas não retiram a autonomia destes de decidirem em que investir no âmbito deste horizonte.
Mas eu não entendo porque chamar isso de "socialismo".

Mesmo nos países mais capitalistas do mundo o estado impõe restrições quanto à exploração comercial de certas substâncias. O estado delimita o horizonte dentro do qual a indústria farmacêutica pode atuar, mas o empresário está livre para atuar dentro deste limite. Os EUA atuam assim. São os EUA "socialistas" neste aspecto?

Quanto à questão do transporte. No dia em que o estado concluir que devem ser tomadas medidas severas contra a poluição do ar, basta exigir coisas como a instalação de filtros em todo carro particular, bem como a taxação pesada do combustível para cobrir despesas de problemas provenientes da poluição. Se a lei realmente for cumprida, carros tradicionais ficarão naturalmente mais caros e menos acessíveis. Com isso, tenderão a ser menos produzidos, e modelos ecologicamente corretos de carro (mais baratos, já que não pagariam impostos de combustível nem necessitariam filtro) passarão a se proliferar. Sistemas de transporte em massa terão mais incentivo para serem criados por empresas privadas, pois este tipo de transporte seria mais financeiramente recompensador neste cenário. Enfim, se o estado faz sua parte com competência, legislando com sabedoria e fazendo cumprir a lei, o mercado tende a alocar os recursos da maneira ecologicamente correta.

Regulações deste tipo, "delimitar o horizonte" e permitir liberdade dentro dele, já existem aos montes em todos os países e sempre existirão, e não fogem ao escopo do liberalismo na medida em que são entendidas como protetoras da liberdade/propriedade/integridade física dos outros membros da sociedade.

Offline Luiz Souto

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #12 Online: 05 de Setembro de 2008, 23:13:07 »
Bom , acho que chegamos ao centro da questão.
Você entende socialismo como sendo um sistema de comando econômico burocrático  enquanto que o conceito mais correto é que ele seria um sistema de decisão política democrática.
Socialismo significaria, de forma sucinta e quase caricatural ,a extensão da democracia política para a economia; as decisões macroeconômicas são submetidas à discussão e decisão do conjunto da população do país ( o que implica em novas formas de instituições que garantam a representatividade).
A ampliação da democracia para a economia levaria , além dos mecanismos políticos de decisão sobre os grandes temas econômicos , ao apoio a novas formas de propiedade ( como cooperativas , empresas autogeridas) como base para  a organização da produção nacional. A concepção do socialismo como "politização da economia" implica na progressiva mudança das formas de propiedade dentro da sociedade , com a expansão do setor "coletivista" em relação ao "setor privado".
Se não queres que riam de teus argumentos , porque usas argumentos risíveis ?

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Offline Galthaar

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #13 Online: 06 de Setembro de 2008, 13:51:52 »

Não sou confiante de que o socialismo é a resposta correta para uma transformação da sociedade, mas certamente, o capitalismo possui uma propriedade que anula uma busca pelo bem-estar: a procura pela maximização do lucro e da produtividade, em detrimento do ser humano, e de forma ambígua, por causa de sua ambição.

A ênfase do capitalismo não está na qualidade de vida, mas antes, no aumento de potência, é um mecânismo que surgiu naturalmente de um organismo social gerado geneticamente para combater - mesmo entre si - pela supremacia existencial. O capitalismo se encaixa perfeitamente na essência do ser replicador, será portanto uma tarefa inglória desenraizá-lo, pelo menos em parte.

Sendo a felicidade humana em grande parte uma relação da sua potência em relação a dos que o cercam, um sistema que não premie quem se acha capaz de superioridade, acabará gerando conflitos. Antes de se mudar qualquer sistema econômico, faz-se necessário uma reforma moral do ser humano, se é que pode-se dizer que isto é possível, visto que  a maioria, mesmo a imensa parte despotencializada, dificilmente concordaria com isto.

Na minha visão pessoal, o tempo livre seria a maior conquista do ser, ainda mais quando sabemos que não há outras vidas, e que o trabalho não tem objetivo em si mesmo. Mas em um sistema capitalista, as pessoas são manipuladas pelo ego e pelo ambiente a pensar que o tempo livre pode ser transformado em uma maximização do poder, mesmo que ao custo das horas de lazer.

A produtividade é um meio que acabou tornando-se objetivo. O homem não gosta tanto do prazer quanto da visão de que possui mais potencial de prazer que os demais ou que terá capacidade de mantê-lo  e aumentá-lo ainda por longo tempo, mesmo que isto signifique nunca aproveitá-lo.

"A dominação social no capitalismo, no seu nível mais fundamental, não consiste na dominação das pessoas por outras pessoas, mas na dominação das pessoas por estruturas sociais abstratas constituídas pelas próprias pessoas."

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Offline Herf

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #14 Online: 06 de Setembro de 2008, 16:18:47 »
É um engano afirmar coisas como "o fim no capitalismo é o máximo lucro a qualquer custo", ou que o sistema "incentiva o egoísmo". O capitalismo em si não incentiva absolutamente nada e não tem nenhum fim específico. É apenas um sistema baseado na proteção da propriedade privada de todo cidadão e na concessão de liberdade a esse cidadão para dar a essa propriedade o fim que ele desejar. Nada mais.

Críticos do sistema capitalista costumam tomar a sua própria noção pessoal do que representa "bem-estar" e estendê-la para todo o resto da humanidade, faz de seus próprios sentimentos algo universalmente válido. "Bem-estar é buscar valores elevados", alguns dizem. Mas o que é um "valor elevado" e porque isso não pode ser determinado de acordo com cada pessoa? Porque, afinal de contas, estabelecer uma polarização entre "busca pelo lucro" e "felicidade"? A busca pela riqueza material é apenas mais uma dentre as incontáveis formas de se buscar satisfação pessoal, e não há a menor razão para considerar esta atividade como especialmente perniciosa ao indivíduo que a pratica com o objetivo de satisfazer-se. Nenhuma atividade - seja buscar incessantemente riqueza material, passar a vida estudando ou praticar uma religião qualquer - é, no final das contas, um fim em si mesma, mas apenas um meio para obter satisfação.

Offline Eremita

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #15 Online: 06 de Setembro de 2008, 23:05:16 »
Tô acompanhando de longe o tópico. Como sou ignorante nos movimentos ecológicos, não acho que eu possa dar uma contribuição útil a ela.

Você entende socialismo como sendo um sistema de comando econômico burocrático  enquanto que o conceito mais correto é que ele seria um sistema de decisão política democrática.
Seu estraga-prazeres! Eu queria ter dito essa frase. :biglol:
Latebra optima insania est.

Offline Galthaar

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Re: Ecosocialismo
« Resposta #16 Online: 08 de Setembro de 2008, 14:23:40 »

É um engano afirmar coisas como "o fim no capitalismo é o máximo lucro a qualquer custo", ou que o sistema "incentiva o egoísmo". O capitalismo em si não incentiva absolutamente nada e não tem nenhum fim específico. É apenas um sistema baseado na proteção da propriedade privada de todo cidadão e na concessão de liberdade a esse cidadão para dar a essa propriedade o fim que ele desejar. Nada mais.


O máximo lucro não é a finalidade do capitalismo, e sim do ser humano. O capitalismo simplesmente se adequa bem a este fim.

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A busca pela riqueza material é apenas mais uma dentre as incontáveis formas de se buscar satisfação pessoal, e não há a menor razão para considerar esta atividade como especialmente perniciosa ao indivíduo que a pratica com o objetivo de satisfazer-se. Nenhuma atividade - seja buscar incessantemente riqueza material, passar a vida estudando ou praticar uma religião qualquer - é, no final das contas, um fim em si mesma, mas apenas um meio para obter satisfação.

Sou cético quanto a busca pela riqueza significar satisfação pessoal. Como já declarei algumas vezes, a felicidade humana está condicionada ao ambiente, e sempre envolve disputas com os outros, isto é parte da natureza do ser humano. É claro que há prazer na luta e na conquista, mas isto sempre significará um jogo de soma zero mesmo que o produto deste jogo amplie a capacidade de sobrevivência de todos os envolvidos.

A busca pela riqueza como satisfação pessoal de um, dentro de um sistema capitalista, envolve, não obrigatoriamente, mas geralmente, a insatisfação de outros. Concordo que isto não é uma propriedade do capitalismo per se, mas do próprio ser humano.

Não sou contra o capitalismo, sou simplesmente neutro, como se fosse (e é) o sistema default. Mas certamente pode haver alguma engenharia, que poderia ser descoberta através de sociedades experimentais, para otimizar este sistema ou mesmo descobrir algo melhor. Como o ser-humano bem o sabe, só porque algo surgiu naturalmente em um processo evolutivo e se adequa bem ao momento, não significa absolutamente que seja o melhor possível.

As sociedades experimentais resolveriam também o problema de se ter que definir um sistema com alguma ideologia muito pessoal, pois as pessoas simplesmente escolheriam qual melhor se adequa à elas. Isto obviamente, é uma utopia, pelo menos atualmente, ainda mais pelas barreiras éticas que a sociedade impõe ao seu próprio estudo.

"A dominação social no capitalismo, no seu nível mais fundamental, não consiste na dominação das pessoas por outras pessoas, mas na dominação das pessoas por estruturas sociais abstratas constituídas pelas próprias pessoas."

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