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Offline Herf

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O que fazem de Machado de Assis?
« Online: 31 de Outubro de 2008, 16:54:15 »
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29.10.08
O que fazem de Machado de Assis?

Machado de Assis está sendo lembrado a todo instante graças ao centenário da sua morte. Não tenho certeza (pois estou fora desse circuito), mas selos postais, cadernos culturais, jornais de bairro e reuniões universitárias e de sindicatos, devem ter todas um quê da aura do antigo morador do Cosme Velho. Eu gosto da sua pessoa (um autêntico self-made man), apesar de não gostar tanto da sua literatura como nos obrigam desde o nascimento. O que me incomoda nem é tanto as constantes evocações ufanistas – julgadas por essa humilde pessoa como legítimas –, mas justamente o espírito que essas mensagens pró-machadianas parecem invocar. Ele foi um grande escritor? Sim, não tenhamos dúvida. Soube como poucos descrever o pathos brasileiro? Verdade, e não há razão para querermos desqualificar a sua obra nesse sentido. Mas uma coisa é apresentarmos o escritor Machado de Assis como um literato, homem das letras, e outra bem distinta é querermos vendê-lo – não encontro palavra melhor – como tendo sido um crítico político e qualificações do gênero.

Alguns querem fazer Machado de Assis um profeta das nações oprimidas da América Latina, cientista social, ou sei lá eu mais o quê. Digo isso porque essas tentativas de fazer de Machado de Assis um observador atento de todas as facetas da vida social brasileira é esvaziar de sobremaneira o conteúdo da sua obra literária. É deixar em segundo plano a sua literatura. Machado era um excelente literati, mas duvido que no momento em que ele estivesse escrevendo sobre Capitu ele também estaria pensando nas implicâncias sócio-familiares que uma suposta traição feminina ocasionaria numa sociedade conservadora e fortemente patriarcal. Essa espécie de interpretação normalmente parece ser construída com o intuito de usar Machado de Assis como autoridade dos pontos de vista daquele que interpreta sua obra. Isso para não fazermos referência ao universo que foi construído ao redor da sua pessoa.

Fortunas foram feitas e carreiras construídas não com base na análise sincera das suas obras (que abrangem a crônica, a poesia e o romance), mas apenas orientadas à busca de, nas suas páginas, encontrarem uma possível evocação (por menor que fosse, não importa) que justificasse o próprio ponto de vista daquele que as estudava. Nesse estágio de interpretação e análise o que menos importa é a literatura de Machado de Assis. O que importa não é tanto o que Machado de Assis escreveu, mas o que poderíamos pensar que ele tivesse escrito. Óbvio que esse é um assunto estritamente psiquiátrico, mas pode ser estendido a qualquer autor imaginável. Se quiséssemos, por exemplo, investigar a obra Os Lusíadas de Camões até encontrarmos vestígios de uma crítica ao sistema mercantilista de exploração e dominação; se quiséssemos também considerar que as palavras proferidas pelo Velho de Restelo eram na realidade a opinião privada de Camões, e que ele não as disse por estar impedido por um sistema monárquico que reprimia cruelmente a opinião de poetas e intelectuais, tudo poderíamos, pois que não existem barreiras à imaginação. E teses e dissertações se alimentam dessas pequenas divagações.

Contudo, serão elas necessárias? Até certo ponto creio que não. Quando procuramos um Machado de Assis que foge ao entendimento daquilo que o próprio Machado tinha sobre a sua pessoa, o caminho tomado para se chegar ao autêntico autor deveria ser repensado. Ao contrário do que pretende essa espécie de crítico e intérprete literário que vemos diariamente nos meios de comunicação - onde que para cada problema possível Machado de Assis já elaborou uma respectiva reflexão embebida na mais fina e sublime ironia - os constantes atos de divulgação da sua obra apenas fazem o leitor que procura literatura de qualidade delas se afastar. A partir daí, toda a obra de Machado de Assis passa a ser compreensível apenas aos iniciados de seita por todos conhecida, cujo templo é sempre uma empoeirada academia.


Guilherme Roesler

Fonte: http://acao-humana.blogspot.com/2008/10/o-que-fazem-de-machado-de-assis.html

 

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