http://www.duvido.com/2008/08/30/teologia-nao-superologia/Vez por outra recebo comentários do tipo “você está errado, pois segundo a teologia…” ou “tudo o que você escreveu pode até estar certo segundo a lógica humana, mas a teologia possui suas próprias regras, e…”. Tem até um que me manda diariamente imensas teses de doutorado com as mais vertiginosas acrobacias apologéticas teológicas, tudo baseado na alegação de que sim, existe a lógica universal, geral, mas que todas aquelas partes da mitologia cristã que, manifestamente, são incoerentes ou contraditórias segundo a lógica pura, na verdade não o são absolutamente, o que ocorreu é que naquele momento as regras universais às quais estamos acostumados foram momentaneamente revogadas e, em seu lugar, leis “mágicas” começaram a valer, permitindo que, entre outras coisas, cobras comecem a falar e oferecer maçãs por aí, arcas sejam construídas no oriente médio para abarcar espécimes inclusive da fauna australiana e americana, e que a rotação da Terra seja parada bruscamente sem causar a sua espetacular destruição.
Segundo estes apologistas, tudo isto é perfeitamente possível, nada fere a lógica. Basta enfiar a cabeça em um buraco, tapar os ouvidos e dizer “a teologia explica”, como se isso fosse algo tão universal, seguro e confiável como as frases “a física explica”, “a química explica” e “a economia explica”.
Pois bem, o que é a teologia? A grosso modo, nada. É o estudo do estatuto de um clubinho, e, já que este clubinho é dono da universidade mesmo (porque é um clubinho um bocado rico), conta com a benesse extraordinária de ocorrer dentro dos muros universitários. Não trata de leis universais, regulares, testáveis e observáveis, como as ciências, e não é universalmente aplicável, bastando o estudioso apenas usufruir de capacidade racional, como a filosofia. É um estudo de uma mitologia específica que simplesmente emula a ciência acadêmica na sua estrutura universitária, e seqüestra seletivamente métodos filosóficos de um ou outro pensador. E enquanto fazem tudo isso seus participantes se acham grande coisa, porque, afinal de contas, dividem a mesa do refeitório da universidade com pessoas que estudam ciências de verdade.
Resumindo, enquanto as ciências dizem que A é praticamente certo porque foi extensamente observado, a teologia diz que B é que é certo porque está escrito no Manual Místico X, e a humanidade deve se curvar humildemente à Verdade Absoluta de que o Manual Místico X está sempre certo porque… porque isto também está escrito no Manual Místico X. E é impossível provar que o Manual Místico X está errado em qualquer ponto, porque, alegam, o Manual Místico X é escrito segundo uma lógica mágica e super bacana, que não se manifesta mais, mas que antigamente se manifestava pra chuchu.
Sabem, não é que isto é bem lógico? Um circulus in demonstrandum perfeito, bem fechadinho, sem falhas! A é certo porque B diz, e B é certo porque A diz. É tão perfeitamente AUTISTA que eu acho que, a partir de hoje, vou criar minha própria “ciência da revelação”. Pronto, criei. Senhoras e senhores, apresento a SUPEROLOGIA.
Superologia, no sentido literal, é o estudo sobre o Super-Homem (do inglês”Superman”, “Super-Homem”; + λóγος, logos, “palavra”, por extensão, “estudo”). Como ciência (é uma ciência legítima, tanto quanto a teologia) tem um objeto de estudo: o Super-Homem. Como não é possível estudar diretamente um objeto que não vemos e não tocamos, estuda-se o Super-Homem a partir da sua revelação. No Superomenismo isto se dá a partir das histórias do Super-Homem nos quadrinhos publicados pela DC Comics. Por isso, também se define “Superologia” como um falar “a partir do Super-Homem”.
O quê? Por que estão rindo? Qual a diferença entre uma “ciência” e outra? Qual o critério objetivo, universal, que diz que a teologia “vale” e a Superologia (o “S” é sempre maiúsculo) não? Seus preconceituosos, intolerantes e proselitistas!
Ah, já sei: está escrito no Manual Místico X dos cristãos que ele que está correto, os todos os outros (o que inclui a Superologia) não. Pois eu tenho más notícias para eles: achamos a mesma coisa a respeito das publicações do Super-Homem. E achamos que o Manual Místico X é totalmente inverossímil (ora, dá um tempo! o cara andava sobre a água! Morreu e voltou! Só o Super-Homem pode fazer isso!). E como temos certeza disso? Ora, pelo simples e irrefutável fato de que a Superologia diz isso. Quem acha que não é um ignorante que “não entende nada de Superologia”, e por isso está absolutamente errado.
A Superologia possui poucos, mas irrevogáveis, indiscutíveis e dogmáticos princípios.
O primeiro princípio é que todos os fatos e acontecimentos que ocorreram nas histórias do Super-Homem são absolutamente verdadeiros. Não há discussão quanto a isso. Alguns ignorantes, que não entendem nada de Superologia, poderiam afirmar que são simplesmente histórias inventadas por homens, parábolas, contos metafóricos, ou mera diversão. A ciência superológica responde estas dúvidas: sabemos que não é nada disso, trata-se de REVELAÇÃO. É um conhecimento passado diretamente do Super-Homem para seus fiéis. E quem não acreditar nisso é um ignorante que não entende nada de Superologia.
Como tratar as evidências em contrário, que dizem que o Super-Homem não existe? Simples, a Superologia também explica isso. Para proteger sua identidade secreta, o Super-Homem, utilizando seus super-poderes, plantou evidências falsas por aí que nos levariam a achar que ele não existe. Isso inclui utilizar seus super-poderes para fazer falhar experiências destinadas a tentar reproduzi-los. Obviamente, isto também é um teste para ver quem acredita nele de verdade ou não (nota: quem não acreditar será queimado nos poços de lava de Apokolips por um bilhão de bilhões de eternidades infinitas ao quadrado, então é bom acreditar.)
O segundo princípio é que, sempre que alguma lei natural do mundo em que vivemos contrariar qualquer característica do Super-Homem ou disser que é impossível para um homem voar, ter visão de raio-x ou visão de calor, devemos enterrar a cabeça em um buraco, tapar os olhos e os ouvidos e continuar acreditando nos ensinamentos da Superologia, pois estas coisas não devem ser discutidas ou questionadas. É um mistério da fé. É um dogma. Não devemos nem pensar no contrário. Aliás, é bom queimar quem falou o contrário.
Terceiro, é um dogma da fé o fato inatacável de que o Super-Homem é onipotente, onisciente, onipresente, onibenevolente, onigostosão e oni-SUPER. Sabemos que ele é tudo isso e muito mais ainda. Aliás, ele é onipotente e oni-impotente ao mesmo tempo, pois ele também pode ser onicontraditório sem deixar de ser, em momento algum, onilógico. Pode parecer ilógico para vocês, que, pobrezinhos, não são bacharéis em Superologia, mas entendam que isto está perfeitamente de acordo com as regras da nossa ciência (que, assim como a teologia, não é obrigada a seguir a lógicazinha limitada do universo).
Quarto princípio, e talvez o mais importante: os três primeiros princípios são absolutamente, totalmente, inquestionavelmente, indubitavelmente, inatacavelmente corretos e verdadeiros. Até o último fio de cabelo. E como sabemos disso? Simples, o Super-Homem me disse. E como vocês podem saber que isso é verdade? Não podem, é um mistério da fé. Lembrem-se de que se não acreditarem serão queimados em Apokolips pelo Darkseid em pessoa durante um montão de eternidades, então eu não acho prudente arriscar.
Então fica combinado: antes de tentar atacar a “pobre lógica humana”, evocando regrinhas teológicas, lembrem-se de que, pelo menos aqui, apelos à teologia não serão aceitos. Se quiserem fundamentar uma posição ou outra, o façam utilizando a Superologia, que é muito mais legal.
Ou então, desçam da montanha e poderemos discutir utilizando a lógica e a ciência, universais, válidas para todos os homens, em todas as nações, épocas e lugares do universo. Juro que se isso acontecer eu não apelarei para os dogmas superiores da Superologia.