Pesquisa diz que igreja encobre abuso sexual
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
A Igreja Católica encobre os crimes sexuais cometidos por padres contra mulheres, protege os agressores e silencia as vítimas. É a conclusão de uma pesquisa feita pela ONG Católicas pelo Direito de Decidir (CDD), que será divulgada hoje em um debate no Pátio do Colégio, em São Paulo.
No levantamento, foram estudados 21 casos noticiados pela imprensa brasileira, no período de 1994 a 2002. Desses, 17 envolviam garotas de nove a 16 anos. Do total, apenas cinco originaram processos criminais.
O trabalho, "Desvelando a Política do Silêncio: Abuso Sexual de Mulheres por Padres no Brasil", foi financiado pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher e é parte da tese de doutorado de Regina Soares Jurkewicz em ciências da religião na PUC-SP. Segundo ela, coordenadora da CDD, as vítimas estudadas são mulheres pobres, que mantinham vínculos com a paróquia onde atuava o padre acusado -paroquianas, empregadas e mulheres que recebiam cestas básicas ou outro benefício.
"A igreja tenta, invariavelmente, desacreditar as denunciantes, como se as palavras delas não tivessem peso. Com o padre acusado, o máximo que acontece é a transferência para outra paróquia." As denúncias foram feitas pelas próprias vítimas, por parentes delas e, em um caso, por uma ex-religiosa que, ao ser procurada pela mulher, resolveu denunciar o sacerdote. "Em geral, quando se denuncia um padre acusado de abuso sexual em uma paróquia, logo aparecem outras denúncias, o que mostra que a impunidade leva à reincidência", diz Regina.
Na sua opinião, a violência que a mulher sofre após a denúncia é tão forte quanto o próprio abuso sexual. Além da cúpula da igreja, a comunidade também tende a culpar a mulher e a defender o padre.
"O padre que abusa tem uma proteção institucional que os outros homens não têm. A igreja faz a escolha do silêncio, desqualifica a vítima e valoriza o agressor."
A igreja não tem posição a respeito (leia texto abaixo).
Romance
Os amores, a vida sexual, os filhos e os abortos que os padres supostamente induzem as mulheres a praticar é tema de outra obra, o romance "A Hora do Angelus", que a médica Fátima Oliveira, presidente da Rede Feminista de Saúde, lança em julho. Ela afirma que, embora o roteiro e os personagens sejam fictícios, os fatos são baseados em informações recolhidas em sua vivência como médica feminista que defende a legalização do aborto.
OUTRO LADO
"Padre responde segundo as leis dos homens", diz CNBB
O assessor da Pastoral da Família, da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), José Maria Costa, negou ontem que a Igreja Católica brasileira acoberte crimes sexuais cometidos por padres.
"Desde que a denúncia seja materializada, o padre responde de acordo com as leis dos homens. No âmbito da igreja, ele é ouvido e, se comprovada a culpa, punido, transferido", afirmou Costa, que diz desconhecer a pesquisa da CDD.
Segundo ele, muitas denúncias não passam de simulações. "Tem muita mulher que senta na primeira fila durante a celebração, cruza as pernas e fica provocando o padre", afirmou.
A Folha tentou ouvir ontem a CNBB sobre a pesquisa da CDD, mas, segundo a secretaria da entidade, não há uma posição oficial sobre o assunto e não havia nenhum bispo no local que pudesse falar sobre ele.
A reportagem foi orientada então a telefonar para o bispo dom Rafael Cifuendes, presidente da Comissão Vida e Família da CNBB, responsável pela diocese de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro.
Ao saber do assunto, Cifuendes disse, por meio do secretário, que estava em audiência e que não poderia falar. Indicou então José Maria Costa para falar em seu nome.
fonte: FOLHA DE SÃO PAULO - caderno cotidiano 28/07/05