Bienal de Veneza propõe resgate do 'lar doce lar' pela arquitetura A Bienal de Arquitetura de Veneza, a principal do mundo, abre as portas ao público tentando reacender um diálogo que parece ter se perdido com o passar do tempo: o do criador de casas com o que mora e vive nelas.
Entre os dias 14 de setembro e 23 de novembro, a mostra
Out There: Architecture Beyond Buildings (algo como Lá Fora: A Arquitetura para Além dos Edifícios, em tradução livre) quer resgatar os valores da arquitetura perdidos em "túmulos de cimento" – ou seja, em edifícios modernos que sufocam a realização de chegar em casa e "se sentir" em casa, e não em num simples dormitório.
Em 56 pavilhões estrangeiros, cem arquitetos convidados - entre eles, Frank O. Ghery, Zaha Hadid, An Te Liu, Herzog & Mede Meuron - e 300 profissionais do setor, trouxeram para a mostra o que viram e ouviram de seus clientes.
A exposição pretende ouvir quem vive no microcosmo criado pelo arquiteto e provocar maior interação entre o arquiteto e a população.
O diretor da Bienal, o holandês Aaron Betsky, quis exibir um olhar de dentro para fora, avaliar o ponto de vista de quem vive os pontos positivos e os negativos da arquitetura na própria pele.
Segundo ele, o grande problema é a inércia da arquitetura. "Ela não representa apenas 'o construir', mas sim o ir mais além. Os prédios nada mais são do que uma realidade insuficiente, se transformaram em 'túmulos de arquitetura'. Eles são grandes e caros e dificilmente se adaptam as novas exigências da vida moderna", comentou, durante a apresentação da Bienal.
O Brasil colheu ao pé da letra a proposta da Bienal. O curador do pavilhão brasileiro, o arquiteto Roberto Loeb, saiu a campo para ouvir os relatos de 86 pessoas das mais diferentes idades, classes sociais e profissões. E transformou esses depoimentos em painéis fotográficos e as paredes em grandes murais.
Deu a palavra desde a um anônimo sem-teto que vive embaixo de um viaduto em São Paulo até uma famosa atriz, que reclama do quarto orientado para o oeste e que se transforma num "forno" ao longo da tarde.
Dentro do pavilhão foram criadas duas grandes salas de leitura, como se fossem a biblioteca de uma casa.
"Começamos pelas memórias de cada um, das coisas mais importantes das vidas até as propostas que alguns fazem para as ruas, as praças, para o mundo, para a infra-estrutura de hoje", explicou para a BBC Brasil, Roberto Loeb.
"Encontramos uma babá na zona sul do Rio do Janeiro que propôs soluções viárias para a cidade, através de viadutos e pistas. Ela propõe ainda a criação de centros de educação física onde vive, em Caxias, nos quais as crianças aprenderiam lutas marciais e assim ganhariam auto-estima que ajudaria no respeito a si próprio e aos outros", comentou o arquiteto.
Outro exemplo é foto de uma casa de um sem-teto, decorada com calotas de ônibus, plástico amarelo e outros materiais encontrados na rua, apresentada no principal muro do pavilhão.
"É um palácio feito com restos. Com amor, com sensibilidade se pode fazer muito com pouco. Ele reciclou tapetes e moveis velhos e fez um canto que é um encanto", resume Roberto Loeb.
"Achei que era o momento de trazer para a Bienal o 'não-arquiteto', a voz de pessoas que de uma forma ou de outra usam ou não o trabalho do arquiteto."
De volta às origensA reciclagem está na ordem do dia nesta Bienal. Por todo o chamado Giardini, onde estão os pavilhões das nações participantes, e em algumas áreas do Arsenale, onde foi montada uma exposição chamada Installations, se vêem pequenos viadutos feitos com madeira e galões de plástico.
Nas mãos de arquitetos estes materiais destinados ao lixo ressuscitam e ganham uma nova função e forma cada vez mais arrojadas e inovadoras.
Projetos de revitalização de espaços urbanos 'mortos', com os parapeitos de viadutos, tetos e paredes de prédios, prevêem uma verdadeira revolução verde.
A implantação de pequenos jardins suspensos serve para devolver ao habitante da cidade o contato com a natureza.
Mais do que apresentar soluções milagrosas para a questão da habitação no mundo, a Bienal propõe interrogações através de instalações sobre a necessidade do ser humano valorizar, viver e possuir o espaço à sua disposição.
O conhecido arquiteto Frank O. Gehry, que criou, entre outros projetos, o do Museu Guggeneheim em Bilbao, trouxe uma maquete gigante de um hotel em construção em Moscou. Em tempo real, e diante do público, um grupo de artesãos de Veneza completa a obra, cobrindo a estrutura de madeira com argila, segundo orientação do arquiteto.
"Enquanto muitos buscam novas formas com tecnologia de ponta, Frank O. Gehry volta às origens e mantém as raízes nos elementos naturais", afirmou um dos artesãos à BBC Brasil.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/09/080912_bienalaquino_pu.shtml-----------------
Bienal de Arquitetura de VenezaA Bienal de Arquitetura de Veneza sublinha a valorizção do espaço interno para o bem-estar de quem está dentro. Este barraco criado embaixo de um viaduto em São Paulo revela a necessidade e a capacidade de um homem simples em transformar a sobrevivência numa arte maior.
Os novos projetos devem priorizar a criação de espaços públicos cada vez maiores para facilitar a interação entre as pessoas, entre os vizinhos. Novas áreas verdes devem ser resgatadas com maior intensidade e velocidade.
Elementos naturais usados nas construções ajudam a resgatar o contato do homem com a natureza. O cimento armado pode e deve ceder lugar ao uso sustentável da madeira que ajuda a reconectar o homem às suas origens e raízes.
A aplicação da tecnologia pode facilitar as novas construções, criando possibilidades a partir de projetos que valorizem o ser humano no seu intimo. Paredes curvilíneas em uma residência criam uma sensação de leveza e de beleza. Experimentar e dividir o conhecimento.
O uso de novos materiais testados em túneis do vento, o mesmo usado para os carros, pode ser usado na edificação. Há dez anos, o escritório Asympetote, de Nova York, experimenta como dar vida e movimento aos 'corpos estáticos', os prédios, a partir de materiais aerodinâmicos.
A Bienal critica as construções que condenam o morador ao isolamento. Esta instalação holandesa denuncia a falta de contato humano entre moradores, que se tornam reféns da própria solidão, 'construída por uma arquitetura social'.
Este teto foi feito com os tubos de purificação do ar, que escondem uma complexa tubulação atrás do reboco da parede. A exibição destes acessórios urbanos provoca a reflexão sobre as suas necessidades e as motivações para o seu uso.
A Bienal releva ainda projetos utópicos. Navios de guerra ganham a função de parque de diversão flutuante. Metáfora de que a arquitetura deve se tornar dinâmica e fluida, e se adaptar ao movimento da sociedade. A arquitetura deve questionar a realidade. O evento se realiza até 23/11/2008.