Autor Tópico: Da Gramática Normativa  (Lida 1708 vezes)

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Offline Andre

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Da Gramática Normativa
« Online: 03 de Outubro de 2008, 18:34:10 »
Criei este tópico em Ciências, pois considero esta a área mais apropriada. Se algum moderador quiser mudar de área, mude; mas por favor, não comecem uma discussão sobre Gramática ser ou não uma ciência.

A Gramática Normativa estabelece os padrões (a forma culta) da língua escrita e falada. Não discordo da necessidade de regras em uma língua (não quero que minha língua vire emuxês), mas elas não são exageradas no brasileiro?

Antes de mais nada, quero distinguir brasileiro de português. Diferente de Portugal, onde se falam ênclises (“Dê-me”) e mesóclises (“Entregá-lo-ia”) corretamente, aqui no Brasil usamos e abusamos da próclise. Isso quando usamos um pronome oblíquo, gostamos mesmo é dos pronomes do caso reto. “Eu a vi” não, “Eu vi ela”.

Para mim, o exemplo mais claro de que há algo errado nisso tudo é o da colocação pronominal em casos de locuções verbais. Destes exemplos:
1. Eu não te quero bater.
2. Eu não quero te bater.
3. Eu não quero bater-te.
A frase dois é a que escutaríamos no dia-a-dia, e é justamente a incorreta.

Outro exemplo claro é ao pedir alguma coisa. Não dizemos “Dá-me um pão”, e sim “Me dá um pão”, que também está incorreto. Esse é um fenômeno antigo no Brasil. No poema Pronominais de Oswald de Andrade já podemos perceber que o início de frases com pronomes oblíquos é comum aqui há pelo menos oitenta anos. Ainda assim, a Gramática brasileira não aceita essa construção, e aparentemente não vai aceitar por um bom tempo.

O que vocês acham disso?
Se Jesus era judeu, então por que ele tinha um nome porto-riquenho?

Offline SnowRaptor

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Re: Da Gramática Normativa
« Resposta #1 Online: 03 de Outubro de 2008, 18:43:20 »
A (pouca) experiência que eu tenho em cursos de línguas mostra que há uma clara distinção entre a língua escrita e a língua falada. Como dizia uma professora: "no oral vale tudo".

Não vejo muito sentido em incorporar os abusos da oralidade à normal "culta", que deve ser aplicada no português (brasileiro) escrito formal. Tampouco devemos permitir que a norma ceda aos abusos escritos com os quais convivemos diaraiamente: "Proibida à entrada" "Orações com com sujeitos muito grandes, tem vírgula separando do predicado" e coisas assim. Não vou nem falar sobre as mesnagens que correm online.

O seu exemplo 2 "Eu não quero te bater."  é considerado aceito por pelo menos um gramático (quando tiver tempo caço a fonte). Nesse caso a redação mais rigorosa seria "Eu não quero-te bater" e no Brasil entende-se esse hífen como facultativo.

Por que, quando falamos sobre a língua portuguesa "culta", tendemos a escrever mais cuidadosamente?
Elton Carvalho

Antes de me apresentar sua teoria científica revolucionária, clique AQUI

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Offline Andre

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Re: Da Gramática Normativa
« Resposta #2 Online: 03 de Outubro de 2008, 19:05:37 »
Sim, creio que em todas as línguas existam diferenças entre a língua escrita e a falada, mas acho exageradas as do Brasil.

E como eu disse, acho sim que deve haver regras. Não é necessário aceitar todas os absurdos do cotidiano na língua culta, mas que mal há em começar uma oração com pronome do caso oblíquo? Ele continua sendo um pronome do caso oblíquo, não passa a ter a função de sujeito (caso reto) só porque está no início da oração.

No seu exemplo, “Proibida à entrada”, a crase não faz sentido, pois o verbo proibir não aceita a preposição a, nem mesmo na linguagem falada. Não haveria porque aceitar isso na língua culta. Já um outro exemplo, “Assisti um filme sábado” está errado segundo as regras de regência verbal, mas não há nada que o impeça de ser assim.

Por que, quando falamos sobre a língua portuguesa "culta", tendemos a escrever mais cuidadosamente?
Para dar a impressão de que sabemos do que estamos falando. :lol:
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Offline uiliníli

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Re: Da Gramática Normativa
« Resposta #3 Online: 03 de Outubro de 2008, 19:28:34 »
Uma coisa que reparo é adoramos usar o pronome de tratamento 'você' em lugar do pronome 'tu', ele praticamente substitui a 2ª pessoa do caso reto. Em compensação, para os demais casos pronominais, preservamos as formas da 2ª pessoa, por exemplo dizemos "Você sabe que eu te amo" em vez de "Você sabe que eu a amo". Ou seria "lhe amo"? Eu mesmo não sei, de tão comum que é para mim usar "te" nesse contexto.

Eu achei interessante o comentário do André sobre a razão de enquadrar a gramática normativa na área ciência do fórum, e apesar de seu pedido para não transformarmos este tópico em uma discussão sobre se ela é ciência ou não, não posso resistir a fazer um comentário: um cientista é alguém que observa um fenômeno, formula hipóteses para explicá-lo e testa essas hipóteses com experimentos. O cientista não dita à natureza como ela deve se comportar.

O gramático faz justamente o contrário, ele impõe com base na tradição um modelo segundo o qual seu objeto de estudo, a língua deveria se comportar. Então ele observa a maneira como as pessoas realmente falam e escrevem e diz que elas estão todas erradas, pois não obedecem à sua hipótese. A gramática normativa é anticiência.

Offline Andre

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Re: Da Gramática Normativa
« Resposta #4 Online: 03 de Outubro de 2008, 19:50:02 »
Na verdade, estava me contradizendo um pouco ao dizer isso. Esse tipo de discussão de se a Gramática deve ou não estabelecer regras eu já esperava que iria acontecer. Inclusive, um dos motivos que me levou a abrir este tópico foi uma aula desta semana.

Numa aula, meu professor de Gramática comentou sobre a pronuncia correta de obeso, “obéso”. Ele disse que de tanto o povo falar errado, os gramáticos foram “obrigados” a aceitar ambas as pronuncias, com o e aberto ou fechado.

Depois fiquei me perguntando, se a função de um gramático é estudar uma língua, como ele pode ser obrigado a aceitar alguma coisa dessa língua? A mesma coisa acontece com o verbo fechar, por exemplo. Ninguém diz "Fêcha a porta", e sim "Fécha a porta". Como eles se atrevem a dizer que a língua que eles estudam está errada?
Se Jesus era judeu, então por que ele tinha um nome porto-riquenho?

Offline uiliníli

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Re: Da Gramática Normativa
« Resposta #5 Online: 03 de Outubro de 2008, 20:17:32 »
Então, a língua é a língua. Se mesmo falando e escrevendo errado a gente se entende, então alguma lógica deve haver na nossa comunicação. É aí que começa a eterna batalha entre o bem e o ma... errm... digo, entre os lingüistas e os gramáticos :lol:

Offline Eremita

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Re: Da Gramática Normativa
« Resposta #6 Online: 15 de Outubro de 2008, 08:29:51 »
André, ocorre o seguinte: o português tinha uma regrinha complicada pra esses clíticos de pronomes, que pouco-a-pouco está caindo.

Se for pela normativa, tanto brasileiros como portugueses estão errados, já que estes usam a ênclise indiscriminadamente e aqueles a próclise (e ao que me parece, mesóclises estão caindo em desuso dos dois lados).



Uma coisa que reparo é adoramos usar o pronome de tratamento 'você' em lugar do pronome 'tu', ele praticamente substitui a 2ª pessoa do caso reto. Em compensação, para os demais casos pronominais, preservamos as formas da 2ª pessoa, por exemplo dizemos "Você sabe que eu te amo" em vez de "Você sabe que eu a amo". Ou seria "lhe amo"? Eu mesmo não sei, de tão comum que é para mim usar "te" nesse contexto.

Eu achei interessante o comentário do André sobre a razão de enquadrar a gramática normativa na área ciência do fórum, e apesar de seu pedido para não transformarmos este tópico em uma discussão sobre se ela é ciência ou não, não posso resistir a fazer um comentário: um cientista é alguém que observa um fenômeno, formula hipóteses para explicá-lo e testa essas hipóteses com experimentos. O cientista não dita à natureza como ela deve se comportar.

O gramático faz justamente o contrário, ele impõe com base na tradição um modelo segundo o qual seu objeto de estudo, a língua deveria se comportar. Então ele observa a maneira como as pessoas realmente falam e escrevem e diz que elas estão todas erradas, pois não obedecem à sua hipótese. A gramática normativa é anticiência.

A gente tá fazendo a mesma coisa que os ingleses fizeram: trocar o pronome da segunda pessoa por um pronome de tratamento.

No inglês médio, "thou" é "você/tu", e "you" é "vocês/vós". Mas, por questão de respeito, costumava-se utilizar o "vós" para o singular também, até o ponto do pronome "thou" ser esquecido.
(Menos quando o povão precisa ler Shakespeare X-D )

No português, a gente deve lembrar que "você" se originou de "vossa mercê", que nada mais é que um pronome de tratamento!



Quanto a gramática prescrever ou não regras, existe a gramática prescritiva e a gramática descritiva. Acho que os nomes explicam... rsrsrsrs.

Pessoalmente, tenho horror à prescritiva :biglol:

Ciência vs. não-ciência: a descritiva é ciência, pois se propõe a explicar determinado fenômeno. A prescritiva não, pois tudo o que ela faz é estabelecer normas do que se deve ou não fazer.



Então, a língua é a língua. Se mesmo falando e escrevendo errado a gente se entende, então alguma lógica deve haver na nossa comunicação. É aí que começa a eterna batalha entre o bem e o ma... errm... digo, entre os lingüistas e os gramáticos :lol:

Evolução lingüística: o português nada mais é que um latim falado má e porcamente. E uma norma culta nada mais é do que a linguagem informal de alguns séculos atrás.
Latebra optima insania est.

Offline avilaton

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Re: Da Gramática Normativa
« Resposta #7 Online: 12 de Março de 2009, 19:52:07 »
Na língua falada vale tudo para quem não quer seguir ou se preocupar com uma boa linguagem, sem a propagação de vícios, incoerências e deslizes, preferindo colocar sua própria consciência ao abismo de certas ignorâncias.

Para quem não sabe, a dita norma "culta" revela-se, em alguns pressupostos, incoerente.

O exemplo "eu não quero te bater." está correto e diferente de "eu não quero-te bater", que significa "eu não quero a ti bater", algo como "eu não quero bater para ti".

Quero já salientar que nunca coloquem o pronome ALGUM para fazer uma negação.
A palavra pode ser uma arma contra os que dela fazem mau uso.

Offline Herf

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Re: Da Gramática Normativa
« Resposta #8 Online: 12 de Março de 2009, 23:54:13 »
Não consigo ver qualquer sentido em normatizar a escrita até esses mínimos detalhes. Está compreensível? Ótimo.
« Última modificação: 12 de Março de 2009, 23:56:52 por Herf »

Offline Orbe

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Re: Da Gramática Normativa
« Resposta #9 Online: 13 de Março de 2009, 00:19:31 »
O que vocês acham disso?

Eu acho que certas regras não tem razão para continuar existindo. Tanto que são ignoradas a maior parte do tempo e nem por isso comprometem a comunicação. Então não vejo propósito em perder tempo com elas. Eliminamos logo ou, para agradar aos eruditos, deixamos elas permanecerem nos livros de gramática apenas para dizer que ainda existem, enquanto continuamos escrevendo/falando da forma que faz mais sentido escrever/falar.



PS: Sempre achei mesóclise uma coisa tão sem propósito...
« Última modificação: 13 de Março de 2009, 13:29:56 por Orbe »
Se você se importasse não estaria discutindo e sim agindo...

Offline SnowRaptor

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Re: Da Gramática Normativa
« Resposta #10 Online: 13 de Março de 2009, 00:20:02 »
Avilaton, por que não se apresenta no tópico de apresentações para receber as boas vindas?
« Última modificação: 13 de Março de 2009, 00:23:04 por SnowRaptor »
Elton Carvalho

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Offline avilaton

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Re: Da Gramática Normativa
« Resposta #11 Online: 13 de Março de 2009, 10:00:59 »
Uma das atitudes inconsequentes na manifestação da linguagem, que caracteriza um mal-entendido, apesar de comum, está, por exemplo, em mencionar a expressão "antes de mais nada" logo no início de qualquer diálogo, informação ou opinião, se não for para estabelecer como principal um conceito ou informação, em relação a outra coisa, isto é, antes de nada mais ser importante.

Por isso, a expressão em análise não pode nem deve ser entendida como antes de tudo ou como antes de qualquer coisa, duas de muitas expressões que seriam apropriadas para o caso. Porém, é justamente o mal-entendido acerca da expressão que tem ocorrido até o momento.

A expressão "antes de mais nada", por ser mal interpretada por aqueles que persistem numa filosofia de linguagem que compromete o lado semântico, causa um entendimento distorcido, mesmo que muitos ainda não percebam isto devido ao próprio desconhecimento do que ela realmente significa. E, ao que parece, alguns programas têm contribuído para isso, ofertando ao público o mau emprego da linguagem.

Primeiramente, há de se entender que ela é formada pela locução prepositiva "antes de", que equivale a "próximo de", mais o termo "mais nada", que denota enceramento ou outra coisa que não seja importante, algo insignificante. A partir daí, pode-se dizer que a expressão antes de mais nada admite só dois sentidos: "próximo de encerrar" e "antes de outra coisa sem importância" ou "principalmente".
Por isso, nunca podemos interpretar "antes de mais nada" como "antes de tudo".

 :ok:
A palavra pode ser uma arma contra os que dela fazem mau uso.

 

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